— Pois não. Qual é o seu problema?
— Meu problema é que eu não presto pra nada, doutor.
— Calma. Você deve estar exagerando.
— Infelizmente não estou. Eu sou inútil mesmo.
— O que o faz acreditar nisso?
— O meu senso de realidade. Talvez seja minha única virtude. Que no caso é defeito, né? Virtude pra mim seria viver no mundo da lua.
— Você deve estar sendo rigoroso demais com você. Ninguém é totalmente imprestável.
— Eu sou, doutor.

— Pode me dar exemplos de situações ou características que o fazem se sentir imprestável?
— Claro. Sou preguiçoso, fraco, invejoso e não tenho talento pra nada.
— Às vezes pode ser uma questão de superar alguns recalques…
— Tenho.
— O quê?
— Recalques. Muitos recalques. E também sou medíocre, feioso, teimoso, superficial, sem charme, meio burro, espírito de porco e desonesto.
— Pelo menos é sincero.
— Só aqui com o senhor. Lá fora sou dissimulado, fingido e arrogante.
— Ok. Já tenho o seu diagnóstico.
— Qual é, doutor?
— Você é ótimo.
— Ótimo?! Como assim? Acabei de mostrar que sou péssimo.
— Você não é péssimo. Você é ótimo. Só nasceu na época errada. Vou te colocar no túnel do tempo.
— Eu vou ser enviado para o passado?

— Não. Para o futuro.
— Será que vai dar certo?
— Vai. É muito simples. Mesmo pra você.
— O que eu preciso fazer?
— Você só precisa teclar o número certo no painel.
— Túnel do tempo tem painel?
— Tem. Mas é bem fácil de operar.
— Olha lá, doutor. O senhor não me conhece.
— Não tenha medo. Vai por mim. Túnel do tempo é que nem elevador. Só que, em vez dos botões com os números dos andares, você vai ver botões com os números dos anos.
— E aí? O que eu tenho que fazer?
— Apertar 2023.
— Será que eu vou me adaptar a um futuro tão distante?
— Com certeza. É uma época perfeita pra você.
— Ok. Chegando em 2023 eu falo com quem?
— É só dar a senha na portaria.
— Qual é a senha?
— Jujubas por um mundo melhor.
— Jujubas?
— Não gosta? Pode ser também confetes, brigadeiros, qualquer coisa doce por um mundo melhor. Achei que você curtisse jujuba.
— Eu curto.
— Então perfeito. Boa viagem!

— Espera. Depois de dar a senha e entrar em 2023 eu vou pra onde?
— Qualquer lugar. Em 2023 um cara como você vai se dar bem em qualquer lugar.
— Pode me dar uma sugestão pro passo inicial?
— Você pode ir trabalhar com marketing numa grande empresa.
— Eu?! Mas já te falei que sou preguiçoso…
— Calma, rapaz. Em 2023 é tudo moderno. Basta dar a senha e você tá dentro.
— Qual seria a senha, no caso?
— Demagogia humanitária por um mundo melhor.
— Humanitária?
— É. Basta inventar uma lista de seres humanos ofendidos por qualquer coisa, de bolo fofo a escafandrista de aquário, e sair heroicamente em defesa dos discriminados.
— Meio complicado. Não sei se vou conseguir.
— Então começa numa agência de checagem.
— Qual é a senha?
— Mordaça por um mundo melhor.
— Hum… Não sei. Acho que não tenho conhecimento suficiente pra checar nada.
— Quem falou em checar, querido? Você só precisa dedurar quem falar fora da cartilha. É a coisa mais fácil do mundo. Citou uma marchinha carnavalesca das antigas você já carimba o fascista e toca a vida.
— Não tem um jeito mais fácil de começar?
— Ainda tá inseguro, né? Normal. Faz o seguinte: se inscreve no corpo de baile de um desses astros de playground por um mundo melhor.

— Você tá louco! Eu sou pesado e desengonçado até pra andar, imagina pra dançar!
— Justamente. Na banda você vai preencher a cota dos sem jeito, sem talento e fora do peso. O público vai se emocionar com a sua performance em defesa das minorias.
— Tem certeza?
— Nenhuma dúvida. Vou repetir o seu diagnóstico: você é ótimo, só nasceu na época errada. Deixa esses antiquados pra trás! Eles nunca vão te compreender, você está à frente do seu tempo.
— Obrigado, doutor. Estou impressionado com a sua competência. De onde vem esse conhecimento todo?
— De 2023. Eu venho de lá. Fiquei sem mercado porque os imprestáveis são um sucesso e não precisam mais da ajuda de ninguém.
Leia também “Procura-se um inimigo”
Fiuza, excelente a viagem no tempo1
é a era da hipocrisia!! sensacional artigo Fiuza !!
Ótimo, estamos vivendo isso, esses hipócritas estão tomando conta de tudo.nossas almas estão tristes.
“os emprestáveis são um sucesso e não precisam mais da ajuda de ninguém” – é o resumo da ópera. Sensacional!!!!
Sensacional
Genial Fuiza.
Fiuza volta com tudo!
Em um país de canalhas medíocres mandando nesse país, ter o Fiúza de volta é algo de encher a alma de alegria.
Que prazer em ler um texto seu novamente, Fiúza.
Fiuza genial, como sempre. Parabéns e muito obrigado.
Que saudades de você, Fiúza!
Você faz falta. Em especial, em 2023.
Extasiada com esse texto, simplesmente GENIAL!!!?????????
Texto perfeito. Parabéns Fiuza
????? perfeito !
PARABÉNS FIUZA, ESTAMOS CHEIO DE HIPÓCRITAS, INÚTEIS FUNCIONAIS E IMORAIS NESSE PAÍS, ELES ACHAM QUE SÃO ETERNOS E O LEGADO DELES SERÁ O ESQUECIMENTO DOS IMBECIS
Diálogo que me faz lembrar a censura dos anos 70, do saudoso Pasquim e da antiga imprensa cheia de imaginação.
Verdade. O interessante é que alguns canalhas que criticavam o regime militar agora apoiam essa ditadura da toga.
??????????
Sensacional, parabéns!
Fiuza brincou com os brincantes
Complimenti!!! Bravissimo!!!!
Muito boa… aliás… genial
Chegou, chegando….
Que falta está fazendo
Kkkkkkk Fiuza vc é um gênio
Dialogo sensacional e verdadeiro. Parabéns!
CONGRATULATIONsss!!! IT!s true, marvel, fantastic and opening my MIND. TKsss Att…
Que texto maravilhoso. Tão real e tão contemporâneo. Só você mesmo. Parabéns.
Grande Fiuza! É realmente um prazer ler Guilherme Fiuza, e que falta faz!! Bora incomodar, que é isso mesmo que a inteligência costuma fazer, aqui em 2023. E é o mínimo que podemos e devemos fazer. Incomodar, ao fazer pensar,
Muito bom, meu querido! Sempre impecável! Estava com muitas saudades!!
Grande Fiuza!
Saudades dos seus comentarios! Vamos dar a volta por cima!
E precisa de comentários,grande Fiuza?
Saudades dos seus textos, Fiúza!
Acabei de ler Fake Brazil: impecável.
Fiuza, que bom que vc voltou. Parabéns peli seu livro Fake Brasil.Ameiiii
senacional
Só verdades
Que navalha! Sensacional!
Meu Deus, quantas verdades num diálogo só. É de arrepiar esse artigo.