Pular para o conteúdo
publicidade
Mauricio Meneses, pesquisador e professor universitário | Foto: Arquivo Pessoal
Edição 121

“O Brasil valoriza pouco os heróis nacionais”

O pesquisador Mauricio Meneses resgata a vida de Marechal Rondon e conta os feitos do “Bandeirante do Século 20”

Cristyan Costa
-

“Esses selos já viajaram até para a China”, diz o homem alto, de pele clara, terno preto e semblante sério. Ele aponta para uma coleção particular que representa momentos da história brasileira. “Sou filatelista (como são chamados os estudiosos de selos) desde os 3 anos, quando ganhei a figura do homem pisando na lua”, afirma o professor Mauricio Meneses. Mineiro, Meneses estudou engenharia e se tornou militar ao graduar-se na Escola Superior de Guerra. Passou quase quatro décadas em Mato Grosso, onde se apaixonou por Cândido Mariano da Silva Rondon, o marechal mais famoso do país.

Num livro ilustrado por selos de momentos-chave do Brasil, Meneses conta a história do mato-grossense de Mimoso, que teria sido vaqueiro se o pai não tivesse pedido ao irmão que levasse Rondon para Cuiabá. Com a morte dos pais, o tio cumpriu a promessa e levou o garoto de 6 anos para a capital do Estado, onde se tornou militar. A competência o levou a comandar uma expedição na primeira década do século 20 que tinha como objetivo integrar com linhas telegráficas Mato Grosso à Região Amazônica. Depois da campanha vitoriosa, conseguiu conectar também o Rio de Janeiro ao Estado.

A fama de Rondon chegou aos Estados Unidos, e, quando o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt esteve no Brasil, os dois fizeram juntos uma expedição pela Amazônia. De origem indígena bororo, Rondon devotou sua vida às causas dos índios e ajudou na demarcação de suas terras. O militar também foi o articulador intelectual do Parque Nacional do Xingu. Seus feitos renderam-lhe os títulos de “Patrono das Comunicações” e “Bandeirante do Século 20”. Defensor do lema “Morrer, se preciso for. Matar, nunca”, era considerado um homem pacífico e ganhou três indicações ao Nobel da Paz (uma delas veio do físico Albert Einstein). Rondon morreu em 1958, no Rio de Janeiro, três anos depois de ser condecorado com o título de marechal.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como veio a ideia de escrever este livro e por que o senhor decidiu ilustrá-lo com selos?

Rondon foi um grande homem e deixou um legado relevante para a história do Brasil. Ele merecia um trabalho como esta biografia, que demandou uma investigação de sete anos e a leitura de mais de 20 livros. Durante a pesquisa, também foi possível corrigir a cronologia da vida de Rondon, com algumas datas incorretas. Minha admiração por ele é antiga e se intensifica durante os 37 anos em que morei em Mato Grosso. Apesar de eu não ter conhecido Rondon pessoalmente, de certa forma ele fez parte da minha vida, pois o pai de minha mulher esteve com Rondon durante a última ida do marechal à inauguração de uma escola em Mimoso. Sobre a filatelia, optei por essa técnica porque ela complementa o texto de uma forma lúdica. Um selo tem muitos significados e enriquece qualquer trabalho.

Qual foi o maior feito de Rondon?

Sem sombra de dúvidas, o trabalho com as linhas telegráficas, responsáveis por conectar o Brasil no século passado. Entre 1907 e 1915, Rondon chefiou uma comissão que ligou Mato Grosso ao Amazonas. Essa expedição teve muita importância na época, porque o governo temia perder a região da floresta para os espanhóis, visto que o Brasil anexara o Acre poucos anos antes. Durante o percurso, o marechal encontrou várias tribos indígenas hostis, mas não houve derramamento de sangue, porque ele soube como negociar. Depois disso, Rondon conectou Mato Grosso à capital, Rio de Janeiro. Outro grande feito foi a descoberta de 22 rios e suas nascentes. O militar também conseguiu constatar que Cuiabá era o centro geodésico da América do Sul (o coração do continente). O marechal também é responsável pela demarcação de todas as divisas do Brasil, um ato relevante para a soberania nacional. Em virtude de seu legado, Rondon ganhou os títulos de “Bandeirante do Século 20” e “Patrono das Comunicações”.

Marechal Rondon | Foto: Acervo Beatriz Rondon Amarantes/Divulgação

O que o senhor mais admira na trajetória do marechal?

O amor que ele tinha pelo próximo. Na famosa expedição com Theodore Roosevelt, entre 1913 e 1914, o ex-presidente norte-americano contraiu uma infecção, por causa de um corte na perna. Como a febre e outros sintomas persistiam, apesar dos remédios, Roosevelt chegou a pedir para morrer na Amazônia. Rondon não aceitou deixar o amigo para trás e deu um jeito de ajudá-lo a ficar bem. Na esfera familiar, o marechal foi um excelente marido e pai. A mulher e os filhos eram importantes, tanto que sempre fazia o possível por eles quando voltava ao Rio depois de uma expedição. Rondon tinha um lema: “Morrer, se preciso for. Matar, nunca”. Era um líder e um visionário brasileiro.

“Os brasileiros se encantam demais com o que há lá fora e se esquecem do imenso patrimônio cultural de sua gente”

Quem foi a principal influência na vida de Rondon?

Benjamin Constant, a quem Rondon se referia como “meu professor amado”. Artífice da Proclamação da República, Constant viu no aprendiz um menino diferente dos demais: leal, dedicado e excelente aluno. Durante a convivência com o mestre, Rondon se tornou positivista, como a maioria dos militares naquela época. Seu desempenho acadêmico era tamanho que ele se tornou professor da Escola Superior de Guerra logo depois de terminar o curso de astronomia. De confiança dos militares, em novembro de 1889, Rondon circulou a cavalo nas ruas da então capital do país entregando bilhetes informando sobre o golpe militar contra a monarquia.

No livro, o senhor resgata o passado indigenista de Rondon. Como ele seria visto hoje, já que parte da intelectualidade brasileira tem aversão aos militares? Ele correria o risco de ser “cancelado”?

O marechal era um exímio negociador, um homem de tremenda capacidade de diálogo. Mesmo flechado por indígenas nambiquaras durante uma expedição em Mato Grosso, conseguiu evitar mortes, ao convencer sua tropa a não abrir fogo contra a população local. Ele também ganhou a simpatia de índios ao longo da vida. Rondon era um homem que buscava a paz acima de tudo. Por isso, seria alguém ouvido pelos dois lados deste Brasil polarizado. Cultuado por parte da direita, o marechal também é reverenciado por figuras da esquerda, como o antropólogo Darcy Ribeiro.

O Brasil é um país que valoriza seus heróis nacionais?

Valoriza pouco, porque, infelizmente, não temos essa cultura. Diz-se que o Brasil ainda não ganhou um Prêmio Nobel porque falamos muito mal de nós mesmos aqui e no exterior. Os brasileiros se encantam demais com o que há lá fora e se esquecem do imenso patrimônio cultural de sua gente. A maioria das pessoas desconhece a história por trás de nomes que constam em placas de ruas das principais cidades. São pessoas que tiveram relevância para o país. Essa despreocupação também se traduz em monumentos. Mato Grosso, por exemplo, teve cinco presidentes da República, mas na capital, Cuiabá, não há um busto deles. Mimoso, onde nasceu Rondon, tem um museu em homenagem ao marechal, porém não abriu até hoje.

Marechal Rondon | Foto: Acervo Beatriz Rondon Amarantes/Divulgação

Como reverter esse cenário de desinteresse?

Precisa-se incluir a história dos heróis nacionais nas grades curriculares dos ensinos fundamental e médio. Nossas crianças e jovens têm de escrever redações sobre essas figuras relevantes. Trata-se de uma forma de prestigiar a história e ampliar o conhecimento do brasileiro sobre si mesmo. A pesquisa é fundamental para que os estudantes saibam quem é quem. Isso melhora, inclusive, o desempenho dos alunos em língua portuguesa.

Se Rondon fosse vivo, como ele veria o Brasil atual?

Enxergaria o Brasil de forma negativa, porque veria uma nação dividida. Somos um grande país. O Brasil é uma potência agrícola, alimenta o mundo, tem diversidade de fauna e flora, pessoas de diversos tipos e chove e faz sol quando precisa. Poderíamos estar liderando a América do Sul. Temos um país importante, mas não damos a ele a devida relevância. O brasileiro precisa ter mais amor à pátria. Rondon diria que o Brasil precisa de amor, ordem e progresso.

Leia também “Ninguém pode relativizar a liberdade”

11 comentários
  1. Carlos Renê
    Carlos Renê

    Excelente artigo

  2. THIAGO LUI REGIANI
    THIAGO LUI REGIANI

    Excelente artigo! Defendo essa tese há muito tempo…. valorizar os heróis nacionais, fazer com as crianças e jovens estudem os verdadeiros heróis da pátria, valorizar os símbolos nacionais (bandeira, hino, etc)… Esse tipo de investimento no médio e longo prazos certamente resultariam em uma grande nação!

    1. Cristyan Costa

      Com certeza, Thiago. Abração

  3. Marcelo DANTON Silva
    Marcelo DANTON Silva

    Um exemplo!!
    TODAS as estatuas de BROZE que deveriam estar polidas, LINDAS, explendorosamente brilhantes nos seus pedestais. praça e ruas na cidade de SAMPA…estão abandonadas…
    há uma gastança ENORME DE DINHEIRO COM DROGADOS e bandidos que vivem sujando tudo no centro…300 milhões ano…. e NÃO VENCEMOS a sujeirada e assaltos que esse vagabundos fazem, há 30 anos, na cidade.
    RICARDO NUNES prefeitinho SAFADO…só sabe ficar indo em show no anhangabau … toda semana um espetáculos de carros oficiais..nos regas bofes da praça das artes. E um monte de gentalha com bandeiras vermelhas também

  4. Viviane Nabinger
    Viviane Nabinger

    Parabéns pela entrevista. Menciono o excelente jornalista Alexandre Garcia, um dos poucos a reverenciar nossos heróis nacionais. Valores e princípios estão adormecidos.

    1. Cristyan Costa

      Obrigado pela leitura e pelo feedback, Viviane. Continue conosco. Abração

  5. Abinezé Alves da Silva
    Abinezé Alves da Silva

    Por quase 13 anos o Brasil, na era do PT, não valorizava nossos heróis, mas eram idolatrados os ditadores da América latina e África.

    1. Cristyan Costa

      Boa observação, Abinezé. Obrigado pela leitura, amigo. Continue conosco

  6. Henrique Hochleitner
    Henrique Hochleitner

    Conseguiram acabar inclusive com o Projeto Rondon, onde jovens recém formados faziam estágio na Amazônia. A esquerda desmantelou o Brasil!

  7. Alexandre Alberto de Azevedo Magalhâes
    Alexandre Alberto de Azevedo Magalhâes

    Gostei do artigo.
    Será muito bom se tivermos mais antigos como esse, desconhecemos muito de nossa história.

    1. Cristyan Costa

      Obrigado pelo feedback, Alexandre. Abraços

Anterior:
Raquel Gallinati: ‘Fui a primeira mulher a representar os delegados de São Paulo’
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 248
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.