Pular para o conteúdo
publicidade
Plenário do Congresso Nacional, em Brasília (2022) l Foto: Eduardo Rocha Paz/Shutterstock
Plenário do Congresso Nacional, em Brasília (2022) l Foto: Eduardo Rocha Paz/Shutterstock
Edição 176

Castração no Legislativo

A Constituição diz que todo poder emana do povo, e supõe-se que nossos representantes devam manter afinidade com nossas aspirações — ou a representação democrática é uma farsa

Alexandre Garcia
-

A Casa dos nossos representantes reabriu no 1º de agosto. Vai votar de novo o “arcabouço fiscal”, que voltou do Senado, e deve ter que votar de novo a reforma tributária, que provavelmente será modificada no Senado. E ainda terá que examinar a proposta para censurar as redes sociais, analisar os ensaios de reforma administrativa e mexer na trabalhista, feita durante o governo Temer. Os 513 deputados que lá estão são nossos representantes, nossos mandatários, assim como representam nossos Estados os 81 senadores. Pergunto se nós, como mandantes e representados, estamos sendo consultados sobre o aumento, além do teto, de gastos que consomem os impostos que pagamos, se estamos sendo consultados sobre se abrimos mão da nossa liberdade de expressão e opinião nas redes sociais, aliás garantidas por cláusula pétrea da Constituição. Afinal, a Constituição diz que todo poder emana do povo, e supõe-se que numa democracia nossos representantes devam manter afinidade com nossas aspirações, pois o voto não é uma procuração em branco — ou a representação democrática é uma farsa.

Exemplar da Constituição da República | Foto: Wikimedia Commons

Há, entre os políticos, duas ideologias. A de um Estado mínimo (para não pesar no pagador de impostos) ágil, para poder prestar bons serviços públicos — e que não atrapalha a atividade da nação que investe, emprega, compra, vende, produz. E há aquela ideologia em que o Estado é maior e mais importante que a nação. Um Estado senhor, patrão, fiscalizador, bisbilhoteiro, gastador, burocrático, supostamente para estimular a economia, criar emprego e gerar bem-estar. Esse Estado acaba gastando mais do que arrecada, desestimula o pagador de impostos, gera inflação, castra liberdades, tolhe a iniciativa, o empreendedorismo. Prefere ter clientes que vivam de seu paternalismo, tanto entre os desempregados como entre os empregados e empregadores. Acaba pondo a nação a seu serviço, invertendo a relação saudável em que a nação se organiza num Estado, para que o Estado possa servi-la com defesa, justiça, polícia e serviços sociais.

O Estado brasileiro não consegue oferecer segurança jurídica nem política — isso sem falar da segurança pública. Somos um país ciclotímico, do sobe e desce. Não temos a necessária estabilidade política e jurídica para permitir desenvolvimento econômico e social

Passamos quatro anos com um Estado que procurava ficar mais leve para o contribuinte e mais eficiente na prestação de serviços. Um período em que vigorou a liberdade econômica e, por parte do Executivo, as demais liberdades, como a de xingar o presidente ou a de estar apto à autodefesa natural dessas liberdades e direitos. Agora estamos rapidamente enveredando pela opção do Estado forte. Em que o Executivo faz o oposto do que o anterior julgava importante; o Judiciário cresce com o Estado; e o principal Poder de representação popular, o Legislativo, parece apático ou perplexo. Mais do que isso, afina-se mais com o governo de turno do que com os eleitores que lhe deram mandato em 2018. Partidos de centro-direita que ganharam folgada maioria em 7 de outubro trocaram a fidelidade aos eleitores por cargos em ministérios e estatais. O eleitor de 2018 ainda não conseguiu mudar o triste fisiologismo de seus representantes.

Congresso
Pacheco e Lira, lado a lado | Foto: Divulgação/Agência Senado e Agência Câmara

Investidores nacionais e estrangeiros são afetados nas expectativas. O Estado brasileiro não consegue oferecer segurança jurídica nem política — isso sem falar da segurança pública. Somos um país ciclotímico, do sobe e desce. Não temos a necessária estabilidade política e jurídica para permitir desenvolvimento econômico e social. Vai o Congresso cumprir o que se espera dele? Os presidentes da Câmara e do Senado têm poder imperial sobre o que pôr em pauta, vale dizer, poder de decisão sobre o que os senadores e deputados não poderão votar. A consequência é que os presidentes das duas Casas são mais iguais que seus supostos pares. Têm poder de emascular o voto e de tornar eunucos os representantes de um povo que pode estar com a libido alta, desejando os prazeres de viver num país cujo Estado lhe preste serviços públicos compatíveis com a carga de impostos que pesa sobre suas costas. Aliás, foi oportuna a lembrança do senador Girão, quando reclamava da apatia do maior dos Poderes, o Legislativo: “O que estamos fazendo aqui, com o dinheiro do povo?”.

Leia também “Abafadores de eco”

11 comentários
  1. Gilson Herz
    Gilson Herz

    Resumindo, o congresso tem um bando de canalhas parasitando o dinheiro público. São poucos que trabalham a serviço do povo. O restante é um enxame de gafanhotos destruindo tudo que podem para viverem que nem reis.

  2. Nilson Abrao Porto
    Nilson Abrao Porto

    Cada vez sentimos vergonha desse país mediante os fatos reais.

  3. Marcus Borelli
    Marcus Borelli

    Minha modesta opinião: quanto menor for o Estado, melhor. E quanto menos ele custar, melhor ainda.

  4. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Acho que imagunar um Estado mínimo com funcionários sérios é sonhar demais.

  5. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Esses dois presidentes das casas legislativas são iguais ao Lula e ao o STF, não move uma palha sobre a roubalheira generalizada porque faz parte dela. Precisamos urgentemente de uma reforma geral, a começar pelo processo eleitoral, eleições limpas e transparentes, como manda as premissas de um país democrático

    1. Marcus Borelli
      Marcus Borelli

      Enquanto vigorar a eleição proporcional que não faz a devida representação do povo, iremos a lugar nenhum. Reformas sim mas só após a revolta da população. E ela virá …

  6. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Completando 134 anos neste 2023 nossa república pouco entregou aos brasileiros.
    Parida para depor a monarquia, Marechal Deodoro discordou da indicação de Silveira Martins pelo Imperador para ocupar a cadeira de Primeiro Ministro.
    Silveira Martins e Deodoro eram desafetos por terem disputado o amor da mesma mulher.
    De 1889 até os dias atuais nunca tivemos projetos para colocar o país em condições de gerar crescimento e desenvolvimento econômico. Os políticos foram se sucedendo entre eleições, revoltas, ditaduras e o máximo que entregaram foram voos de galinha.
    E continuam rasgando a Constituição, ignorando as leis, e a confusão entre os poderes que deve ser independente e harmônico entre si só aumenta.
    Ulisses Guimarães dizia: não está satisfeito com o Congresso atual. Espere o próximo. Será muito pior.

  7. Paulo César de Castro Silveira
    Paulo César de Castro Silveira

    O certo seria: O poder emana de Deus e é exercido para fazer a vontade de Deus.

  8. Dalmacio Irapuan dos Santos
    Dalmacio Irapuan dos Santos

    Temos dois inePTos nas Casas do Povo. A) – O presidente do senado é uma assustadiça avestruz. Ao primeiro sinal de confronto, enterra a sua cabeça num monte de covardia. B – O da câmara, é uma temerosa cutia. Ao farfalhar de uma folha, fecha os olhos e cobre a cara com as patinhas. Pobre Brasil!!!!!!

  9. Pedro Hemrique
    Pedro Hemrique

    No país do faz de contas a representação democrática realmente é uma farsa! Primoroso esta definição Sr. Garcia! A cada dia tenho mais convicção de que o Brasil é realmente um país do faz de contas!

  10. MNJM
    MNJM

    Exatamente Alexandre, os nossos representantes não estão nos representando. Assistem tudo sem reação, os Presidentes da 2 Casas são parceiros do Governo e do Judiciário que impõe ao povo a DITADURA DA TOGA.

Anterior:
A danação de Dino
Próximo:
Na barra da toga do STF
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.