Assim que o TSE divulgou o resultado do segundo turno da eleição, caiu uma chuva torrencial de incertezas em todo o país. Um grande aguaceiro, mais parecendo um dilúvio, que formou rapidamente um mar perigoso em que, atiçados pelos ventos da falta de transparência, da violação da liberdade de expressão, da falta de espírito público e da obtusidade econômica do grupo declarado vencedor, navegam perigosamente os barcos da dúvida e da insegurança.
Os prejuízos dessa precipitação sobre a economia são incalculáveis. Nem só de notícias econômicas vive a ação humana na economia. É preciso considerar a situação política e a confiança nas instituições. Infelizmente, o estado atual de ambas contribui para aumentar a incerteza. No plano político, multidões permanecem plantadas na frente dos quartéis desde a divulgação do resultado do segundo turno e o mundo inteiro já sabe disso, apesar do esforço da moribunda imprensa para escondê-lo ou desqualificá-lo. Quem foi declarado vencedor, em vez de tentar aplacar os ânimos, saiu-se com essa frase, que soa como provocação: “Sinceramente, essas pessoas não têm por que protestar. Essas pessoas deviam dar graças a Deus por a diferença ter sido menor do que aquilo que nós merecíamos ter de voto. E eu acho que é preciso investigar quem está financiando esses protestos, que não têm pé nem cabeça”. O resultado de pronunciamentos desse tipo, em meio à enorme tensão que o país atravessa, apenas contribui para acirrar perigosamente ânimos que já estão no limite. Você abriria o seu negócio, ou o expandiria, diante dessa brutal incerteza?
A contribuir para esse quadro está o fato de que a confiança nas instituições está muito longe da normalidade. Visivelmente, não está sendo observado o equilíbrio entre os Poderes estabelecido pela Constituição. No Legislativo, diante do panorama preocupante a que estamos assistindo, as duas Casas do Congresso parecem estar passando férias longe de tudo e de todos, deitadas numa rede e bebendo água de coco, inertes, inermes, acuadas, acovardadas. O Judiciário, por sua vez, assumiu há bastante tempo o papel de protagonista, intervindo nos outros dois Poderes e assumindo suas funções, quando deveria limitar-se a cumprir o seu papel de garantir o cumprimento das normas constitucionais.
Incertezas
O mercado não é um local, uma coisa, uma entidade coletiva, nem tampouco uma bando de “nervosos”, como afirmou debochadamente o candidato petista, mas um processo, impulsionado pela interação das ações dos vários indivíduos. As forças que determinam a situação do mercado são os julgamentos de valor dos indivíduos e suas ações baseadas nisso. A situação do mercado em um determinado momento é a sua estrutura de preços, isto é, o conjunto de relações de troca estabelecido pela interação daqueles que estão desejosos de vender com aqueles que estão desejosos de comprar. O professor Ludwig von Mises, um grande defensor da liberdade e por isso detestado pelos economistas “progressistas”, escreveu com bastante propriedade que “o processo de mercado é o ajustamento das ações individuais dos vários membros da sociedade aos requisitos da cooperação mútua. Os preços de mercado informam aos produtores o que produzir, como produzir e em que quantidade. O mercado é o ponto focal para onde convergem e de onde se irradiam as atividades dos indivíduos”.
A incerteza genuína, portanto, é um fato normal, não só na economia, mas na política, nas questões pessoais e em muitos aspectos da vida. Porém, em situações como a que está acontecendo no Brasil, caracterizadas pelo predomínio generalizado de incertezas, as atividades econômicas, especialmente as decisões daqueles que empreendem, produzem e geram empregos — ações que costumam ser fortemente determinadas por expectativas quanto ao futuro —, não podem deixar de sofrer abalos. Trata-se, simplesmente, de comportamentos defensivos mais do que naturais.
Será que os mercados financeiros, bem como qualquer cidadão que paga altos impostos para sustentar o “sistema”, esperavam algo diferente das medidas apavorantes divulgadas antes e confirmadas depois da eleição?
É óbvio que as expectativas e as dúvidas que as circundam, otimistas ou não, afetam todos os setores da sociedade e das nossas vidas, mas neste artigo limito-me aos efeitos sobre a economia do mar insopitável de incertezas que alaga neste momento o nosso país. E começo com uma simples pergunta: como é possível um governo recém-eleito, que ainda nem se formou, supostamente com apoio popular e em lua de mel com os eleitores, provocar imediatamente tanto barulho, causando quedas substanciais no valor de mercado de empresas estatais, alta do dólar, queda na bolsa, aumento do risco do país de 10% em um só dia e adiamento de investimentos?
E mais, não é muito estranho o distanciamento e a fuga tão precocemente de vários economistas, todos com cariz e nariz tucano em suas diversas matizes, que, durante a campanha (e provavelmente de olho em cargos), apoiaram abertamente o candidato que foi declarado vencedor? Por acaso não se sabia que o PT voltaria aos conhecidíssimos conchavos políticos ainda gravados tristemente na memória recente de todos nós? Ou que jamais existiu qualquer preocupação com a responsabilidade fiscal por parte daquele partido? Ou que o político que as urnas apontaram como vencedor sempre foi um especialista em dizer sandices e barbaridades econômicas, sem a menor noção do que são os mercados, que sempre achou que o Estado deve conduzir tudo, que acredita que a dívida interna e a inflação não são problemas e que sempre admirou ditadores de esquerda? Ou, ainda, desconhecia-se que o partido jamais teve algum programa econômico com um mínimo de sustância?
Será que os mercados financeiros, bem como qualquer cidadão que paga altos impostos para sustentar o “sistema”, esperavam algo diferente das medidas apavorantes divulgadas antes e confirmadas depois da eleição? Ou algo diverso das velhas mentiras, omissões e bravatas e dos surrados desvios de contexto, um imenso conjunto de erros quadragenários? Ou que não haveria uma multiplicação de ministérios, com suas secretarias, subsecretarias, cargos e encargos, para satisfazer tendências acomodatícias? Ou que o recém-eleito divulgaria algum nome digno de respeito e inspirador de confiança para ser ministro da área econômica?
O fato é que os anúncios de possíveis membros do futuro governo e o desnudamento das suas intenções a que estamos sendo submetidos são simplesmente aterrorizantes. A começar pela chamada “PEC da transição”, que antes criticavam como sendo um criminoso “Orçamento secreto”, mas que agora é transformada em virtuosa tábua de salvação, que pretende aumentar os gastos do governo em R$ 175 bilhões, ou 2% do PIB. O que será da dívida pública, da taxa de juros, do financiamento da dívida, da taxa de câmbio? Como irão resolver esses problemas? É muita incerteza para um só país, gente!
A ideia macabra de retirar R$ 175 bilhões do alcance do teto de gastos estipulado pela Constituição para direcioná-los ao custeio dos R$ 600 do Auxílio Brasil e para permitir um reajuste do salário mínimo 2% acima da inflação pode, segundo estudo divulgado há dias por uma instituição financeira (por sinal, compreensivelmente, uma das que apoiaram o candidato do PT), aumentar a dívida bruta dos atuais 76% para até 97,5% do PIB. O resultado disso é óbvio: aumento do risco do país e muitas dificuldades para o Banco Central manter a queda da taxa de juros que vem anunciando. Talvez tenha sido isso — derrubar a responsabilidade fiscal antes mesmo da posse — que o falastrão quis dizer quando nos presenteou nesta semana com a frase bizarra “Se eu falar, vai cair a bolsa e aumentar o dólar. Paciência”.
Quanto à responsabilidade monetária, pode-se até imaginar com algum otimismo que esteja assegurada pela autonomia do Banco Central inserida na Constituição, mas deve-se avisar que, sempre que acontecem estouros orçamentários — o que certamente ocorrerá à frente —, a manutenção de uma política monetária austera tem efeitos fracos sobre a queda da inflação de preços e impactos perversos bastante fortes sobre os juros, a dívida e o emprego. Não há mágica de nenhum economista, por mais genial que ele se autoavalie, que possa separar moeda, crédito, contas públicas, juros, impostos e taxa de câmbio: uma determinada escolha em uma dessas variáveis implica necessariamente novos percursos para as demais. Sob o ponto de vista estrito da economia, portanto, não há como deixar de reconhecer que estamos navegando em águas repletas de incertezas.
A presente crise é séria e é uma das maiores e mais graves desde o golpe republicano acontecido há 133 anos. A confiança nas instituições está claramente abalada. Estamos assistindo, abismados, a um prodígio em pleno século 21: o milagre da multiplicação das incertezas.
Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Twitter: @biraiorio
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É Ubiratan, complicado.
É o caos chegando.
Além da crise econômica muito bem descrita pelo nobre colega, eu citaria ainda uma outra: a crise de responsabilidade. A turma que optou pela irresponsabilidade todos nós já sabemos. E a responsabilidade, vai ficar nas mãos de quem? Forças armadas, Congresso, setores produtivos da sociedade, formadores de opinião, alguns nichos conscientes do povo e outros estandartes? Vejo o Brasil neste momento como o patriarca à frente de uma grande riqueza produzida pelo trabalho sério e espelhado na lei, na dúvida sobre o que fazer agora: exclui o filho pródigo do testamento ou não?
Bota esses bandidos comunistas todos na cadeia, eles vêem roubando vilipendiando a nação há 5 décadas
Muitas vezes tenho vontade enorme de estudar Economia só para ser aluno do Ubiratan e poder conversar com ele. Raciocínio claro, objetivo, pragmático. Muito obrigado pelo texto e parabéns à Revista Oeste.
Mais uma clara e verdadeira reflexão do Dr. Ubiratan. Bravo !
Mais uma reflexão irrefutável do Dr. Ubiratan. Bravo !
Parabéns professor Ubiratan! Muito bem explicado o risco!