Se você ler comigo a Constituição, verá no primeiro artigo que deveríamos ser uma “República Federativa” num “estado democrático de direito”, e que “todo poder emana do povo”. Com a Reforma Tributária, o Brasil se consolida como uma república unitária, já que o poder em Brasília centraliza os impostos, e os conselhos podem substituir prefeitos e governadores. Para haver estado democrático de direito, não pode haver exceção para o princípio do devido processo legal. E o poder do povo seria realmente exercido por seus representantes se mandantes e mandatários estivessem mais próximos, como através do voto distrital — pois hoje votam no Parlamento em desacordo com seus mandantes eleitores.
Quando alguém grita “água, água, água”, ou quando clama insistentemente por pão ou, desesperado, ainda consegue pedir ar, é porque está sedento, faminto ou precisa respirar. Assim, hoje, como todos os dias, a palavra “democracia” aparece na televisão, no rádio, nos jornais, nas tribunas, na boca de políticos e de eleitores. A conclusão é que está faltando; há sede e fome de democracia, sem a qual as liberdades não respiram e morrem afogadas. Você não consegue passar um dia sem ouvir ou ler dezenas de vezes a bendita palavra, na abundância de sua escassez.
É óbvio que os responsáveis por isso somos nós. Nós permitimos e nós os elegemos. Os que operam as instituições estão lá em nosso nome. Os que escreveram a Constituição e as leis o fizeram em nosso nome e com o nosso voto. Os que fazem funcionar a administração do Estado são nossos servidores. Mas tudo isso fica na teoria, porque na prática os que receberam o poder do povo se sentem donos do Estado, da lei e das instituições, enquanto muitos são tratados como servos, pagadores dos impostos que sustentam os Poderes em três níveis — e isso não é democracia, que é o exercício do poder pelo povo, regido pela Constituição.
O art. 220 garante a manifestação do pensamento, sem qualquer restrição, sob qualquer forma, processo ou veículo
Há, portanto, uma disfunção institucional. A lei básica é desrespeitada e, sendo ela desrespeitada, prevalece o arbítrio, pessoas impondo suas vontades. O segundo artigo da lei básica diz que são independentes o Legislativo, o Executivo e o Judiciário — nessa ordem. A ordem hoje está invertida, e o sistema de governo é presidencial só no nome, pois o presidente tem pouca autonomia. O Judiciário legisla e intervém no Executivo. No art. 5º, você lerá: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” — e muitas leis já foram feitas e até criadas no Judiciário, aplicando distinções. Ao negarem a igualdade, usam a falácia da “ação afirmativa” para discriminar.
O capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos é tão fundamental que só pode ser alterado por uma assembleia constituinte, mas já virou rotina desrespeitar a livre manifestação do pensamento (IV), a livre expressão (IX), a inviolabilidade do sigilo das comunicações (XII), o direito de reunião sem armas (XVI), o direito de propriedade (XXII). Isso está no art. 5º, que estabelece que não haverá juízo ou tribunal de exceção. No entanto, inquéritos sem o Ministério Público, como estabelecem os arts. 127 e 129, fazem exceção ao devido processo legal, essencial na democracia.
O art. 52 diz que um presidente condenado fica oito anos inabilitado para a função pública, mas isso foi desrespeitado na condenação de Dilma e foi a porteira por onde começou a passar a boiada. O 53 diz que deputados e senadores são invioláveis por quaisquer palavras, mas não têm sido. O art. 220 garante a manifestação do pensamento, sem qualquer restrição, sob qualquer forma, processo ou veículo; diz que nenhuma lei poderá ser embaraço à informação, sendo vedada toda e qualquer censura política, ideológica e artística. Não preciso dizer a você, que está sedento por democracia, o quanto nos faz falta cumprir a Constituição.
Leia também “O processo”
Na minha opinião, precisamos debater além. Nova constituição, descentralização de Brasília, órgãos desnecessários como TSE,…
Desculpe Alexandre, comentei sem ler toda coluna, fui redundante com seu artigo
Não concordo quando Alexandre Garcia diz que os responsáveis somos nós, porque nós elegemos esses caras. Nós não elegemos esses caras que estão fazendo esse papelão. Todos sabemos o que está por trás desses tribunais eleitorais, e mesmo se tivéssemo-os elegidos. Todos sabem o seu papel
Como diria Tarcísio se ainda fosse ministro da infraestrutura, “É comunismo na vêia!”
Perfeito!
Respeito o Sr. Alexandre Garcia e vejo as argumentações dele como sensatas. No presente artigo enxergo um pequeno detalhe que merece observação, segundo a qual nós escolhemos errado. Isso não deixa de ser verdade. Mas, o problema é que o sistema só nos dá algumas escolhas boas. Sente-se um odor de conchavos pu-L-U-LA-ndo entre os políticos, restringindo nossas opções.
Alexandre garcia, o melhor jornalista. Revista Oeste cada vez melhor.
Rasgar todos os dias a nossa Constituição, a mãe de todas as leis;
Prisões arbitrárias de políticos e pessoas comuns;
Receber ditadores com honras de chefe de estado;
Sediar o Foro de São Paulo;
Chefe do executivo falar que tem orgulho de ser comunista.
Apenas esses 5 tópicos, mas não se limitam a estes, são suficientes para eu afirmar que estamos diante de uma ditadura.
O grande desafio é: como sair dela sem derramar sangue de inocentes.
O texto de Alexandre Garcia nos dá a certeza de que nossa CF não existe mais para os atuais ocupantes do poder no Brasil. Tudo foi arquitetado com nossa @concordancia”.