Há duas semanas, o brasileiro tem sido bombardeado com imagens chocantes de indígenas da etnia ianomâmi em estado de desnutrição e penúria. Trata-se de um povo que há décadas vive numa imensa área de floresta na fronteira dos Estados de Roraima e Amazonas com a Venezuela. O governo Lula decretou emergência sanitária e impôs uma série de restrições de acesso, inclusive aéreo, ao local. O petista também fez uso político de um problema antigo para alentar um dos principais fetiches da mídia tradicional: o “genocídio indígena” causado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Depois de a primeira reportagem, com cenas impactantes, ser exibida pelo programa Fantástico, da Rede Globo, dezenas de manchetes monopolizaram jornais e sites sobre um suposto descuido proposital de Bolsonaro com os ianomâmis. Oeste optou por outro caminho: em vez de replicar o conteúdo da Globo, ouviu ex-servidores públicos, representantes de ONGs e lideranças indígenas que conhecem bem a realidade da região. Muitos deles pediram anonimato por medo de represálias, já que o PT chegou ao poder. Uma conclusão é inequívoca: há muitos problemas ocorrendo naquela faixa de terra demarcada. Mas nem todos foram descortinados pela velha mídia.
Um país isolado
Para começar a entender o cenário real da Terra Ianomâmi, é preciso compreender sua demografia e extensão territorial. É uma área de 9,6 milhões de hectares, entre Roraima e Amazonas. Do outro lado da fronteira, são mais 8,2 milhões de hectares. Do que estamos falando? De uma faixa, só no território brasileiro, do tamanho de Portugal. A diferença proporcional é que os ianomâmis somam 30 mil pessoas, e o país europeu tem 11 milhões de habitantes. Metade desses 30 mil indígenas vive numa reserva isolada, chamada de Parque Nacional Parima Tapirapecó, que fica no país vizinho.
Por causa de diversas barreiras legais para proteger os povos indígenas, faltam dados confiáveis sobre estilo de vida, genética, imunidade e condições sanitárias dos ianomâmis. Sabe-se também que são nômades e caçadores.
“São indígenas de recente contato, que não têm certidão de nascimento. Não têm o Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Indígena). É muito difícil dizer de onde vêm e para onde vão”, afirmou Marcelo Xavier, ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em entrevista ao programa Oeste Sem Filtro.
Em palestra na cidade de Altamira (PA) na semana passada, o ex-ministro Aldo Rebelo, exímio conhecedor das questões da Amazônia, analisou o tema. Ele comandou a pasta da Defesa e atuou nas comissões temáticas na Câmara dos Deputados. “Essa tragédia dos ianomâmis não é novidade”, disse. “Em 2000, fui a essa área com o general Eduardo Villas Bôas, que era coronel e assessor parlamentar. A moça da ONG, uma jovenzinha, me deixou entrar, mas não o coronel, por ser militar”.
“Você entra nas ocas e vê a fuligem, a fumaça, os índios com as costelas de fora, subnutridos, com tuberculose”, relatou Aldo.
O general Eduardo Villas Bôas, outro especialista em Amazônia, descreveu a situação dos indígenas, em artigo publicado na Edição 147 de Oeste. “Moram em maloca circular, fechada lateralmente por madeira e coberta com palha, em cujo interior as famílias delimitam seu espaço com redes em torno de um fogo”, disse, sobre os ianomâmis da Serra de Surucucu.
“Nesse ambiente, respiram um ar carregado de fumaça, que, associado à inexistência de hábitos de higiene elementares, e submetidos ao clima relativamente frio e úmido peculiar da altitude da Serra de Surucucu, resulta num alto índice de doenças respiratórias, mormente entre as crianças. A expectativa de vida entre aquela população pouco ultrapassa os 30 anos”
Nesse aspecto, parte da responsabilidade pela saúde precária dos indígenas é das ONGs e de antropólogos e acadêmicos, que insistem no isolamento total. Uma criança desnutrida, por exemplo, com tratamento adequado, tem a chance de sobreviver.
O governador de Roraima, Antonio Denarium, foi alvo de ataques histéricos da esquerda — no campo político e nas redações — porque disse que os indígenas almejam o progresso. “Os povos indígenas também têm o desejo de evoluir, ter o seu trator, seu carro, antena parabólica, atendimento de saúde”, disse. “Eles querem educação de boa qualidade. Aqui em Roraima, nós temos indígenas que são médicos, advogados, professores.”
Uma agente de saúde que trabalhou em comunidades ianomâmis disse a Oeste que os jovens chegam a caminhar quatro dias para fazer compras na cidade. “Eles gastavam todo o dinheiro dos alimentos e voltavam para a aldeia só com água oxigenada para clarear os cabelos. Eles queriam o corte do branco, as roupas e os acessórios”, contou.
“Os ianomâmis perguntavam por que ele tem dente e eu não? Também quero”, disse ela, que teme retaliações se seu nome for divulgado. “Viam alguém de óculos, e queriam também”.
Outro dilema grave é o infanticídio indígena. Já na cultura do sacrifício, a criança está predestinada à morte. Há uma série de relatos de bebês que são abandonados pelas mães porque nasceram com deficiências físicas.
Em 2021, o governo Jair Bolsonaro repassou R$ 1 milhão para a construção da Casa de Convivência Comunitária Tradicional, do Projeto Ulu, que acolhe crianças que, de alguma forma, não foram aceitas pela família. O ambiente segue a tradição: uma oca com rede, fogueira, roça e administrada sem a interferência do não indígena. Vinte e duas crianças já foram salvas.
Segundo relatório da Funai, de 2019 a 2021, foram repassados mais de R$ 82 milhões para os ianomâmis — 151% a mais, em comparação aos três anos anteriores.
É uma cena corriqueira na vida de Renato Sanumá, idealizador do projeto, estar na mata caçando e ouvir o choro de uma criança. A menina da foto foi resgatada por ele, quase desfalecida. Agora está saudável e com 8 anos de idade.
Esta outra foi adotada pela voluntária do projeto. Abandonada pelos pais, ela não anda e não fala. Aos 5 anos, a cuidadora passa o dia inteiro com a criança no colo.
Garimpo do ditador
Apesar do isolamento da tribo, há contato desde a década de 1970 com garimpeiros que atuam clandestinamente na região — boa parte deles entra pela Venezuela, estimulados pelo ditador Nicolás Maduro. O garimpo no Arco Minerador do Orinoco ocupa uma faixa proporcional a 10% do território venezuelano.
“Naquela região do Rio Orinoco, Maduro autorizou a extração ilegal de minério, inclusive para sustentar o regime dele”, diz Marcelo Xavier. “Isso força naturalmente a expulsão dos indígenas de suas áreas”
O deputado venezuelano Romel Guzamana afirmou a Oeste que alguns dos indígenas desnutridos que apareceram nas fotos divulgadas pela mídia nos últimos dias vivem na Serra de Maigualida, em Manapiare, no país vizinho. Eles teriam cruzado a fronteira em busca de ajuda.
“Maduro aceita que a soberania seja violada e permite que forças irregulares entrem em território indígena venezuelano”, diz. “Existem as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o ELN (Exército de Libertação Nacional) e grupos islâmicos compartilhados entre o Estado bolivariano e o Estado amazônico.”
Guzamana afirma que o ditador abandonou os povos indígenas e entregou suas terras a forasteiros. “Os garimpeiros estão no sul e no sudeste para extrair ouro.”
#GraveVenezuela
Denuncio la grave desnutrición de nuestros hermanos indigenas #Yanomamis del Edo #Bolivar. Cruzaron a Brasil en busca de comida y se encontraron aislados de la sociedad soberana,otra violación a los DDHH Indígenas por el régimen de Maduro.#26Ene @ONU_derechos pic.twitter.com/n9Vo6aFY2O— ROMEL GUZAMANA (@ROMELGUZAMANA) January 26, 2023
(tradução do texto do twitter)
(“Denuncio a grave desnutrição de nossos irmãos indígenas ianomâmis do Estado Bolívar. Cruzaram ao Brasil em busca de comida, outra violação aos direitos humanos indígenas, por culpa do regime de Maduro”, escreveu ele, que é do partido Vontade Popular, o mesmo do líder oposicionista Juan Guaidó)
Em 2020, o Parlamento venezuelano responsabilizou Maduro pela extração ilegal de ouro nos Estados de Delta Amacuro, Bolívar e Amazonas — os dois últimos fazem fronteira com a Região Norte do Brasil. Naquele ano, em entrevista ao jornal espanhol El País, Armando Obdola, presidente da Associação Kapé Kapé, que luta pelos direitos dos indígenas venezuelanos, disse que a decisão de Maduro em liberar o garimpo resultaria num massacre sem precedentes.
Armando Obdola reportou o caso à Organização das Nações Unidas (ONU), com denúncias de exploração sexual, inclusive infantil, trabalho escravo, crescimento de doenças e danos ambientais em solo venezuelano. A taxa de homicídios saltou para 84 habitantes por ano.
Contato com a cidade e brigas internas
Os povos indígenas reconhecem seu território como coletivo, e não individual — até a chegada do dinheiro. Há vários relatos de conflitos dentro de tribos de etnias diversas, de brigas por causa de dinheiro. Ou seja, quando os recursos públicos são disponibilizados — na maioria dos casos, mensalmente —, os líderes entendem que devem assumir o papel de gerentes.
Os ianomâmis não têm liderança. Frequentemente, uma dos centenas de ONGs da Amazônia atua como intermediária dos recursos repassados pelo governo ou doados por entidades ou pessoas físicas.
Recentemente, segundo relato de moradores de Roraima, houve um racha entre o porta-voz do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), Junior Hekurari — personagem da reportagem da Rede Globo —, e Rômulo Pinheiro Freitas, coordenador regional do Distrito Sanitário Especial Indígena, ligado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
O Condisi é o elo entre os indígenas e a Sesai. É fundamental que os dois trabalhem em conjunto em todas as ações. Para quem acompanhou de perto o caso, foi um dos motivos da atual crise ianomâmi. A razão da briga é desconhecida.
Outro personagem midiático no caso é Davi Kopenawa, uma liderança de etnia, bastante citado pela imprensa internacional. É ele quem avaliza as decisões de ONGs de esquerda. O tipo de narrativa “progressista” que aparece nas páginas de jornais pelo mundo é bastante conhecido.
Era petista
Em 2007, no segundo mandato de Lula, foi instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Subnutrição de Crianças Indígenas na Câmara dos Deputados, para investigar a morte de crianças indígenas por desnutrição no país.
Na época, veio à tona um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) sobre os casos de violência contra os povos indígenas no Brasil nos últimos dez anos. Foram 287 assassinatos e 407 suicídios, entre 1995 e 2005.
“Proporcionalmente, o número de assassinatos cresceu no governo Lula”, diziam as manchetes da época. “De 1995 a 2002, o mapeamento aponta 20,65 assassinatos por ano. De 2003 a 2005, o índice subiu para 40,67 assassinatos por ano.”
A ex-presidente Dilma Rousseff chegou a ser declarada inimiga dos índios. Em 2012, em entrevistas, Davi Kopenawa disse: “A Dilma não é amiga do índio. Ela é inimiga. Ela não conhece a nossa floresta, a nossa terra”. E acrescentou: “Ela só conhece o papel, a lei. Mas ela não está enxergando. O pensamento dela é só para destruir o subsolo.”
Desde que assumiu o mandato no Senado, há quatro anos, Plínio Valério (PSDB-AM) tenta instalar uma CPI das ONGs da Amazônia. Diversas entidades teriam recebido verbas para os ianomâmis. A proposta, contudo, não sai do papel, por resistência de políticos de esquerda na região, especialmente do PT.
A lista de questões sobre os ianomâmis é enorme. Vai além das fronteiras brasileiras. As imagens de desnutrição dos ianomâmis, exibidas à exaustão, devem ser investigadas. Lula quis expor o problema crônico ao mundo. Mas por que o PT, afinal, resiste a uma CPI para vasculhar o caminho do dinheiro há duas décadas? A Rede Globo poderia apoiar essa ideia.
Leia também “Os picaretas da Amazônia”
Parabéns a revista oeste por um dos últimos canais de fonte de informações verdadeiras,e que resiste ao sistema,com vários jornalistas sensacionais!
O problema da desnutrição e abandono dos Yanomamis rende ouro para garimpeiros venezuelanos e o governo Maduro, rende espaço na midia nacional e internacional, rende recursos para as diversas ONGs que atuam na área e rende assunto para discurso político do PT em inicio de governo, desviando a atenção para a falta de plano de governo e escândalos no primeiro mês de mandato. Então, por que resolver este problema?
É claro que eles querem evoluir, vejam Txai Suruí que escreve na Folha de São Paulo, toda fofinha, dentes brilhantes, junto com Marina, com salário do governo, com salário do jornal também. Eles podem continuar usando o cocá igual a indiazinha Txai, falsa que dói. Essas Ongs tem que ser filtradas, e expulsas a grande maioria, pra ontem.
Belo artigo. Muito esclarecedor.
PT partido terrorista
Bando de picaretas… e globolixo
As ONGs indigenistas, com apoio de todo o aparato globalista, insistem em manter os povos indígenas isolados da civilização, verdadeiros zoológicos humanos. Usaram como pretexto, para destinar absurdos 96 mil quilômetros quadrados do território nacional para apenas 30 mil pessoas, a necessidade de que os indígenas necessitariam de toda essa área para poderem se manter de forma sustentável de acordo com sua cultura. Se assim fosse, como podem os ianomâmis estarem passando fome? É culpa do governo? Ou culpa de quem pretendem manter seres humanos excluídos da civilização para servir a seus interesses políticos?
O L que fizeram só serve para caracterizar os larápios que tomaram o poder e, com objetvo de esconder qualquer coisa que possa prejudica-los. Tudo graças as nossas Frouxas Armadas que se abespinharam com um discursinho mambembe do Jango e interviram em 64, agora com posiçoes muito mais agressivas e órgãos d poderosos da administração pública, se renderam ao soldão do ladrão.
Partindo da premissa esquerdista que criou esses territórios indígenas, o objetivo era preservar a cultura desses povos.
Não entendo qual o choque agora? Essa é a cultura deles, morarem em ocas, sem organização e hábitos de higiene, de forma nômade.
Esse é o modo de vida deles.
Valeu, Oeste, ainda bem que vcs existem.
Excelente reportagem. Sugiro um trabalho mais profundo e eficaz para delimitar às dúvidas ainda existentes. Parece que PT é sempre contra a aprofundamento de questões quanto eles estão envolvidos. Parabéns pela reportagem!
Excelente reportagem com inúmeros detalhes , desconhecido pela maioria das pessoas.
Bando de pilantras , ONGs e partidos de esquerda, qual o motivo se não se investigar o caminho do dinheiro? CORRUPÇÃO. A mídia podre principalmente o lixo chamado Globo se presta p apoiar as falsas narrativas do governo.
Viram como o PT sobrevive de Narrativas. A verdade é escassa e a mentira repetida várias vezes não cria uma verdade, mas desorienta quem a escuta.
Como você pode identificar um índio se ele fala outro idioma que o Português ou Espanhol ? Se eles são nômades além de expulsos do país vizinho que está morrendo de fome, como podemos assegurar que são brasileiros ?
Alguém foi lá para descobrir ?
Quem deixou as ONGs invadirem a Amazônia e quem enviou dinheiro para estas ONGs. Elas o distribuíram? Para os índios ou entre si. ?
Matéria de alto nível jornalístico. Parabéns. Só tem um problema que é mais difícil do que resgatar a dignidade dos indigenas: eu não tenho celular. Já dei de presente assinaturas da revistas para 3 pessoas. E não consigo aproveitar o compatilhamento por não ter a opção do facebook. Jà conseguir nas colunas do Guzzo copiar e colar, o que é possível. Mas não é a mesma coisa. Também tenho dificuldades em ver o programa pela internet de baixa qualidade aqui no fundo do sertão. Mudou tudo. E não gosto do governo Lula por dezenas de razões.
“Transparência” – a esquerda não quer, mas é obrigação Constitucional – pp// se receberam verbas federais. E aí Xandão ? E aí PF ? E aí MPF ?
Show de reportagem.
Joice poderia especializar-se em Amazônia, particularmente nas questões indígenas.
Obrigado Oeste.