Crítica do Poder Judiciário desde que ocupou o cargo de corregedora Nacional de Justiça, entre 2010 e 2012, Eliana Calmon, ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não perdeu o foco. Mais do que continuar pedindo transparência do Judiciário, agora seu descontentamento é com o poder crescente e desenfreado do Supremo Tribunal Federal (STF), uma Corte que hoje “tem a nação nas mãos” porque decide “desde briga de vizinho até dissidência entre Poderes”.
No alvo da ex-ministra — a primeira mulher a assumir uma vaga no STJ, em 1999 — estão as ilegalidades cometidas nos inquéritos abertos a partir de 2019 e até hoje não concluídos e os “processos kafkianos” do 8 de janeiro. Ela também demonstra perplexidade com a “decisão política” dos ministros do STF de sepultar a Lava Jato, maior operação de combate à corrupção do país.
Baiana de Salvador, a ex-ministra entrou na magistratura em 1979. Nos últimos anos viu as coisas mudarem. Ela disse que o STF impõe medo a juízes, à sociedade, à imprensa, aos advogados e a parlamentares. “As instituições estão amordaçadas pela Instituição Superior.” No caso do Legislativo, parlamentares com processos abertos no STF temem represálias. “Isso não é direita nem esquerda. Esta é a realidade brasileira.”
Aposentada desde 2014, Eliana exerce a advocacia em Brasília e diz não temer o Supremo. “Sou uma cidadã brasileira de 79 anos e já cumpri com meu dever”, declarou. “Se estivesse na ativa, seria afastada, e isso não está certo.”
De quem é a responsabilidade pela morte de Cleriston Cunha, o preso do 8 de janeiro que já tinha parecer da PGR pela liberdade, mas seguiu encarcerado na Penitenciária da Papuda?
Foi uma morte anunciada. Me parece que não há muita celeridade na condução dos pedidos de liberdade. Houve um descuido. O ministro não analisou os pedidos. A imprensa diz que foram mais de 30 pedidos esclarecendo que ele estava doente e ele terminou falecendo. Então, isso é imperdoável. O Estado é responsável por essa morte. Cleriston estava preso por determinação do Supremo Tribunal Federal, e quem tem agora de dar as explicações é o STF através do juiz que estava conduzindo o processo.
Essas explicações sobre a demora na análise dos pedidos de liberdade ainda não vieram. Quem vai cobrar essa resposta do ministro?
Eles são imponderáveis porque estão na cúpula de um Poder que atualmente está exacerbado e em posição até superior a dos outros dois Poderes, de forma que a gente não tem de quem cobrar. Vai cobrar de quem? Acho que a única solução é justamente o povo se manifestar e mostrar que não está satisfeito com a ação do Supremo.
Já se admitiu que, em virtude de um suposto ‘risco democrático’, o Judiciário extrapolou seus poderes. A Corte poderia ter feito isso?
O Poder Judiciário não existe para isso. Existe para levar a paz social, defender os conflitos existentes na sociedade. E, quando chamado em algum processo, pode ter algum ativismo se o Poder Legislativo não estiver agindo. Então, entra o ativismo em razão da falta de um dos Poderes, uma vez que o Legislativo não cumpre a sua tarefa e o Poder Judiciário ocupa esse espaço.
Essa exacerbação de competência também se observa pelos inquéritos considerados ilegais abertos desde 2019 no STF, como o das fake news, das “milícias digitais” e dos “atos antidemocráticos”. O STF tem competência para isso tudo?
Lógico que não. Esse processo é algo que não tem forma, nem cor, nem nome de processo. Não está na Lei Orgânica, não está no Código de Processo Penal e não está na Legislação Extravagante. Ele tem um rito completamente desconhecido da legislação brasileira, porque é o Supremo que determina; não é preciso que o Ministério Público aja ou denuncie. É o ministro do Supremo que determina quem vai ser processado. Ele determina a abertura do processo, dirige o processo, colhe as provas e julga. Como é que pode? Não existe contraditório.
Essas ilegalidades se estendem aos casos do 8 de janeiro?
Há uma queixa generalizada dos advogados de que as defesas não são nem sequer lidas pelo relator. E isso é tão verdade que, agora, depois da morte de Clériston da Cunha, é que o ministro Alexandre de Moraes mandou saber quem foi que requereu o pedido para a liberdade dele. Como é que ele não sabia? É um processo kafkiano, que não tem limites, não tem forma. Todo processo, nos regimes democráticos, tem que ter a ampla defesa, o contraditório e a competência estabelecida em lei para ser julgado. E isso não existe nesse processo em relação às 1.200 pessoas que foram presas no 8 de janeiro.
Como a senhora avalia os pronunciamentos do STF sobre a Lava Jato, praticamente enterrada, com a pá de cal colocada recentemente pelo ministro Dias Toffoli, que anulou todas as provas no acordo de leniência com a Odebrecht?
Avalio com perplexidade. A Lava Jato tramitou por quase seis anos. Muitos dos processos da Lava Jato chegaram ao Supremo Tribunal Federal. Alguns processos foram julgados e foram confirmados. Outros foram anulados. Esses processos também chegaram a outros tribunais: tribunais regionais, Superior Tribunal de Justiça e depois ao Supremo Tribunal Federal, onde se fez um pente-fino de tudo o que existia nesses processos. De repente, o Supremo entende, primeiro, que não há competência para os processos que foram ajuizados em Curitiba. Segundo, que o juiz condutor do processo era parcial. Terceiro, que o membro do Ministério Público que atuou no processo também era parcial e extrapolou. Quarto, que as provas eram ilegais. Não posso entender como é que essas nulidades, que são as maiores que se pode encontrar em qualquer processo, tenham passado despercebidas do próprio Supremo e do Superior Tribunal de Justiça, e de repente se anula tudo. Acho que é até uma espécie de esquizofrenia processual. Tudo errado, desde quem entrou com a ação, quem julgou, quem colheu as provas e como colheu as provas. Todas essas nulidades gravíssimas tinham passado, durante seis anos, em todos os patamares do Poder Judiciário, e nunca ninguém tinha visto isso. E de repente o Supremo vê todos esses defeitos e começa a anular todos, inclusive aqueles que já tinham até transitado em julgado.
“O cidadão brasileiro está perplexo. E isso está deixando o Supremo desconfortável. Eles não podem sair, não podem pegar um avião, não podem ir a um restaurante”
Na sua avaliação, o que aconteceu para que houvesse essa ‘esquizofrenia processual’?
Acho que foi uma decisão política tomada pelos ministros do STF, que se valeram, como única saída para dar uma solução política, de uma nulidade processual.
Alguns tentam comparar uma suposta arbitrariedade das prisões cautelares da Lava Jato, cuja finalidade seria forçar uma delação, com as prisões do 8 de janeiro. Há alguma relação?
São coisas completamente diferentes. Os processos do 8 de janeiro não têm forma nem figura jurídica. Eles nasceram dentro do STF por uma ordem de um ministro que se arvorou como relator, tomou todos os outros processos que tinham relação com esse para ter a competência única e exclusiva, inclusive os processos contra governadores que chegaram até o Superior Tribunal de Justiça, que é o foro onde devem ser processados os governadores. Isso tudo foi ordenado que fosse para o Supremo para um inquérito que é único e diz respeito a tudo o que aconteceu no dia 8 de janeiro. Isso não tem nada a ver com os processos da Lava Jato, que obedeceram a um rito processual, obedeceram a competência, foram julgados no Rio de Janeiro, em Curitiba, no Distrito Federal. Mas todos os casos ocorreram em processo regular, que seguia a ordem processual, seguia a Constituição e as leis orgânicas da competência do juízo. Havia recurso, porque da decisão do juiz de primeiro grau ia para os tribunais, dos tribunais ia para o STJ. Enfim, tinha a forma de processo e tinha a cartilha processual seguida por todos os magistrados, e muitos processos inclusive chegaram até o Supremo.
A senhora, como advogada, se sente segura para criticar o Supremo?
Sou uma cidadã brasileira de 79 anos, que já cumpriu com meu dever. Sou advogada, tenho uma profissão liberal, e hoje até os advogados estão receosos, porque o órgão que deveria lhes dar respaldo, que é a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), silencia, pois também está com medo.
A senhora vê uma saída?
As pessoas mais equilibradas tentam encontrar uma saída, mas não tem. O que se diz é que somente a revolta popular pode fazer com que o Poder Legislativo tome as rédeas e assuma seu poder de mando. A gente tem de ter instituições, tem de respeitar as instituições, mas essas instituições estão amordaçadas pela instituição maior, que é aquela onde nós iríamos buscar toda a segurança jurídica.
Como isso está chegando ao cidadão?
O cidadão brasileiro está perplexo. E isso está deixando o Supremo desconfortável. Eles não podem sair, não podem pegar um avião, não podem ir a um restaurante. Os ministros dizem: “Por que isso? Estão revoltados conosco? Nós estamos cumprindo nosso dever”. Mas o povo sabe das coisas. Os ministros do Supremo ainda não perceberam o grau de confusão que eles estão fazendo na sociedade brasileira.
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Uma pergunta: as ilegalidades de Alexandre de Moraes prescrevem? Digo isso porque, caso o senado vire maioria direita em 2027, pode propor impeachment do que vem sendo feito hoje?
Carta de um Brigadeiro.
Nunca mais se diga que nossas Forças Armadas nunca perderam uma guerra!
Hoje perdemos a maior delas!
Perdemos nossa Coragem!
Perdemos nossa Honra!
Perdemos nossa Lealdade!
Não cumprimos com o nosso Dever!
Perdemos a nossa Pátria!
Eu estou com vergonha de ser militar!
Vergonha de ver que tudo aquilo pelo qual jurei, trabalhei e lutei, foi traído por militares fracos, desleais e covardes, que fugiram do combate, preferindo apoiar quem sempre nos agrediu, sempre nos desrespeitou, sempre nos humilhou e sempre se vangloriou disso, e que ainda brada por aí que não nos quer em sua escolta, por não confiar nos militares das Forças Armadas, e que estas devem ser “colocadas em seu devido lugar”.
Militares que traíram seu próprio povo, que clamou pela nossa ajuda e que não foi atendido, por estarem os militares da ativa preocupados somente com o seu umbigo, e não com o povo a quem juraram proteger!
Fomos reduzidos a pó. Viramos farelo.
Seremos atacados cruelmente e, se reagirmos somente depois disso, estaremos fazendo apenas em causa própria, o que só irá piorar ainda mais as coisas.
Joguem todas as nossas canções no lixo!
A partir de hoje, só representam mentiras!
Como disse Churchill:
“Entre a guerra e a vergonha, escolhemos a vergonha.”
E agora teremos a vergonha e a guerra que se seguirá inevitavelmente.
A guerra seguirá com o povo, com os indígenas, com os caminhoneiros, com o Agronegócio. Todos verão os militares como traidores.
Segmentos militares certamente os apoiarão. Eu inclusive.
Generais não serão mais representantes de suas tropas.
Perderão o respeito dos honestos.
As tropas se insubordinarão, e com toda razão.
Os generais pagarão caro por essa deslealdade.
Esconderam sua covardia, dizendo não ter havido fraude nas urnas.
Oras! O Exército é que não conseguiu identificar a fraude!
Mas outros, civis, conseguiram!
A vaidade prevaleceu no Exército e no seu Centro de Guerra Cibernética. Não foram, mais uma vez, humildes o suficiente para reconhecer suas falhas. Prevaleceu o marketing e a defesa de sua imagem. Perderam, Manés!
E o que dizer da parcialidade escancarada do TSE e do STF, que além de privilegiarem um candidato, acabam por prender inconstitucionalmente políticos, jornalistas, indígenas, humoristas e mesmo pessoas comuns, simplesmente por apoiar temas de direita, sem sequer lhes informar o crime cometido ou oportunidade de defesa? Isso não conta? Isso não aconteceu?
E a intromissão em assuntos do Executivo e do Legislativo?
Isso também não aconteceu?
Onde está a defesa dos poderes constitucionais?
Onde estão aqueles que bradaram que não bateriam continência a um ladrão?
Será que os generais são incapazes de enxergar que, validando esta eleição, mesmo com o descumprimento de ordem de entrega dos códigos-fonte, valida-se também esse mesmo método, não só para todas as próximas eleições, para o que quer que seja, perpetuando a bandidagem no poder, assim como corrompendo futuros plebiscitos e decisões populares para aprovar/reprovar qualquer grande projeto de interesse da criminalidade?
NÃO HAVERÁ MAIS ELEIÇÕES HONESTAS!
A bandidagem governará impune, e as Forças Armadas, assim como já ocorre com a Polícia Federal, serão vistas como cães de guarda que asseguram o governo ditatorial.
O povo nunca perdoou os traidores nem os burros.
Não vai ser agora que irão.
Ah, sim, generais:
Entrarão para a História!
Pela mesma porta que entrou Calabar.
QUE VERGONHA!
Assina:
Brigadeiro Eduardo Serra Negra Camerini
Eliana Calmon tentou o caminho mais educado, menos agressivo. Mas ele sabe que não é isso. Sabe que há método e que ditadura mais temida, e como tal já apontada por Ruy Barbosa, a do Judiciário, está em implantação aberta e truculenta no Brasil.
Ela sabe.
Realmente é muito difícil manter esperança que isso possa mudar. O legislativo não tem interesse nenhum em colocar o judiciário no seu lugar.
Excelente entrevista. Parabéns. Espero que mais e mais personalidades do meio jurídico tomem coragem, como a ministra aposentada Eliana Calmon, e denunciem as arbitrariedades do STF.
o chefão que ‘desacovardou’ o stf ( com certeza com uma ajuda essencial dos PCCs, o daqui o do outro lado do mundo, e cumpriu a promessa de tomar o poder está agora se consolidando através da nova polícia política, como em todos regimes totalitários, e isso ficou bem claro com a indicação do dino ( o planejador e executor do incêndio do Reichstag tupiniquim, que ele assistiu’ de camarote’ e depois apagou as fitas)
Esses juízes/políticos do STF estão esticando a corda de maneira irresponsável e a possibilidade de ruptura é muito grande.
Apesar do brasileiro ter uma paciência bovina, a situação pode descambar para o esgarçamento social de tal maneira que o final pode terminar em tragédia ( inclusive para os ministros de STF ).
A ilustre ex-ministra Eliana Calmon, quando na ativa pelos quadros do Superior Tribunal de Justiça e atuando também como Corregedora Nacional, disse certa vez, que havia muitos BANDIDOS DE TOGA.
A realidade é que a TOGA vem sendo há décadas banalizada e entregue desastradamente a qualquer um que se encarregue de promover mais desastres jurídicos, alguns IRREMEDIÁVEIS.
Ruy Barbosa de Oliveira disse (escreveu) há mais de um século, referindo-se ao Brasil, o seguinte:
“UM PAÍS ONDE, VERDADEIRAMENTE, NÃO HÁ LEI, NÃO HÁ MORAL, POLÍTICA OU JURIDICAMENTE FALANDO”.
Imagine se esse grande jurista e cidadão estivesse vivo ainda hoje! Perceberia que o que era PÉSSIMO vem piorando progressivamente e tudo indica que chegará a um ponto de ruptura com consequências imprevisíveis.
Esses juízes (meros juízes) do STF vêm cometendo abusos de autoridade estampados na lei respectiva, transgressão do Código de Ética, transgressão da Lei Orgânica da Magistratura, sem que as instituições os responsabilizem: MINISTÉRIO PÚBLICO, SENADO FEDERAL, OAB…
A OAB está silente por ser conivente. Ela tem lado. Apoiou tudo que vinha acontecendo.