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Guilherme Muraro Derrite, ex-policial militar e político filiado ao Partido Liberal | Foto | Divulgação
Edição 124

‘Vivemos uma guerra civil urbana’

O deputado Guilherme Derrite (PL-SP) ressalta a importância do fim da “saidinha”, critica o ativismo do STF e afirma: "Há uma relação direta dos grupos de esquerda com o crime organizado"

Edilson Salgueiro
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Guilherme Derrite passou 17 dos 37 anos de sua vida trabalhando na Polícia Militar de São Paulo, com passagens pelas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e pelo Corpo de Bombeiros. Durante esse tempo, o ex-oficial diz ter vivido “na ponta da linha” as agruras reservadas àqueles que trabalham para manter a população brasileira em segurança: o risco constante de morte, os baixos salários, a falta de estrutura e o ínfimo suporte da legislação brasileira, que, por vezes, incentiva a atividade criminosa em virtude de sua frouxidão.

Por esses motivos, Derrite optou por deixar a carreira como policial militar e migrar para a política. Nas eleições de 2018, foi escolhido por quase 120 mil eleitores e acabou eleito deputado federal pela cidade mais rica do país. “Infelizmente, percebi que a PM enxuga gelo”, disse ele, em entrevista à Revista Oeste. “A certeza da impunidade incomoda quem está na linha de frente. Como tinha uma certa visibilidade, em razão das redes sociais, entendi que teria uma chance de mudar a realidade dos policiais através da atividade parlamentar.”

Na entrevista, Derrite expôs a relação do Primeiro Comando da Capital (PCC) com o Partido dos Trabalhadores, criticou o ativismo judicial da Suprema Corte e comentou a importância da aprovação do projeto de lei (PL) que acaba com a possibilidade de saída temporária de presos.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é a relação entre o PCC e o PT?

Há uma relação direta dos grupos de esquerda com o crime organizado. No sequestro do empresário Abílio Diniz, por exemplo, observamos que nove estrangeiros e um brasileiro, vinculados ao grupo terrorista chileno Movimento de Esquerda Revolucionária [MIR], participaram da ação criminosa. Posteriormente, o brasileiro, chamado Raimundo Rosélio Costa Freire, tornou-se professor de história e foi um dos fundadores da filial do PT no Ceará. Há também o assassinato do petista Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André. Depois de sua morte, outras sete pessoas morreram. Não há explicação para isso até hoje. Na delação premiada do publicitário Marcos Valério, a relação do PT com o crime organizado fica muito clara. Havia um “caixa” de R$ 100 milhões disponível para o partido, alimentado com dinheiro de corrupção, que tinha a função de financiar os candidatos indicados pelos criminosos. É por essas razões que queremos instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Por que a legislação brasileira é branda com a criminalidade?

A legislação sofreu um reflexo do marxismo cultural. Nas universidades, promovem a ideia de que o criminoso é uma vítima da sociedade, um coitadinho. É a Teoria Crítica, da Escola de Frankfurt [os criadores desse conceito entendem que os problemas sociais são influenciados mais por “estruturas sociais” e menos por fatores individuais e psicológicos]. No Brasil, essa ideia foi imposta por meio do garantismo penal. Os criminosos têm todos os direitos possíveis. A cadeia, dizem, não foi feita para punir, mas para ressocializar. No entanto, o mundo civilizado caminha na contramão dessa teoria. A cadeia foi feita para punir, para combater o crime. A ressocialização não é o ponto principal. A legislação deveria cuidar das vítimas, não dos criminosos. Esses equívocos acabam gerando um efeito positivo na cabeça dos bandidos, que passam a entender que o crime compensa. O custo de roubar é baixo, e o benefício é alto. Ainda que seja preso em flagrante, o ladrão tem o benefício da audiência de custódia, que libera, em média, 50% dos infratores. Há ainda a saída temporária, chamada de saidinha, o auxílio reclusão, a visita íntima e a progressão de regime. Em São Paulo, mais de 300 mil condenados estão respondendo por seus crimes em regime aberto.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem responsabilidade nessa questão?

Há um ativismo judicial muito grande. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental [ADPF] 635, por exemplo, proibiu os policiais de realizarem operações nas favelas durante o período da pandemia. Disseram que os policiais atrapalhariam o trabalho dos agentes sanitários. No entendimento desse pessoal, não houve baile funk nem nada do tipo durante a crise sanitária. Mas a realidade mostra que as favelas se tornaram praticamente narcoestados. Há ainda as decisões judiciais que colocam criminosos de alta periculosidade nas ruas, como o traficante André do Rap. Ele demorou muitos anos para ser preso. Depois de solto, contudo, nunca mais foi encontrado. Também podemos mencionar o trabalho da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça [STJ], que decidiu que as abordagens policiais devem ser feitas apenas mediante uma autorização judicial. Isso é pernicioso. Enquanto isso, o PCC fatura US$ 500 milhões por ano com o tráfico de drogas.

Na quarta-feira 3, a Câmara aprovou o projeto de lei que acaba com a saída temporária dos presos. Como o senhor avalia essa decisão?

Fui o relator da matéria e posso dizer que a medida representa uma vitória para o povo brasileiro. No meu entender, não cabe mais esse tipo de privilégio para os criminosos. E ainda há mais avanços na legislação. Se o projeto for aprovado pelo Senado, os bandidos que cumprem pena em regime semiaberto ou em prisão domiciliar poderão ser monitorados com tornozeleira eletrônica — o que, atualmente, não é possível. Para os criminosos que cumprem pena em regime aberto, também haverá o monitoramento eletrônico. Sei que é uma aberração, mas, no Brasil, os presos em regime aberto comparecem a um fórum a cada três meses, informam que estão vivos e pronto: o Estado não tem nenhuma forma de fiscalizá-los depois disso. Por último, será implantado um exame criminológico. Nesse caso, os detentos que quiserem passar do regime fechado para o regime semiaberto terão de se submeter a uma avaliação de uma equipe multidisciplinar, formada por analistas jurídicos e psicológicos, em que todos os aspectos da vida dos criminosos serão analisados. Isso muda o cenário atual, que favorece os líderes de organizações criminosas. Esses bandidos não têm mau comportamento dentro da penitenciária e, por isso, acabam saindo mais facilmente do sistema prisional. Com a nova medida, os presos de alta periculosidade terão dificuldade de progredir de regime.

 Por que as pautas que envolvem a segurança pública não não fáceis de tramitar no Congresso Nacional?

Esse tema nunca foi prioridade no Brasil. Ninguém leva a sério. A esquerda, por exemplo, defende os criminosos. Esse pessoal não está nem aí para a população, para as vítimas. Eles se preocupam com os criminosos, que matam e estupram inocentes. Historicamente, quem teve o papel de liderança no Congresso nunca quis enfrentar os partidos políticos e avançar com essa pauta. Agora, nossa bancada está pressionando o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira [PP-AL], para discutirmos as questões relacionadas à segurança pública. É um trabalho árduo.

Há perspectiva de que a Lei Antiterrorismo seja aprovada?

Há algumas propostas tramitando na Câmara. O Projeto de Lei [PL] 149/2003, por exemplo, altera a tipificação do terrorismo no Brasil. Essa modalidade criminosa chamada “novo cangaço”, em que os bandidos usam carros blindados e fuzis para dominar as cidades, seria qualificada como terrorismo. Atualmente, quem é preso por cometer esse tipo de violência é considerado assaltante, não terrorista. Isso não é adequado. Se o PL 149/2003 for aprovado, esses criminosos poderão ir para os presídios de segurança máxima — sem direito à progressão de regime. No Brasil, terrorista é aquele que comete crime motivado por racismo e xenofobia. Ou seja, a legislação é branda. É importantíssimo que aprovemos esse projeto, para dar uma resposta à sociedade.

Como o senhor avalia a implantação de câmeras nas fardas dos policiais militares?

No meu ponto de vista, é uma política pública equivocada. Querem tratar os policiais cariocas e os paulistas como se eles estivessem na Inglaterra. Mas o criminoso brasileiro não é comum; vivemos uma guerra civil urbana. Policiais, comandantes e políticos que trabalham em uma sala com ar-condicionado não usam as câmeras em seus uniformes. Entretanto, essas mesmas pessoas querem que os policiais que trabalham na ponta da linha durante 12 horas por dia usem as câmeras. Na prática, essa medida inibiu a atividade dos policiais, que não querem mais saber de partir para cima da ocorrência. Eles sabem que estão sendo monitorados ininterruptamente. As imagens estão sendo usadas contra os policiais. Houve redução na produtividade dos agentes, mas os dados são manipulados pela Secretaria de Segurança Pública [SSP] e pela PM. Se a Revista Oeste tentar acessar esses dados, não conseguirá. Essas instituições são detentoras exclusivas das estatísticas. A implantação das câmeras nas fardas custou milhões de reais e não funcionou.

A partir do momento em que tivermos tolerância zero com a criminalidade e acabarmos com esses benefícios, os criminosos pensarão mil vezes antes de cometer um crime

Por que o senhor decidiu entrar na política?

Justamente para mudar o cenário brasileiro. Como trabalhei durante muito tempo na ponta da linha, percebi que a PM enxuga gelo. A certeza da impunidade incomoda quem está na linha de frente. Como tinha uma certa visibilidade, em razão das redes sociais, entendi que teria uma chance de mudar a realidade dos policiais através da atividade parlamentar. Meu objetivo é promover uma reforma no sistema de Justiça Criminal e alterar a legislação.     

A legalização das drogas acabaria com o tráfico, como dizem setores da esquerda e da direita?

Alguns liberais não sabem como funciona o tráfico de drogas. Eles pensam que estão na Holanda, na Inglaterra. Mas estão no Brasil. Eles acham que os traficantes do Complexo do Alemão, de Heliópolis, da Cidade Tiradentes ou de Guaianases abrirão uma empresa para pagar imposto para o Estado? A maior parte do lucro dos criminosos é pela venda de cocaína. Apenas imbecis pensam que a legalização das drogas acabaria com o tráfico. O cigarro é um exemplo disso. No Brasil, 60% dos cigarros comercializados são contrabandeados.

No curto prazo, quais medidas deveriam ser aplicadas para melhorar a segurança pública?

Acabar com a saída temporária, com a visita íntima, com a audiência de custódia e com a progressão de regime, que é ridícula. O bandido cumpre 1/6 da pena e fica livre. A partir do momento em que tivermos tolerância zero com a criminalidade e acabarmos com esses benefícios, os criminosos pensarão mil vezes antes de cometer um crime. Hoje, eles têm certeza de que o crime é uma atividade econômica que compensa. O líder do mega-assalto em Araçatuba [SP], por exemplo, foi preso por policiais civis. Quando lhe perguntaram sobre o planejamento do crime, ele disse que investiu R$ 600 mil: comprou drones, contratou criminosos e alugou fuzis. O criminoso disse que a expectativa era faturar milhões de reais. Para a nossa infelicidade, esse bandido foi solto em uma audiência de custódia.

Como o senhor avalia a atuação do governo federal nessa área?

Tivemos os melhores índices. A maior queda de homicídios ocorreu durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. Mesmo assim, o grande responsável pela reforma da segurança pública no Brasil não é o Poder Executivo — é o Legislativo. É por isso que nossa luta é árdua. Se perguntassem a minha opinião, diria que deveria haver o Ministério da Justiça e o Ministério da Segurança Pública. Já conversei pessoalmente com o presidente da República sobre esse tema. Em um próximo governo, talvez isso seja efetivado.

O Pacote Anticrime contribuiu positivamente para a segurança pública?

Foi importante para combater crimes graves e violentos, mas acabou desidratado pelo Congresso Nacional. Os principais pontos do projeto foram cancelados, como a prisão após condenação em segunda instância e a retaguarda jurídica para o policial. No grupo de discussão dessa proposta, colocaram deputados “garantistas” — que eram contra essas pautas. Isso é culpa de Rodrigo Maia [PSDB-RJ], ex-presidente da Câmara. Ele nunca quis pautar projetos contra o crime organizado. Por que será? É porque muitos deputados corruptos estão preocupados? Creio que sim. Agora, a pressão é sobre Arthur Lira. Conseguimos dialogar de maneira civilizada, diferentemente do que acontecia quando Rodrigo Maia era o presidente da Casa. Esse último representa o que há de pior na política brasileira.

Como o senhor avalia a investigação sobre Adélio Bispo, que tentou assassinar o presidente Jair Bolsonaro?

A primeira conclusão da Polícia Federal é absurda. Consideraram que o criminoso agiu sozinho, sem a participação de ninguém. Isso cai por terra quando percebemos que havia um álibi na Câmara dos Deputados. Alguém tentou entrar no Congresso Nacional com o documento de Adélio Bispo. No mínimo, havia mais uma pessoa. Como chegam seis advogados, de jato particular, para defender o criminoso? E logo depois da prisão. Para mim, não será surpresa se houver a comprovação de que partidos políticos de esquerda têm envolvimento nesse caso. Tenho um respeito grande pela PF, mas, onde há seres humanos, erros podem acontecer. O fato é que houve uma investigação malconduzida.

O que o senhor vislumbra para o Brasil, em uma eventual volta do ex-presidente Lula ao Palácio do Planalto?

Não gosto nem de imaginar isso. Seria um caos, principalmente na segurança pública. Os partidos de esquerda e o Lula defendem abertamente as políticas de desencarceramento, de liberação das drogas. Eles querem o fim das polícias militares, querem controlar a imprensa. Lula, que comprovadamente cometeu vários crimes, está magoado. O fato de ele estar solto não significa que não seja um criminoso. A Justiça o condenou. É claro que um ex-presidiário no comando de um país acabará por beneficiar bandidos.

Quais medidas deveriam ser adotadas para melhorar a vida dos policiais militares?

Primeiro, por parte do Poder Executivo, pagar um salário digno a esses profissionais. Isso raramente acontece. Hoje, quem ganha um bom salário são os policiais federais e os policiais rodoviários federais. Mas o cara que sai de casa fardado e arrisca a própria vida também merece ser bem remunerado. Essa profissão não é uma qualquer; existe um risco de morte muito grande. Depois, o Legislativo precisa instaurar leis duras, que possam punir adequadamente os criminosos e dar retaguarda jurídica para os policiais. Isso fará com que os bandidos sejam dissuadidos. A imprensa também pode desempenhar um papel importante nessa questão: basta não tratar os bandidos como coitadinhos, como vítimas. Há uma “bandidolatria” imensa na grande mídia.

Leia também “Mello Araujo”: ‘A Ceagesp era um caso de polícia'”

9 comentários
  1. R.F. Nobre
    R.F. Nobre

    Receptador de produtos roubados, e ou, contrabandeados são punidos. Porque consumidores de drogas, principalmente de classe média/alta não recebem algum tipo de punição?

  2. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Precisamos de mais deputados comprometidos com a população de bem como esse.

  3. MARIA CHRISTINA GARMS
    MARIA CHRISTINA GARMS

    Parabéns Capitão Derrite… continue firme!

  4. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente entrevista. Parabéns ao entrevistador e entrevistado. Se o deputado Derrite fosse candidato por Brasília teria o meu voto.

    1. Edilson Salgueiro

      Bom saber que você gostou, Robson.

      Abraço!

  5. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Vamos fazer uma faxina geral nesse país, o povo tá esperando desde 1985, a maior instituição de direitos humanos são as polícias militares. Vamos dar valor a quem tem

  6. Carlos Benedito Pereira da Silva
    Carlos Benedito Pereira da Silva

    Excelente reportagem, pertinente com as ansiedades do povo, e retrata a realidade – baixos salários -, mas há uma pouca exceção que denigre as atividades policiais, isto no âmbito do nosso estado. Entretando, dado o número, insignificante em relação ao número da corporação, não justifica o uso de câmaras para fiscalizar os atos do policial. Data venia, mas essa postura do Estado, afronta a dignidade e o valores sociais do trabalho e a intimidade do cidadão. Art. 5º, inc. III, IV e X; art. 6º, inc. V e IX, da Constituição Federal. Portanto, inconstitucional. Sou advogado ha quase 40 anos.

    1. Edilson Salgueiro

      Ficamos contentes em saber que você gostou, Carlos.

      Abraço!

  7. José Antonio Debon
    José Antonio Debon

    Acho que existe também uma relação direta entre as torcidas organizadas e o crime organizado.

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