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Fazenda vertical da Plenty | Foto: Divulgação
Edição 195

Fazendas de concreto

A agricultura vertical está crescendo — inclusive no Brasil — e se tornando um importante complemento ao cultivo tradicional

Dagomir Marquezi
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Quem anda pela East Oris Street (em Compton, na Califórnia) e chega ao número 126 vê um paredão claro. A vista aérea, disponível pelo Google Maps, mostra uma dessas construções feias, chapadas, brancas, típicas de regiões industriais. 

Quem vê o caixotão esbranquiçado da 126 E Oris Street logo imagina que seja algum depósito industrial ou algo parecido. Lá dentro, contudo, está um dos mais avançados projetos de produção agrícola do mundo. Aquela é a sede da Plenty, considerada pela revista Time uma das cem empresas mais influentes de 2023.

“Nós estamos reescrevendo as regras da agricultura”, declarou Arama Kukutai, CEO da Plenty. Por enquanto em pequena escala. A empresa produz apenas quatro tipos de hortaliças — rúcula, alface, couve e espinafre. Prepara-se para iniciar a produção de morango e tomate em uma de suas filiais na costa leste dos Estados Unidos.

Mas Arama Kukutai não está exagerando quando fala em reescrever as regras da agricultura. A Plenty tem uma produção 350 vezes maior do que um terreno convencional de agricultura do mesmo tamanho. No espaço de um quarteirão, produz 2 milhões de quilos de comida. Usa apenas 10% da água que seria usada numa fazenda. E, por ter um processo de produção isolado, não necessita de defensivos agrícolas. É plantar, colher e embalar. Nem lavar é preciso.

Durante milênios ligamos a agricultura a espaços abertos e natureza. “Não é realmente natureza”, disse Anya Rosen, uma das gerentes de outra empresa de fazendas verticais, a Square Roots. “É o oposto disso. É basicamente um grande robô com plantas crescendo no seu interior.”

Plantação vertical da Plenty | Foto: Divulgação
Robôs fazendeiros

Não é exatamente uma novidade. Segundo o site da Eden Green, a primeira fazenda vertical foram os Jardins Suspensos da Babilônia, criados há 2,5 mil anos. Os astecas cultivavam plantas na água no início do século 11, num processo chamado “chinampas”, muito antes da invenção da palavra “hidropônico”. Fazendeiros franceses e holandeses desenvolveram formas de plantar frutas em lugares semifechados no século 17.

O que estamos vendo agora é uma combinação de fatores que fazem a agricultura vertical dar um grande salto. Esses fatores podem ser resumidos a dois: inteligência artificial e robótica. A revista BBC Science Focus descreveu todo o processo em detalhes em sua última edição.

A plantação na Plenty (que significa “fartura”) começa quando funcionários colocam um saco de sementes na máquina. E não precisam fazer mais nada. Os robôs fazem o resto. As sementes são colocadas numa bandeja com substrato de cascas de coco. Não há nenhum traço de terra. Permanecem dois dias no escuro e na umidade.

Quando brotam, são transferidas para a chamada “sala de propagação”. Passam duas semanas nas bandejas, banhadas por luzes LED e recebendo um coquetel de nutrientes. Mais duas semanas, e as plantas já estão apresentando suas primeiras folhas. Suas raízes estão fortes o suficiente.

O robôs então cuidadosamente retiram as plantas dessas bandejas e as encaixam em torres de 10 metros de altura, onde serão cultivadas por mais duas semanas. Não existe seca, tempestade, tempo nublado. Todas as condições ambientais estão controladas — luz, água, nutrientes.

Mais duas semanas, e as verduras estão prontas para a “colheita”. Cada folha é checada por uma combinação de luzes e análises à base de inteligência artificial para verificar se está em boas condições. Os braços dos robôs se posicionam para que lâminas giratórias cortem as folhas. Em seguida, elas são acondicionadas em embalagens que seguem direto para os pontos de distribuição.

Na “fazenda” da Plenty, os agricultores foram substituídos por 80 cientistas e cem engenheiros de software. Nate Storey, o cientista-chefe da empresa, definiu assim o novo paradigma à revista da BBC: “Plantas são como programas de software. O DNA diz o que deve ser feito. Como crescer, como reagir ao ambiente ao redor”.

Robô da Plenty atuando na plantação vertical | Foto: Divulgação
A fazenda no deserto

O princípio básico dessa nova agricultura é conhecer profundamente a fisiologia de cada planta para que os cientistas possam “apertar os botões” do DNA de cada uma. Dessa forma, sem modificar esse DNA, eles podem otimizar o crescimento, o sabor, a textura e o valor nutricional de cada folha.

Empresas norte-americanas de agricultura vertical, como a Plenty, estão aproveitando uma onda de investimentos que aconteceu entre 2016 e 2017, quando o volume de dinheiro aplicado em empresas da área cresceu quase oito vezes. A Plenty particularmente recebeu US$ 200 milhões em 2017 de investidores como Eric Schmidt (presidente da Alphabet, dona do Google) e Jeff Bezos (o fundador da Amazon). A Google Ventures investiu US$ 90 milhões em outra empresa do setor, Bowery Farming. O governo dos Emirados Árabes Unidos colocou US$ 100 milhões na AeroFarms, com o objetivo de abrir uma fazenda vertical no deserto.

O conceito está se ampliando e se espalhando. A revista britânica The Economist informou que grandes fazendas verticais estão sendo planejadas na Suíça. A China planeja criar uma vizinhança inteira da cidade de Xangai em função da agricultura vertical. 

Essa é uma das maiores revoluções nos 15 mil anos da história da agricultura. Significa a produção de alimentos a despeito de condições climáticas em praticamente qualquer espaço disponível

No Brasil, o setor também está em crescimento. Segundo o Radar Agtech, que monitora as startups do agro brasileiro, até o ano passado já existiam mais de 20 fazendas verticais ou urbanas no Brasil. Uma das mais conhecidas é a Pink Farms, que ganhou esse nome por causa das luzes usadas nas plantações.

A Pink Farms, assim como a Plenty norte-americana, está localizada numa das regiões mais agitadas da mancha urbana de São Paulo — onde o imenso trânsito da Rodovia Castelo Branco se divide entre as marginais do Rio Pinheiros e do Rio Tietê. O último lugar em que alguém pensaria para plantar alguma coisa. 

E, no entanto, a Pink Farms é considerada hoje a maior fazenda vertical da América Latina. Produz hortaliças que ainda são distribuídas em pequena escala. Uma de suas maiores rivais também está em São Paulo: a 100% Livre (veja a entrevista abaixo).

Plantação da Pink Farms, em São Paulo | Foto: Divulgação
Cada um na sua

As fazendas verticais significariam o fim do modelo de produção tradicional? Muito pelo contrário. Cada sistema tem sua utilidade. Ninguém vai plantar melancia, soja e milho em fazendas verticais tão cedo. Ao mesmo tempo, seria absurdo renegar a possibilidade de cultivar plantas comestíveis de alta qualidade em edifícios no meio de complexos urbanos.

Essa é uma das maiores revoluções nos 15 mil anos da história da agricultura. Significa a produção de alimentos a despeito de condições climáticas em praticamente qualquer espaço disponível, incluindo as maiores concentrações urbanas do mundo. Agricultura tradicional e vertical nasceram para se complementar.

***
Entrevista com Diego Gomes, fundador e CEO da 100% Livre
Temos lido muita coisa na imprensa sobre a Plenty, na Califórnia. Em termos de evolução tecnológica, qual é a comparação entre a Plenty e a 100% Livre? Eles estão tão à frente assim?

Não acho que eles tenham tanta diferença de evolução tecnológica. A diferença é que eles são 100% robotizados no manejo. É mais ou menos como funciona o serviço de distribuição da Amazon. No nosso caso, que focamos a produtividade, não faz sentido pensar nessa automatização, em aumentar o custo de maquinário para mover as bandejas. Para nós, o importante é o olhar agronômico, pensar no que nós produzimos e eles não, em nossa produtividade por metro quadrado. Acho legal esse aspecto de automatização, mas não é nosso foco.

Plantação de legumes da 100% Livre | Foto: Divulgação
Empresas de agricultura vertical estão se desenvolvendo cada vez mais, mas permanecem limitadas a hortaliças. Qual é a possibilidade de plantarem indoor outros tipos de plantas e frutas maiores?

A gente já produz hortaliça-fruta, a gente já produz tomate, morango, flores, cogumelos. A gente desenvolve plantas ligadas ao setor de cosméticos. Já estamos pesquisando a possibilidade de cultivo indoor de trigo. Achamos que existe uma aplicabilidade maior do que o cultivo de folhagens. Estamos nessa busca por produtos que tenham maior valor agregado, que tenham uma carência no mercado nacional, que tenham essa oportunidade de crescimento. Isso já é uma realidade aqui.

Como surgiu a 100% Livre?

Quando meu filho nasceu, há dez anos, tive uma experiência de procurar alimentos sem defensivos químicos para dar papinha para ele. Foi uma experiência bem ruim; um dia tinha, outro não. O preço era alto. Fiquei com aquilo na cabeça. Seis anos atrás, li um artigo sobre agricultura em ambientes controlados no Japão. Achei superinteressante e decidi estudar mais sobre isso. Não achei no Brasil muita gente para falar sobre esse tema. Descobri um professor de agronomia formado pela USP — André Fadel, nosso agrônomo-chefe até hoje — e um técnico formado pela Embrapa, Italo Guedes. Fiz um contrato com a Embrapa para fazer pesquisa. Foi um passo a passo de pesquisa para determinar que tipo de luz deveria ser usada, qual seria a nutrição etc. Começamos a produzir em laboratório. Em 2021, lançamos nossa primeira fazenda, no bairro do Ipiranga, com uma torre comercial e uma torre de produção. Hoje temos 33 torres de produção. Estamos partindo para a segunda fazenda, em Osasco. A área vai ser dez vezes maior do que a atual.

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3 comentários
  1. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    A tecnologia tá em primeiro lugar pra qualquer país. Obrigado oeste

  2. Adolfo Calderan
    Adolfo Calderan

    Que coisa magnífica este negócio de fazenda vertical.
    Já tinha ouvido falar uns anos atrás, mas nada como esta matéria sendo mais detalhada.
    Fantástica informação. Imaginem os árabes com o dinheiro que eles tem com uma tecnologia destas.
    Parabéns Dagomir pela matéria

  3. VALKIR ANTONIO MOLLER
    VALKIR ANTONIO MOLLER

    Meu primeiro pensamento foi: Baita tecnologia e desenvolvimento e meus netos, assim como a criançada de hoje, não comem hortaliças. Por outro lado, será que são iguais àqueles que a vovó plantava??

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