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Guerra entre os poderes | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/PR/STF
Edição 110

Barroso estica a corda

Ministro Luís Roberto Barroso provoca as Forças Armadas e reabre o debate sobre a segurança das urnas e o ativismo político da Justiça Eleitoral

Silvio Navarro
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No último domingo, 24, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso tentou piorar a crise permanente na Praça dos Três Poderes. Ainda sob o efeito do revés imposto à Corte pelo presidente Jair Bolsonaro com o indulto ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), Barroso atacou o comando das Forças Armadas.

“Desde 1996, não temos um episódio de fraude no Brasil. Eleições totalmente limpas, seguras e auditáveis. Agora se pretende usar as Forças Armadas para atacar? Gentilmente convidadas a participar do processo eleitoral, estão sendo orientadas para atacá-lo e tentar desacreditá-lo?”, disse.

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Mais uma vez as declarações inconvenientes não foram feitas no plenário do Supremo nem nos autos. A exemplo do que fizera há 15 dias para a plateia da Brazil Conference, em Boston (EUA), Barroso discursava em uma palestra no exterior. Desta vez, o evento chamado Brazil Summit Europe foi realizado pela Universidade Hertie School, em Berlim (Alemanha).

“É preciso ter atenção para o retrocesso cucaracha de voltar à tradição latino-americana de [sic] ‘botar’ o Exército envolvido com política”, afirmou. “É uma péssima mistura para a democracia e para as Forças Armadas. Tenho fé de que as lideranças militares saberão conter esse risco de contaminação indesejável.”

Barroso comandou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até passar o bastão para Edson Fachin, em fevereiro. Foi, sem dúvida, o mais falante e predisposto a se envolver em embates na Corte Eleitoral nos últimos anos. A postura contraria, inclusive, a tradição do cargo, um posto discreto e para muitos até irrelevante. Afinal, eleições só acontecem a cada dois anos.

Em 2020, por exemplo, Barroso concedeu entrevistas de hora em hora depois do fechamento das urnas para dizer que não tinha explicação para o atraso assustador na apuração municipal. O supercomputador comprado sem licitação na gestão dele falhou. O argumento é que só a Oracle produz esse modelo no mundo. Pela primeira vez, a soma dos votos foi centralizada em Brasília. O custo para manter a máquina é de R$ 26 milhões por um período de quatro anos. Os técnicos do TSE afirmam que o problema foi solucionado.

Supercomputador eleitoral | Foto: Divulgação/TSE

Dilema das urnas eletrônicas

Barroso nunca escondeu o descontentamento com o fato de o Exército integrar o grupo de transparência das eleições. Ficou ainda mais irritado quando os militares apresentaram uma lista de questionamentos sobre a segurança das urnas eletrônicas, em meio ao acalorado debate do voto impresso no Congresso Nacional. Ele não admite críticas ao sistema. Pelo contrário: avalia que se chegou à perfeição tecnológica, ainda que o mesmo modelo só seja utilizado em Butão e Bangladesh.

No mês passado, o general Heber Garcia Portella, que chefia o Comando de Defesa Cibernética do Exército, enviou um documento ao TSE com recomendações para aperfeiçoar a transparência das urnas. A lista foi elaborada por uma equipe de 70 auditores militares da área de tecnologia da informação. O TSE se recusou a divulgar o documento com as sugestões.

“TSE comete crime de responsabilidade ao não fornecer informações”

A confiança nas urnas eletrônicas é um tema que tira Barroso do sério. Ele encara a defesa do presidente Bolsonaro ao voto auditável como uma provocação. Tanto que trabalhou pessoalmente para derrubar a Proposta de Emenda à Constituição que buscava a impressão do comprovante do voto. Barroso chegou, inclusive, a se reunir com presidentes de partidos no Congresso, atitude que mais uma vez extrapolou a independência dos Poderes.

Mesmo sem conseguir aprovar a PEC, Bolsonaro mantém o tema na agenda, ao se referir à segurança das urnas em discursos e entrevistas. Uma das últimas menções foi justamente no Dia do Exército (19 de abril). “A alma da democracia repousa na tranquilidade e na transparência do sistema eleitoral”, disse. “Não podemos jamais ter eleições no Brasil que sobre elas paire o manto da suspeição.”

Reação da caserna

A reação das Forças Armadas ao ataque de Barroso foi intensa nesta semana. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, se manifestou por meio de uma nota sem muitos rodeios.

“Afirmar que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral, ainda mais sem a apresentação de qualquer prova ou evidência de quem orientou ou como isso aconteceu, é irresponsável e constitui-se em ofensa grave a essas instituições nacionais permanentes do Estado Brasileiro”, disse. “Além disso, afeta a ética, a harmonia e o respeito entre as instituições.”

Outros militares também se pronunciaram em entrevistas e nas redes sociais. “Barroso acredita, de fato, que as Forças Armadas querem boicotar as eleições”, afirmou o general da reserva Paulo Chagas. “Mas sabe que não poderia fazer uma acusação dessas. Por isso, levou uma carraspana do ministro da Defesa.”

“Os ministros do STF ultrapassaram os limites”, afirma general Paulo Chagas

“Essa instituição é necessária. Sua história orgulha o Brasil. No entanto, os ministros atuais são populares. É o ‘populacho’. Não é assim que funciona. Os próprios ministros se intitularam como Poder Moderador — algo que não existe. Eles ultrapassaram os limites.” (Paulo Chagas)

O general Luiz Ramos, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, fez coro ao discurso de Bolsonaro. “Defender a soberania nacional é dever das Forças Armadas. Eleições democráticas e transparentes fazem de nós um país soberano, por isso, nossas Forças Armadas estarão sempre vigilantes pelo bem do nosso povo.”

Para o general Roberto Peternelli, deputado federal pelo União Brasil, foi uma manifestação desnecessária. “Toda declaração que fere a harmonia entre os Poderes não contribui para a população”.

Antes mesmo da fala de Barroso na Alemanha, alguns integrantes da caserna vinham demonstrando falta de paciência com os ministros do Supremo. O estopim foi a condenação do deputado Daniel Silveira. O Clube Militar produziu uma nota duríssima assinada pelo general de divisão Eduardo José Barbosa. “É lamentável termos no Brasil ministros cujas togas não serviriam nem para ser usadas como pano de chão pelo cheiro de podre que exalam”, disse.

 

“Não serei uma Jeanine”

O respaldo de Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira foi interpretado na Câmara dos Deputados como um recado claro para que as bancadas conservadoras se movimentassem. Três frentes temáticas, os evangélicos, a de segurança pública e a agropecuária, apelidadas de BBB (boi, bala e Bíblia), que reúnem mais de um terço da Casa, assinaram uma nota conjunta. No texto, os deputados Capitão Augusto (PL-SP), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Sérgio Souza (MDB-PR) pediram ao presidente que promovesse um ato no Palácio do Planalto batizado de Ato Cívico pela Liberdade de Expressão. “Entendemos que o momento político no país requer equilíbrio e respeito à Constituição e ao fortalecimento da nossa democracia”, dizia a carta.

Bolsonaro atendeu ao pedido. Na noite de quarta-feira 27, reuniu os aliados num evento transmitido pela TV Brasil. Mais de 20 parlamentares discursaram. “O TSE convidou as Forças Armadas para participar do processo eleitoral”, disse o presidente. “Será que esqueceram que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Bolsonaro? Mente o ministro Barroso quando diz que [o documento com sugestões do Exército] é sigiloso. Para as Forças Armadas, se um militar mente, acabou a carreira dele”, continuou. “Não pense que uma possível suspeição da eleição vai ser apenas no voto do presidente. Vai entrar no Senado, Câmara, se tiver, obviamente, algo de anormal.”

No final, Bolsonaro relembrou o episódio envolvendo Jeanine Añez, ex-presidente da Bolívia. Ela assumiu o país após a renúncia de Evo Morales e a ausência do presidente da Câmara. Na época, o país vivia uma onda de protestos violentos porque Morales foi acusado de fraude eleitoral. Ele fugiu para a Argentina, mas iniciou uma articulação política à distância para derrubar a sucessora. Añez acabou presa por conspiração e sedição. “Alguém sabe qual foi a acusação? Atos antidemocráticos. Entenderam? É o que vivemos no Brasil. Cria-se um decreto, ato antidemocrático, e ali a pessoa faz o que bem entender”, disse Bolsonaro.

Ele ainda repetiu que não respeitará quem “jogar fora das quatro linhas da Constituição”. E encerrou com mais quatro palavras: “Não serei uma Jeanine”.

Leia também “Duelo na Praça dos Três Poderes”

19 comentários
  1. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo artigo. Parabéns. Desejo e espero que esse sinistro Boca de Veludo morra logo e nos livre de sua presença nefasta.

  2. Alberto
    Alberto

    É o que dá ter na “suprema corte” um sujeito como esse. Um Adorador de Falos que pensa que pode atacar as FFAA impunemente.

  3. Beeckow
    Beeckow

    Ele SABE que não dará em nada. Já está mais que comprovado que “os supremos” podem fazer o que quiserem, especialmente rasgar a constituição e anular os demais poderes, que NÃO DÁ EM NADA. E o povo assistindo.

  4. Alexandre Rizzo
    Alexandre Rizzo

    Eu acho que estão fazendo tempestade em poça de cuspe… As urnas são tão confiáveis quanto o painel de votação do SENADO, não é ACM????? Não é Arruda?????

  5. Daniel BG
    Daniel BG

    Me veio à mente uma comparação que achei digna de partilhar aqui com todos. Recorrendo ao capítulo “Um Genoíno homem de esquerda” no livro “O Imbecil Coletivo” de Olavo de Carvalho, pude sentir muito de Barroso no capítulo.
    No excerto, a seguir, Barroso se encaixa perfeitamente (lembrando que Olavo fala de Genoíno). Vejam!

    “a rejeição que o deputado (Genoíno) faz da violência armada não é de ordem moral: é estratégica”. É Barroso, é a tática dos comunistas.

  6. Beatriz Moreira Loureiro
    Beatriz Moreira Loureiro

    Já que o TSE não divulga o documento com as questões levantadas pela FFAA porque as FFAA não divulgam? Não vejo sentido nesse sigilo.

  7. Roberto Fakir
    Roberto Fakir

    Barroso e o McDonald’s são iguais. Além da cara com nariz vermelho eles estão mais preocupados em implantar banheiros unisex do que com a qualidade de suas respectivas atribuições. Um não sabe ler constituição e outro não sabe fazer o Mac Picanha. Os dois são picaretas enganadores.

  8. Roberto Fakir
    Roberto Fakir

    Butão é um país monárquico e Bangladesh é o país mais pobre da Ásia e é parlamentarista com roubos nas eleições. Avisem o Barroso.

  9. Roberto Fakir
    Roberto Fakir

    Tem qud parar de falar que Bangladech é Butão usam as mesmas urnas. Dão trela para o Barroso e Fachin dizerem que alguns países usam. Tdm que dizer que ninguém usa, só o Brasil usa, e desafiar Moraes, Fachin e Lewandowski a dizer quais países usam. Pronto. Se falarem mais do que esses 2 países, chamem de mentirosos.

  10. Luiz Carlos Mendonça
    Luiz Carlos Mendonça

    E ao final de cada eleição se fecham numa sala secreta… Tá bom…
    Tá ‘facinho’ ‘facinho’ de qualquer pessoa normal acreditar nessa gente…

  11. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Só teremos certeza que as urnas eletrônicas são seguras se o Ministério da Defesa, portanto as FFAA urgentemente façam o desenvolvimento com seus competentes TIs., do software e de novas tecnologias que permitam segurança e auditoria externa, evidentemente afastando os TIs do TSE. Pronto, ao TSE caberá apenas homologar o resultado e eventualmente julgar algumas ações demandadas.

  12. Agnelo A. Borghi
    Agnelo A. Borghi

    OK, se o TSE se recusou a divulgar o documento com as sugestões, por que as Forças Armadas não fazem? Nós, eleitores temos o direito de saber quais são essas sugestões.

  13. Sandro Luis Batista Soares
    Sandro Luis Batista Soares

    Estou achando que o TSE não quer que descubram que nas eleições passadas houve fraudes. E se descobrirem isso agora seria o fim deles todos.

  14. Júlio Rodrigues Neto
    Júlio Rodrigues Neto

    Transparência nas eleições não é tornar a urna invisível. Ela tem de ser visível aos olhos do público.

  15. Gustavo G. Junior
    Gustavo G. Junior

    FA, demorô, pô !!

  16. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    O Presidente Bolsonaro tem que manter essa postura forte contra o establisment.

  17. Paulo R M
    Paulo R M

    Pô! tá na cara que tem fraude…quem afirma que as Urnas Eletrônicas são 100% confiáveis, no mínimo é Prepotente, Arrogante e Mentiroso…nesse caso todas as alternativas estão corretas dessa M.de M. Será que ele classifica todos os Brasileiros como aqueles que adoram o Pão com Mortadela, na qual vivem de esmolas dadas pelo Estado Esquerdopata???

  18. Luiz Wargha
    Luiz Wargha

    Não entendo a preocupação do Barroso. Se nosso sistema é confiavel, qual o problema de termos a forças armadas acompanhando? Compartilho o pensamento do Clube Militar
    “É lamentável termos no Brasil ministros cujas togas não serviriam nem para ser usadas como pano de chão pelo cheiro de podre que exalam”

  19. Eliel De Torres
    Eliel De Torres

    Na minha juventude em São Paulo, “barroso” era sinônimo de “cocô” (acabei de fazer um barroso…).

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