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Brasken Maceió
Vista do solo afundado após o desabamento da mina de sal da Braskem, no bairro de Mutange, em Maceió, Alagoas (10/12/2023) | Foto: Reuters/Jonathan Lins
Edição 195

A mais recente catástrofe ambiental brasileira

Desastres ambientais provocados por grandes empresas, como no caso da Braskem, em Maceió, jogam os moradores numa situação de completa insegurança

Myllena Valença
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Dia 5 de abril de 2015. O Brasil assistiu com perplexidade ao desastre ambiental de Mariana. A cidade havia sido devastada pelo rompimento da Barragem de Fundão, no interior de Minas Gerais. A exploração desencadeada pela mineradora Samarco (controlada pela Vale e pela BHP Billiton) ocasionou a tragédia, que deixou 19 mortos e um dano ambiental sem precedentes. Oito anos se passaram — e ninguém foi condenado até agora. 

O episódio não é isolado. O Brasil possui um histórico de catástrofes ambientais de grandes proporções. Foram causadas por empresas que faturam bilhões de reais, mas não conseguem calcular os riscos da sua exploração. E os danos que provocam nunca são reparados.

Na mesma semana do desastre de Mariana, a população no entorno da área industrial de Santos, no litoral de São Paulo, foi afetada por um dos maiores incêndios já registrados no país. Um erro operacional da companhia Terminal Químico de Aratu S/A (Tequimar), subsidiária da Ultracargo, causou a explosão de seis tanques, que armazenavam 33 mil metros cúbicos de álcool e gasolina. Os tanques queimaram durante oito dias.

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O material despejado no estuário do Porto de Santos durante o combate às chamas matou nove toneladas de 142 espécies de peixes — sendo 15 delas ameaçadas de extinção, de acordo com o Ministério Público. Pela poluição do ar e do mar, pela perda patrimonial, além dos prejuízos à atividade de pesca local, a Tequimar foi condenada a pagar R$ 28,7 milhões. Mas o meio ambiente não se recuperou por completo.

Cerca de quatro anos depois, em janeiro de 2019, outra tragédia se repetiria no país: o rompimento da Barragem Córrego do Feijão, no município de Brumadinho (MG). A negligência das empresas Vale e Tüv Süd deixou 270 mortos e três desaparecidos, além de 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos no Rio Paraopeba. Como aconteceu em Mariana, não houve nenhuma punição.

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As crateras de Maceió

Há pelo menos cinco anos, a atuação de outra companhia privada vem deixando sequelas no município de Maceió (AL). Em 2018, rachaduras apareceram em imóveis, fendas se abriram pelas ruas da cidade e crateras se alastraram sem que ninguém soubesse a razão. Mais de 50 profissionais se uniram até descobrir que os danos haviam sido provocados pela petroquímica Braskem (controlada pelo grupo Odebrecht/Novonor), que opera desde a década de 1970 na região.

A mineradora nacional explora o território para a extração de sal-gema. É uma matéria-prima usada na fabricação de produtos químicos, farmacêuticos, nas indústrias de papel, celulose e vidro, e em produtos de higiene. Mais de 40 anos de atividades no terreno levaram ao risco de um colapso geológico, o que motivou, cinco anos atrás, a evacuação emergencial de quase 60 mil pessoas. Elas precisaram deixar a região pelo risco de afundamento do solo nos bairros do Mutange, Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto e Farol. A chamada “área de resguardo” fica no entorno dos 35 poços de sal da mineradora, e seria um risco permanecer ali.

Por determinação da Justiça, cerca de 14,5 mil imóveis da região tiveram de ser desocupados. Com isso, 5% da área urbana de Maceió se assemelha agora a uma cidade fantasma. Casas, pontos comerciais, escolas, hospitais e igrejas foram condenados pela Defesa Civil.

Enquanto o Senado cria uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apontar os culpados pelos danos ambientais, econômicos e sociais causados pela Braskem na cidade, a população tenta entender por que providências não foram tomadas a tempo. Como um país que soma desastres ambientais como os de Mariana, Brumadinho e Santos ainda peca na fiscalização de empresas com potencial de causar tantos estragos?

Bairro de Mutange, em Maceió, Alagoas (1º/12/2023) | Foto: Reuters/Jonathan Lins
A culpa pelos desastres

Autor de ação civil pública contra a Braskem, o promotor de Justiça Jorge Dória afirma que todos esses desastres decorrem da falta de fiscalização e de acompanhamento pelos órgãos de controle da atividade de mineração. Coordenador do Núcleo de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público de Alagoas, Dória lembra que, para evitar tais crimes, bastaria o acompanhamento constante dessas atividades.

O promotor cita o parágrafo 2º do artigo 225 da Constituição, que determina: “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”. Nos casos da Vale, BHP Billiton, Tüv Süd, Tequimar ou Braskem, respeitar a legislação seria, também, saber o momento certo de parar ou controlar suas ações. “Sem esse cuidado, é claro que as estruturas podem colapsar”, avaliou o promotor.

Fora da linha de risco geológico mapeada por órgãos de segurança, Ermaneide segue dentro de um fenômeno que atinge todos os remanescentes dos bairros desocupados: o isolamento social

Jorge Dória diz que um plano de recuperação de área degradada já deveria estar explícito no contrato que confere a essas empresas a licença para atuar — medida que não foi tomada nesses quatro desastres ambientais. “Em Brumadinho, Mariana ou Maceió, por exemplo, ninguém parou para analisar a segurança das operações, e a negligência concorre para que fatalidades aconteçam”, analisa. “A culpa por esses desastres é do não cumprimento das normas e da falta de fiscalização dos órgãos competentes, que fugiram da cadeia de responsabilidades e foram omissos.”

Ainda que inconformadas por tudo aquilo que tiveram de abrir mão, as famílias realocadas das áreas de risco da Braskem puderam recomeçar em outro lugar. No entanto, outras centenas de moradores da localidade não tiveram escolha.

A comerciante Ermaneide Felipe de Araújo, de 60 anos, é uma delas. Quase todo o seu bairro precisou ser esvaziado. Mas sua rua, assim como centenas de outras, não. Isso porque, apesar da imensa proximidade, algumas áreas não constam no Mapa de Linhas e Ações Prioritárias da Defesa Civil, pois não tiveram seu solo afetado pelas atividades da mineradora. As zonas limítrofes ficaram, portanto, ilhadas.

Vista da área de onde casas foram removidas depois de a Defesa Civil da cidade de Maceió alertar que a mina de sal da Braskem corre risco iminente de desabamento, no bairro de Mutange, em Maceió (1º/12/2023) | Foto: Reuters/Jonathan Lins
‘Os bandidos fazem o que querem’

Fora da linha de risco geológico mapeada por órgãos de segurança, Ermaneide segue dentro de um fenômeno que atinge todos os remanescentes dos bairros desocupados: o isolamento social. Uma pequena mercearia foi o que restou à comerciante, que antes tinha um restaurante com oito funcionários e um dos comércios fortes da região. Sem a clientela de antes, ela precisou fechar um estabelecimento e demitir todos os funcionários. Hoje, toma conta de um mercadinho.

“Não tenho dinheiro para repor o estoque, e o meu lucro só é suficiente para pagar as contas básicas, comprar remédios e comer”, lamentou, dizendo que não tem mais o suporte do marido para tocar o negócio. “Ele adoeceu por toda essa situação e não consegue trabalhar. A ganância da Braskem transformou nossa vida num pesadelo.”

A maior parte da comunidade isolada está no bairro Flexal. Além do comércio local praticamente falido, houve aumento da violência. Ermaneide viu, nos últimos meses, quatro assaltos em frente ao seu estabelecimento, que está cercado por grades para garantir a sua segurança. “Com ruas quase desertas, os bandidos fazem o que querem.”

A comerciante Denise Andrade, de 53 anos, lembra que todos na sua rua viviam como uma família. “Durante a noite, os vizinhos ficavam conversando na porta de casa enquanto olhavam as crianças brincarem”, conta. “Agora, na maior parte do tempo, ficamos trancafiados em casa com medo de assaltos”.

Denise afirma que perdeu 70% do faturamento da loja que sustentava todos os integrantes da família há duas gerações. Inconformado, seu pai, de 80 anos, está com depressão. “O que tiraram de nós nenhuma indenização pode pagar.” Quase toda a família da professora Ana Lúcia Mendonça da Silva, de 53 anos, teve que deixar a casa onde morava. Ela permanece com a filha, pois não está no traçado de risco nem teria para onde ir. 

Há cerca de dois anos, Ana dava aulas particulares de reforço escolar a quase 30 alunos. Hoje, restaram 11. Mas não foi somente a queda nos rendimentos que a afetou. A professora conta que até mesmo comprar um remédio na farmácia, pagar um boleto na lotérica ou ir à missa aos domingos virou um “martírio” para quem vive à beira dos bairros evacuados. 

“O deslocamento é complicado, e os ônibus demoram a passar; não há mais posto de saúde próximo ou um local para fazer uma feira com produtos essenciais”, enumerou. “Aqui está toda a minha história, mas não é mais um ambiente sadio para se viver. Somos uma comunidade isolada.”

Dano social e cultural 

O vereador Leonardo Dias (PL) diz que a situação levou a Câmara Municipal a criar uma comissão especial para dar suporte à população das áreas ilhadas. “É difícil explicar a um morador que seu vizinho tem todo o suporte para comprar uma nova casa e ele não, mas conseguimos, junto com o Ministério Público do Estado de Alagoas (MP-AL) e o Ministério Público Federal, levantar as demandas desses cidadãos”, ressaltou Dias, presidente da comissão. “O dano da Braskem foi muito maior que geológico e ambiental; foi social e cultural.”

De acordo com o MP-AL, todas as famílias remanescentes que ficam no Flexal foram indenizadas pelo transtorno, com valores que variam de R$ 25 mil a R$ 50 mil. A Justiça também determinou que a Braskem investisse recursos num plano de revitalização das ruas.

Ao mesmo tempo, a prefeitura de Maceió afirma que também tem planos de reestruturação dos espaços públicos. Quanto aos terrenos perto das 14,5 mil casas abandonadas, ainda que o solo se acomode com o passar dos anos, eles não poderão ser explorados comercialmente pela petroquímica.

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4 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Estas tristes ocorrências são frutos da omissão do poder público.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Sou de Maceió e moro próximo a esta região. A área das 3 minas com risco já foram totalmente desabitadas. Não havendo risco além. E também o que fazer com a era desabitada, não é necessariamente que não poderá será comercializado, mas sim caberá ao poder público a sua destinação após a estabilização. Ou seja, pode sim voltar a ser comercializada no futuro.

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Isso só acontece no Brasil porque os poderes são constituídos por ladrões

    1. Alcione Magalhães Ferreira
      Alcione Magalhães Ferreira

      Verdade,Erasmo.

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