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Ilustração: Shutterstock
Edição 182

Arca Bolso

É simples e genial. Com o aumento das contribuições de vocês, eu vou enriquecer. E vou ser um rico mão-aberta, que vai melhorar a vida de todos

Guilherme Fiuza
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— Tive uma ideia genial pra equilibrar as nossas contas.

— Opa! Isso é fundamental. Qual é a ideia?

— Vocês vão dar mais dinheiro pra mim.

— Espera aí! Que equilíbrio é esse?

— É o equilíbrio mais moderno que já existiu. Totalmente inovador. Daí o seu estranhamento inicial.

— Explica essa mágica.

— Não é mágica. É ciência.

— Certo. E qual é o princípio científico dessa forma inovadora de equilíbrio fiscal?

— É simples e genial. Com o aumento das contribuições de vocês, eu vou enriquecer. E vou ser um rico mão-aberta, que vai melhorar a vida de todos.

— Contribuições? Então nós podemos optar entre participar e não participar do seu plano?

— Não. A participação é obrigatória e a contribuição é compulsória.

— Não haveria um paradoxo nisso aí?

— Depende do ponto de vista. A minha administração está justamente escolhendo ver as coisas pelo lado bom. Isso muda o mundo.

Ilustração: Shutterstock

— Mas como você vai fazer pra conseguir que todos vejam as coisas pelo lado bom?

— Já resolvi isso. Nomeei um amigo meu pra chefiar o setor de estatística. É um grande coreógrafo.

— Coreógrafo? Não entendi.

— Não se preocupe. Inovações muito arrojadas suscitam dúvidas mesmo. Não é um problema cognitivo seu.

— Que bom. Fico mais tranquilo. E como será essa coreografia?

— Os números não mentem. Mas se movem, se transformam, enfim, os números são organismos vivos que respiram, crescem e dançam. Nós só vamos fazer com que eles dancem conforme a música.

— Qual é a música?

— É a música do otimismo, da beleza e do amor. Sempre que os números ficarem com cara feia nós lhes daremos injeções de plasticidade e alto-astral. É a estatística contra a onda de ódio.

— Incrível. Nunca tinha ouvido falar nessa modalidade.

— A ciência evoluiu muito nos últimos meses. Os contribuintes estão chocados com a nossa inventividade.

— É chocante mesmo.

— Você ainda não viu nada. Com o melhoramento genético dos números da economia, teremos um novo ciclo de fartura.

— Agora me perdi. É coreografia ou genética?

— De acordo com a ciência moderna, dá praticamente no mesmo.

— Ah, tá. E como vai ser esse ciclo de fartura?

— Vai ser uma delícia. Eu vou poder gastar mais, sem aqueles limites reacionários impostos por administrações anteriores.

— Mas o aumento do gasto não compromete o equilíbrio das contas?

— A sua cabeça está velha, amigo. Com todo o respeito. Nas novíssimas doutrinas econométricas, quanto mais gasto, mais equilíbrio.

— Impressionante.

— Eu também me impressionei no início. Agora já estou acostumado. Inclusive porque, pra gastar mais, a gente se acostuma rápido.

— “A gente”?

— A gente, que eu digo, eu. A modéstia sempre me empurra para o plural.

— Então vê se eu entendi a ideia geral: nós vamos dar mais dinheiro pra você, você vai gastar mais e nós ficaremos todos equilibrados e felizes. É isso?

— Quase isso. Só faltou um ponto.

— Qual?

— Como vai ter dinheiro sobrando, vocês vão reconstruir a vida dos meus amigos ricos que perderam tudo na jogatina.

— Acho justo. Felicidade gera solidariedade.

— Que bom que você entendeu.

Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

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19 comentários
  1. Jorge
    Jorge

    A classe acadêmica, que teve sua mente pasteurizada, chama a destruição do Brasil de transição, ela está em curso, só falta destruir ao agro, a coluna econômica que impediu até agora, que essa tragédia fosse concretizada,
    Será que o povo acordará a tempo?
    Quando acordar, o estrago será grande. haverá suor e lágrimas para todos!
    Antigamente cortavam-se os zeros, destruiram o poder da moeda, agora, o neo escravagismo, reduz ao máximo as possibilidades de ORDEM e PROGRESSO e o mantra é vassalagem !
    RETROCESSO !

  2. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Fiuza, o assunto é muito sério mas com suas ironias só consigo rir quando deveria estar chorando pela iminente destruição do país.

  3. Raimundo Penaforte Dias de Sousa
    Raimundo Penaforte Dias de Sousa

    Por que o resto da imprensa ignora isso?

  4. Ciro Marcos Silva
    Ciro Marcos Silva

    Já me sinto muito feliz e satisfeito em participar compulsoriamente desse belo empreendimento! Por que os governos passados não pensaram nisso?

  5. Jose Carlos Rodrigues Da Silva
    Jose Carlos Rodrigues Da Silva

    A esquerda é boa para duas coisas: organizar manifestações de rua e desorganizar a economia.Humberto Castello Branco

  6. Walt Silva Sobrinho
    Walt Silva Sobrinho

    Genial!

  7. Domingos Henrique Fazan Caramano
    Domingos Henrique Fazan Caramano

    Grande Fiúza!
    Inteligente e sarcástico!

  8. Valdir Nogueira
    Valdir Nogueira

    Extremamente criativo esse artigo. Gostei demais. Parabéns Fiuza.

  9. JHONATAN SURDINI
    JHONATAN SURDINI

    Revolução dos bichos

  10. Isabel
    Isabel

    Sempre bom!

  11. Mônica de Abreu Azevedo
    Mônica de Abreu Azevedo

    Adorei o texto! Parabéns, Fiúza! Agora consegui entender onde chegaremos com este arcabouço fiscal!!! Rsrsrs! Sem brincadeiras: seu texto é Inteligentíssimo e sua ironia é rara! Parabéns!

  12. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    ” você não terá nada e será feliz” agenda 2030

  13. Zulene Reis
    Zulene Reis

    Como sempre, perfeito!

    1. SINARA MENDES JACINTO VERSIANI
      SINARA MENDES JACINTO VERSIANI

      Texto maravilhoso como sempre.

  14. Fernando Senna
    Fernando Senna

    Fantástico texto. Típico Fiuza. Como nos tempos das receitas caseiras.

  15. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Fiuza é o lieterato

  16. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O danado do Fiuza é metafórico parabólica de raio tangencial e oblíquo, que fi dunha égua homi!!!

  17. Lauro Patzer
    Lauro Patzer

    Um texto muito preciso e certeiro de Fiuza, que através de um diálogo ironiza o governo que se diz moderno, mas com práticas descompassadas com a atualidade. O arroubo está na gastança sem qualquer escrúpulo e sem medir consequências perigosas para a economia ao ignorar medidas de contenção de gastos. Deduz-se também um leve toque, que Fiuza dá, ao expor as vísceras podres do regime, onde faltam as garantias de liberdades individuais, coletivas e de comunicação regidas pela voz do abuso de poder.

  18. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    sensacional artigo Fiuza !! esses imbecis acham que estão nos enganando sem que percebamos ! quem não sabe que esse “ARCA BOLSO”
    vai custar caro pra nós brasileiros

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