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O ministro Dias Toffoli e o presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, na 24ª Conferência Nacional da OAB | Foto: Reprodução/Euler Junior/TJMG
Edição 193

Coquetel transbordante

O povo tem cobrado nas redes sociais da OAB, da mídia e do Senado o silêncio omisso ante fatos que saltam aos olhos de quem quer que leia a Constituição cidadã

Alexandre Garcia
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Diante do presidente do Supremo, os advogados que enchiam o auditório no Expominas, em pé, ficaram aplaudindo e enfatizando, aos gritos e assobios, as palavras do presidente da OAB/MG, Sérgio Leonardo, que haviam soado nos ouvidos do ministro Barroso. Elas clamavam por respeito à advocacia, falavam em coragem e não em covardia, para mostrar indignação e repúdio aos excessos de magistrados nos “tribunais superiores” (ele teve a delicadeza de não especificar o Supremo). Foi na 24ª Conferência Nacional da Advocacia, com advogados do país inteiro, e o ministro Barroso estava na mesa principal. Ele parecia proteger os olhos com a mão, da luz que o ofuscava, vinda da tribuna onde falava Sérgio Leonardo. Muito significativo. Todos em pé, aplaudindo, inclusive os da mesa, que ladeavam o ministro Barroso, que permanecia sentado. A demora e a intensidade dos aplausos foram manifestação mais eloquente ainda que o próprio discurso do anfitrião. 

A queixa dos advogados vem de longe. Há quatro anos, o Supremo abriu um inquérito por conta própria, sem Ministério Público, baseado no seu regimento interno que, nessa parte, está superado pela Constituição de 1988. No inquérito, os ofendidos investigam e julgam os supostos ofensores. Muitos casos já com penas de bloqueio de contas digitais e bancárias, carecendo de direitos de defesa e do acesso de advogados. Afora o ministro Marco Aurélio, que ironizou o feito, chamando-o de “inquérito do fim do mundo”, ouviu-se o silêncio. Esperava-se crítica da mídia, da OAB, do Senado que julga ministro do Supremo; mas ninguém falou.

24ª Conferência Nacional da Advocacia, com advogados do país inteiro, com o ministro Barroso na mesa principal | Foto: Reprodução/Euler Junior/TJMG

Depois veio o inquérito do 8 de janeiro. Supremo invadido, passou a julgar seus supostos invasores. Ministério Público e advogados pedem para aliviar detidos em presídios e se queixam de que estão sem resposta. A OAB precisou ser sacudida na sua própria carne — ou no seu espírito de corpo — quando viu mais uma vez o regimento interno do STF se sobrepondo à Constituição, no caso da ampla defesa, com sustentação oral impedida em agravo. Depois da nota em que a OAB afirma que “continuará insistindo para que o tribunal cumpra as leis e a Constituição”, veio uma ironia de Moraes, ao negar mais uma defesa oral num agravo: “A OAB vai lançar outra nota contra mim, vai dar mais uns 4 mil tuítes dos meus inimigos”. Em seguida veio o evento da advocacia em Belo Horizonte, com o discurso e a reação dos advogados. Barroso ainda respondeu confirmando a metamorfose do STF, ao afirmar que a Corte combateu o negacionismo e o autoritarismo, e ao falar em metas climáticas e erradicação da pobreza, num discurso que atesta o viés político da Corte constitucional.

O ingrediente que ainda faltava, o povo, surgiu no domingo 26, enchendo quatro quarteirões da Avenida Paulista para cobrar do Supremo a morte de Cleriston na Papuda e a volta à Constituição

A indicação de Flávio Dino para o Supremo parece ser mais uma gota num cálice transbordante. A oposição no Senado a toma como provocação. Acontece logo depois da aprovação pelo Senado da PEC que restringe decisão monocrática que contrarie a maioria do Congresso, e também depois da reação irada de Gilmar Mendes, apoiador do nome de Dino para a vaga de Rosa Weber. Gota a gota o cálice encheu. Até a Constituição se tornou inconstitucional, no marco temporal. O Supremo legisla sobre drogas, examina aborto… e a Lei Maior está remendada em abundância por Adin e ADPF do Supremo.

Senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado Federal | Foto: Roque de Sá/Agência Senado

O povo tem cobrado nas redes sociais da OAB, da mídia e do Senado o silêncio omisso ante fatos que saltam aos olhos de quem quer que leia a Constituição cidadã. O presidente do Senado encontra dificuldade em andar por terras mineiras sem ser cobrado. Cálice cheio, Rodrigo Pacheco e a OAB caíram da cama sobressaltados pelo pesadelo de que a independência de Poderes e o devido processo legal estavam abafados pela toga. Pacheco sentiu e tocou a emenda que impede um único juiz do Supremo de derrubar decisão da maioria do Congresso. A PEC que impede decisão monocrática está na Câmara, agora. Mas, depois que o decano do Supremo Gilmar Mendes reagiu chamando de “pigmeus morais” os 52 senadores que aprovaram a PEC, inação da Câmara será sinal de repetição da subserviência. O discurso irado de Gilmar fala de “tacão autoritário escamoteado pela pseudorrepresentação de maiorias eventuais” — praticamente rompe com o Senado, no país sem Poder Moderador. O ingrediente que ainda faltava, o povo, surgiu no domingo 26, enchendo quatro quarteirões da Avenida Paulista para cobrar do Supremo a morte de Cleriston na Papuda e a volta à Constituição. Nesse coquetel já transbordante foi adicionada a indicação de Flávio Dino.

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11 comentários
  1. José Alves Ferreira
    José Alves Ferreira

    Toda desgraça que está assolando a nossa pátria amada Brasil são os 80% dos cargos eletivos por aposta quando não são bandidos são canalhas tem 40 anos que eles estão nos roubando saúde educação moradia segurança trabalho etc ????????

  2. Daniel Miranda Lewin
    Daniel Miranda Lewin

    EXCELENTE ANÁLISE, VAMOS LOTAR A PAULISTA NOVAMENTE DIA 10!!!

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Pra que PEC se foram quebradas as cláusulas pétreas

  4. JHONATAN SURDINI
    JHONATAN SURDINI

    Esse PACHECO…..

  5. Breno De Luca
    Breno De Luca

    E a invasão prometida da Venezuela sobre a Guiana? Os desdobramentos são sintomáticos. Brasil declara estado de guerra para “proteção das fronteiras”, o presidente dissolve o congresso e impõe a ditadura. Tudo já planejado.

  6. ALEX
    ALEX

    Eles nos mantém constantemente sob pressão. Fazem o mesmo com Bolsonaro. Temos que retribuir o favor. Não parar, não precipitar, não retroceder.

  7. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Também acredito que a indicação do comunista Flavio Dino foi dobrar a aposta.

  8. Jose Boaventura
    Jose Boaventura

    Na sentença “O Supremo legisla sobre drogas,…”, talvez a eliminação do [re] – o 2o na frase – também possa ser considerado.

  9. MNJM
    MNJM

    Senadores covardes e omissos, capachos do STF autoritário e decadente. Se tivessem dignidade reprovaram a indicação de Dino, comunista, cínico, debochado e desqualificado p o cargo.

  10. Pedro Hemrique
    Pedro Hemrique

    Os representantes do povo, deputados e senadores, que após serem eleitos não mais nos representam, só lhes interessa dinheiro e muito dinheiro e como dizia o personagem politico de Chico Anisio, Justo Veríssimo, o povo que se exploda. É lastimável a passividade do nosso parlamento! Até quando continuaremos assim??

  11. Paulo Antonio Neder
    Paulo Antonio Neder

    Os que já leram minha manifestação peço desculpas por ser repetitivo.
    O Partido Novo está fazendo um abaixo assinado virtual ‘DINO NÃO”. Quem estiver contra a indicação sugiro que assine.
    Não informo o link porque a Revista Oeste não aceita, o que respeito.

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