Em 1939, a recém-criada União Nacional dos Estudantes (UNE) elegeu o gaúcho Valdir Ramos Borges seu primeiro presidente, num congresso que alicerçou as bases do movimento estudantil no Brasil. A entidade combateu a ditadura de Getúlio Vargas, cruzou a Segunda Guerra Mundial e protagonizou momentos históricos, como a prisão de 800 pessoas — entre elas José Dirceu, Franklin Martins e Vladimir Palmeira — em uma reunião clandestina na cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo, quase três décadas depois.
O último encontro da UNE terminou na semana passada, em Brasília, com um show da cantora Valesca Popozuda no Ginásio Nilson Nelson. Será lembrado nos próximos anos pelo discurso escandaloso do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso — “Nós derrotamos o ‘bolsonarismo'” — e pelas falas de outra estrela do evento, o ministro Flávio Dino (Justiça), em defesa da censura nas redes sociais para calar adversários. É um retrato do que a UNE, comandada pelo Partido Comunista do Brasil, se tornou.
A nova diretoria foi eleita no fim de semana para os próximos dois anos. A entidade será dirigida pela pernambucana Manuella Mirella, de 26 anos, ex-diretora de comunicação da UNE e filiada à União da Juventude Socialista (UJS). Formada em química pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, ela está na segunda graduação: agora é estudante de engenharia ambiental.
Estudantes profissionais
A UNE é uma espécie de legião de estudantes grisalhos: são militantes do PCdoB que migram de um curso para outro, de uma universidade para outra e não concluem nenhuma graduação. Assim, permanecem na diretoria da entidade, sustentada com dinheiro dos alunos. Algumas caras são conhecidas, como a dos deputados Lindbergh Farias (PT-RJ), líder dos “cara-pintadas” pelo impeachment de Fernando Collor, e Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei da mordaça na internet. Os dois presidiram a UNE muitos anos atrás.
Fundada oficialmente em 1937, dois anos antes de eleger seu primeiro presidente, a UNE representa, em tese, cerca de 6 milhões de universitários. Eles se organizam nos famosos diretórios acadêmicos (DAs), centros acadêmicos (CAs), diretórios centrais (DCEs), uniões estaduais de estudantes ou executivas nacionais de cursos. Debatem as pautas e reivindicações do movimento estudantil ao redor de uma mesa de sinuca — nos últimos anos, as camisetas com o rosto do guerrilheiro Che Guevara deram lugar a bonés do MST.
Aqui surge a primeira contradição: o próprio estatuto da UNE proíbe vínculos político-partidários. Contudo, desde 1985, a instituição é dominada pela União da Juventude Socialista (UJS), que é financiada pelo caixa do PCdoB. Juntas, UNE e UJS detêm o controle do movimento estudantil. Tornou-se impossível furar essa bolha.
Fábrica de carteirinhas
Para não perder o comando da entidade que sustenta os estudantes profissionais, os movimentos de esquerda se articulam para se manter no poder. As denúncias incluem DCE cassado, contas irregulares e eleição fraudulenta.
A última confusão envolve Giulia Araujo Castro, estudante de administração pública na Fundação Getulio Vargas (FGV) e de ciências atuariais na Universidade de São Paulo (USP). Ela é integrante do grupo Juventude Para Todos, do PT. Giulia foi acusada de fraudar o processo de seleção dos delegados nas principais faculdades particulares da capital paulista.
“Ela inscreveu alunos da Link School of Business (LSB) que nem sabiam que estavam inscritos”, diz Letícia Perfeito, estudante de economia no Insper e diretora nacional da União Juventude e Liberdade (UJL), único grupo que não é de esquerda. A UJL foi criada como oposição ao monopólio que se perpetua no poder da UNE desde a criação. No Congresso da UNE, na semana passada, cem representantes da UJL foram agredidos e impedidos de participar do evento com a participação de Lula, por 9,5 mil pessoas da esquerda.
Sem militantes dentro da LSB, onde a mensalidade do curso de administração ultrapassa R$ 10 mil, Giulia liderou o movimento em grupos de WhatsApp. “A Giulia me ligou para fazer acordo com os delegados do Insper. Ela me disse que queria resolver de maneira democrática e insistiu num encontro presencial. Eu não fui. Não entendo por que teria problema em resolver pelo WhatsApp”, diz Letícia.
No Ibmec o processo foi parecido, só que coordenado pela Juventude Pátria Livre, ligada ao PCdoB.
O estudante de Economia João Francisco Reghini Barbosa afirmou a Oeste que foi abordado por uma mulher na saída da faculdade pedindo que ajudasse em uma campanha para escolas públicas. Depois de alguns dias, foi surpreendido ao saber, por meio da Letícia Perfeito, que estava na comissão do Ibmec para auxiliar no processo de escolha dos delegados.
“Fiquei surpreso, pois nunca tinha ouvido falar disso e não autorizei minha inscrição em lugar nenhum.” João afirma que conversou com a faculdade, mas, como é um processo que envolve diretamente o movimento estudantil, a instituição não tem responsabilidade. Ele enviou um e-mail explicando sobre o ocorrido para a Comissão Nacional de Eleição, Credenciamento e Organização (CNECO), que não respondeu. Aliás, de acordo com Letícia, a comissão não respondeu a nenhuma denúncia de irregularidade no processo eleitoral apresentada pela UJL.
A reportagem de Oeste fez contato com Patrick Cesário, representante da comissão que organiza a eleição da UNE, mas não obteve resposta. Ele aparece na foto beijando o rosto de Lula.
Caso de polícia
O uso indevido dos recursos dos estudantes se repete em outros Estados. Em Minas Gerais, a gestão do DCE da Pontifícia Universidade Católica (PUC) foi cassada. Em 31 de maio, o Conselho de Diretórios Acadêmicos e Centros Acadêmicos da PUC reprovou a prestação de contas do diretório. O relatório da auditoria apontou 15 irregularidades, entre elas: omissão do valor de R$ 40 mil, referente ao patrocínio da empresa Estrela Bet, realizado sem consulta à mesa; omissão da lista de estudantes beneficiados com viagem à Bienal; omissão de gastos e recebimentos, inclusive omissão dos gastos relativos ao empréstimo de R$ 12 mil do Diretório Acadêmico de Odontologia.
Mesmo com a gestão destituída, a diretoria do DCE continua ativa.
A estudante de economia da PUC Minas Sarah Marques afirma que os alunos pediram a divulgação de balancete e demais comprovações contábeis, mas nada foi fornecido. “O cenário do movimento estudantil é muito nebuloso quanto à transparência, enquanto a aprovação de contas está prevista no estatuto do DCE”, diz.
Alguns comprovantes de pagamentos feitos pelo DCE vazaram. Havia uma transferência de R$ 4 mil para a estudante de direito e presidente da UJS mineira, Luanna Ramalho, além do pagamento da mensalidade do seu próprio curso.
“A própria Luanna pediu para a gente apagar o link, divulgando o relatório do Centro Acadêmico, mas não apagamos”, diz Sarah. “Ela disse que estava sofrendo com ansiedade e que tudo foi tirado do contexto. Como se tivesse contexto uma mensalidade paga pelo Diretório Acadêmico.”
O presidente da gestão, Gabriel Luna, disse que houve um engano e que o valor se refere a um contrato de aluguel de máquina de algodão-doce. Outro caso de polícia foi uma fatura de motel debitada da conta do Diretório Acadêmico.
Procurado, Gabriel Luna não quis dar entrevista à reportagem, pediu a lista dos nomes dos alunos que questionaram as contas do DCE e finalizou: “São movimentações meramente políticas e de interesse pessoal”.
Em 14 de junho, Luna e a tesoureira-adjunta Mariana Martins fizeram uma live para esclarecer as dúvidas dos alunos. De acordo com Sarah e pelos comentários postados no Instagram, as perguntas ficaram sem resposta.
O ‘cara-pintada’ que se filiou ao PT
Na biografia de Lindbergh Farias na página da Câmara dos Deputados, o campo sobre sua profissão ainda diz “estudante; escolaridade: superior incompleto”. Na Wikipédia, ele aparece como ex-líder estudantil e político.
De fato, foi assim que o país conheceu Lindbergh Farias. Ele frequentou aulas de medicina e direito, mas nunca concluiu uma graduação.
Em 1992, como presidente da União Nacional dos Estudantes, ganhou destaque como líder dos “caras-pintadas”, movimento pelo impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Também foi presidente nacional da União da Juventude Socialista (UJS), braço do PCdoB nas universidades. Tomou gosto pela política, ficou famoso na militância de esquerda e virou político — inclusive, aliou-se a Collor décadas depois. Hoje namorado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ele entrou para a carreira política em 1994.
Em 1995, um ano depois de assumir o primeiro mandato, Lindbergh trocou o PCdoB pelo PSTU. Em 1997, em nota intitulada “Triste fim de Lindbergh Farias”, a Direção-Executiva Nacional da UJS comunicou a sua expulsão. Desde 2001, é filiado ao Partido dos Trabalhadores.
Foi deputado federal por três mandatos. Também foi eleito e reeleito prefeito de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e vereador na cidade do Rio de Janeiro. Em 2010, elegeu-se senador.
Ministro da tapioca
Outro que fez escola na UNE para chegar a Brasília, passou pelo menos oito anos na faculdade, mas não concluiu nenhuma graduação é o deputado federal Orlando Silva. Está na Câmara dos Deputados desde 2014. Antes, foi ministro do Esporte, cargo em que ficou conhecido por comprar tapioca com o cartão corporativo do governo.
Orlando Silva ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador, em 1989. No ano seguinte, começou a participar de movimentos estudantis e virou frequentador de centros acadêmicos e diretórios centrais, até chegar à presidência da UNE, em 1995. A eleição do primeiro negro para o cargo também marcou o início da hegemonia do PCdoB no movimento estudantil.
Em 2016, Orlando Silva foi um dos articuladores que levaram o partido a votar em Rodrigo Maia para a presidência da Câmara. Em troca, Maia engavetou o pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades no caixa da UNE.
Naquele ano, o deputado Marco Feliciano (PL-SP) propôs a CPI para investigar a organização que teve as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) quatro vezes. O deputado citou o repasse de R$ 44,6 milhões, uma indenização pela “perseguição sofrida durante o regime militar”, paga pela presidente Dilma Rousseff para a construção da sede.
É uma história que remete a abril de 1964, quando o prédio da UNE, localizado na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi demolido pelo regime militar. A reconstrução da sede, para a qual a verba foi destinada, teve sua pedra fundamental lançada em dezembro de 2010 e estava prevista para ser entregue em 2016, ano em que o Brasil sediou os Jogos Olímpicos.
No entanto, o prédio não foi erguido e o dinheiro desapareceu. Feliciano apontou ainda, com base em uma investigação do Ministério Público, um repasse de R$ 12 milhões para a entidade entre o período de 2006 a 2010, propondo apurar o uso irregular de receita pública.
Em entrevista a Oeste, Marco Feliciano disse que o sentimento é de perplexidade ao ter um pedido de investigação, com grandes suspeitas de desvio de recursos, recusado. “Colhi as assinaturas necessárias uma vez e protocolei”, afirmou. “Mas a mesa diretora da Câmara rejeitou, dizendo que havia algo divergente do que pede o regimento. Então rasguei aquele trabalho e parti para cumprir o que pedia a mesa”.
“E mais uma vez consegui as assinaturas e protocolei o pedido de CPI da UNE — União dos Estudantes que não Estudam”, afirmou. “Para meu infortúnio, o senhor Rodrigo Maia, presidente da Casa e amigo particular do Partido Comunista do Brasil, simplesmente rejeitou.”
O dinheiro sumiu
A entidade estudantil foi alvo de processo do Tribunal de Contas da União (TCU) por supostamente usar uma parcela dos recursos públicos oriundos de convênios com o Ministério da Cultura para bancar festas, bebidas e contas domésticas. Em um dos casos, segundo o TCU, os representantes da UNE aplicaram de forma indevida parte do R$ 1,5 milhão que deveriam ser empregados na promoção de atividades culturais para comprar uísque, cerveja, vodca, vinho, isotônicos, energéticos, chocolates e produtos de higiene pessoal. Em outra demonstração de mau uso do dinheiro dos pagadores de impostos, eles apresentaram notas fiscais de diárias em hotel do Rio de Janeiro no valor de R$ 5,3 mil.
Na prestação de contas, os líderes da UNE nem se deram ao trabalho de camuflar as irregularidades. A UNE entregou notas fiscais de produtos que nada tinham a ver com o objetivo dos eventos. “Teria sido melhor não apresentar nada do que apresentar isso”, ressaltou o relator do processo, ministro Benjamin Zymler.
O ministro Vital do Rêgo, indicado por Dilma Rousseff, contudo, pediu o arquivamento do caso em outubro de 2019.
Indústria de carteirinhas
A última prestação de contas, apresentada em 2019, mostra que quase toda receita vem da emissão de carteirinhas, que assegura aos estudantes o direito à meia-entrada em shows, cinemas e demais eventos culturais, além da metade do preço da passagem no transporte público.
Naquele ano, foram emitidas 273 mil carteiras, com estimativa de renda de R$ 6,2 milhões — uma queda de 56% em relação a 2017, quando o faturamento foi de R$ 14,3 milhões. A redução dos recursos foi em razão da criação da versão digital gratuita, implantada em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro.
A medida provisória, entretanto, perdeu a validade meses depois porque Rodrigo Maia não pautou o tema na Câmara. Hoje, o custo para a emissão do documento é de R$ 40 e tem validade de um ano.
Braço político
A União da Juventude Socialista exibe como suas grandes conquistas a eleição da dirigente Manuela D’Ávila, em 2006, para deputada federal pelo PCdoB, e as vitórias de Lula e Dilma.
A UJS se apresenta como protagonista das grandes manifestações contra o “golpe” em Dilma, em 2016, e responsável pela organização de protestos contra Bolsonaro em 2019, além de se orgulhar por conduzir importantes “vitórias”, como a queda do ministro da Educação Abraham Weintraub, em 2020.
“Aqui no Brasil somos discriminados e postos de escanteio. Amargamos o não aproveitamento do melhor de nossa criatividade e energia na imensa fila dos desempregados. Nas escolas e universidades encontramos um ensino elitista, atrasado e conservador, sem investimentos e democracia.”
(Manifesto da Juventude do PCdoB)
Veteranos
Aos 32 anos, Rarikan Heven é formado em direito e continua no Mackenzie — atualmente, cursa mestrado. Oficialmente, ele faz parte da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), mas é conhecido nos corredores como um dos principais nomes da UJS paulistana. É um dos organizadores de campanhas eleitorais para a UNE nas universidades da capital, embora negue que participe dos centros e diretórios acadêmicos.
A sua conta no LinkedIn, porém, entrega: membro do Centro Acadêmico João Mendes Júnior, do Direito da Presbiteriana. Na descrição diz: “aprendi a trabalhar em grupo e exercer liderança em equipe”.
Os estudantes profissionais estão em universidades públicas e privadas. A história sempre se repete: Bruna Brelaz, de 28 anos, presidia a UNE até o fim de semana passado. Nas redes sociais, ela se apresenta como filha da Amazônia, primeira mulher negra e do Norte do país a comandar a entidade estudantil. Está há dez anos no ensino superior — começou em pedagogia, passou para economia e agora faz direito. Provavelmente, vai se candidatar a um cargo público nas eleições, antes de conseguir um diploma.
Leia também “O choramingo canastrão dos arrependidos”
Excelente reportagem.
Acho q uma cpi cairia muito bem p desvendar esses milhões q somem ao acaso nas mãos de universitários profissionais. Sou vizinha do esquelto q virou a sede da une. Qdo ainda era um canteiro de obras, lembro de vários moradores reclamarem de festas c tudo q se tem direito até altas horas, onde a polícia já batia ponto. De repente , desapareceram.
Excelente artigo. Esta turma se apossou de nossos estudantes, e isto precisa mudar. O Brasil precisa de estudantes que gerem frutos á nação, e não estudantes profissionais vivendo de militância a vida inteira. Após a CPI do MST, uma CPI da UNE cai bem também.
Excelente artigo. Formando picaretas é o mais adequado.
Micareta de picaretas.
Impressionante como tem gente inútil encostado no erário público.
Ótimo artigo !
Ótima reportagem. Dados e fatos. Parabéns.
Gente inútil, para que servem a nação?
Ou seja, esquerdista gosta de uma teta pública desde o berço!
CPI da UNE, urgente.
Deve ter “estudantes” com 50 anos ai.
Este artigo deveria ser enviado via correio a todos os atuais membros da UNE. Acredito que a maioria dos estudantes filiados desconhecem estes fatos apresentados neste artigo.
É o sonho de todo esquerdista: arrumar uma teta para ficar mamando sem trabalhar.