Pular para o conteúdo
publicidade
Senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado Federal, e Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Edição 196

Esperança e frustração

O sonho de viver num país que seja um estado democrático de direito aposta agora no Ministério Público como defensor da ordem jurídica

Alexandre Garcia
-

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (cujo sobrenome significa “donos do cocar”), diz que o governo vai apelar ao Supremo contra a derrubada do veto presidencial sobre o chamado marco temporal. Derrubaram o veto 351 dos 513 deputados e 53 dos 81 senadores. Seria uma aberração reiterada que seis ou 11 ministros do Supremo, sem representação popular, tivessem mais poder que a maioria do Congresso Nacional eleito. Já aconteceu isso, por exemplo, quando o Congresso derrubou, com 424 votos entre 594 parlamentares, o veto de Dilma ao comprovante do voto, mas nove ministros do Supremo anularam a decisão de 71% dos representantes eleitos, por ação movida pelo então procurador-geral da República. Se o governo recorrer ao Supremo, vai ser um teste para o novo PGR, Paulo Gonet, e já explico por quê.

A Constituição estabelece que o Ministério Público tem a incumbência de defender a ordem jurídica e o regime democrático, e ao MP compete, privativamente, a ação penal pública. O artigo 127 afirma que o MP é “essencial à função jurisdicional do Estado”. Por tudo isso, o “inquérito do fim do mundo”, criado no Supremo para defender o Supremo, sem Ministério Público, com todos os seus desdobramentos, deixa desolados os que acreditam no devido processo legal. Estou recordando isso porque uma lufada de esperança foi trazida pelo discurso de posse do novo procurador-geral da República, que também vai presidir o Conselho Nacional do Ministério Público e chefiar todos os procuradores federais.

Paulo Gonet disse que, “no nosso agir técnico, não buscamos palco nem holofotes”, que o MP vive “um momento crucial”, e que “não cabe ao MP formular políticas públicas, mas garantir o adequado funcionamento das políticas aprovadas pelos representantes eleitos”. Li e reli essas palavras, porque me enchem de juvenil esperança. Certamente ele julgou necessário declarar isso porque, em algum lugar, buscam-se palcos e holofotes e prepondera o objetivo de fazer política no lugar dos representantes eleitos. Talvez as palavras de Gonet devam ser gravadas num painel a ser instalado na saída do prédio da PGR, para que ele lembre todos os dias, quando for encaminhar pedidos semelhantes ao anunciado pela ministra do cocar.

Paulo Gonet, procurador-geral da República | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O novo procurador-geral expressou o compromisso de combater a corrupção e as organizações criminosas e lembrou que até o pior criminoso tem a proteção de garantias constitucionais. Não sei por que me passou pela cabeça que também aqui ele estivesse recordando casos em que não se praticou nada disso. Paulo Gustavo Gonet Branco foi diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União e, com Gilmar Mendes, fundou o Instituto Brasiliense de Direito Público. Gilmar pediu votos para ele no Senado, onde foi aprovado com 65 votos entre 81 senadores. Assim como o discurso de Gonet parece remeter ao Supremo, o improviso do presidente da República ao dizer para Gonet o que o MP não deve fazer reflete o que Lula pensa que Deltan Dallagnol fez com ele.

Sou incorrigível esperançoso, pois também acreditei em mudança quando Luiz Fux assumiu a presidência do Supremo e afirmou que questões do Parlamento têm que ser resolvidas no plano político. Gonet disse que quem faz política são os representantes eleitos

O sonho de viver num país que seja um estado democrático de direito aposta agora no Ministério Público como defensor da ordem jurídica e do regime democrático. Não precisamos de soluções pelas armas, frequentes em nossa história. É a solução da força quando não se vê saída dentro da lei. Em vez de apostar nas armas, aposta-se nas instituições, que têm seus instrumentos, para um “retorno aos quadros constitucionais vigentes” — a frase icônica do 11 de novembro de 1955 que garantiu a posse de JK. Aposta-se numa correção de rumos do Supremo, depois na coragem do presidente do Senado, e agora — apostador frustrado —, com esse discurso de posse de Gonet, aposta-se no protagonismo do Ministério Público sendo fiel à essencialidade de sua função e sua obrigação perante a Constituição.

Sou incorrigível esperançoso, pois também acreditei em mudança quando Luiz Fux assumiu a presidência do Supremo e afirmou que questões do Parlamento têm que ser resolvidas no plano político. Gonet disse que quem faz política são os representantes eleitos. Quem faz a Constituição e as leis também são os escolhidos pelo povo. No caso do marco temporal, o que se viu foi o Supremo declarando inconstitucional o artigo 231 da Constituição. E o Congresso reabilitando a Constituição. Os constituintes eleitos levaram 20 meses achando o verbo certo para o artigo 231: “direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. O verbo está no presente do indicativo; muito claro que se refere às terras que ocupam no dia da promulgação da Constituição. Os constituintes não escreveram “que ocuparam” ou “que vierem a ocupar”. Se Gonet receber a ação, o que fará?

Leia também “O viajante do Planalto”

8 comentários
  1. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Se o STF tratava a PGR como se ela não existisse, e agora um sócio de Gilmar Mendes. Vocês tão de brincadeira né?

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Gonet participou da inelegibilidade do Bolsonaro. Difícil acreditar em algo correto vindo deste ser.

  3. CAIO TACLA
    CAIO TACLA

    A Democracia do PT: um só poder, o STF (os outros 2 pro forma); um só partido (os outros 50, satélites); um só ladrão (os outros milhares só são e fazem malfeitos); um só PGR (mas quem manda mesmo é o Randolfe Rodrigues, partido de um só parlamentar, Rede… em tempo, para que não me acusem de fakenews, o PGR de fato deixou o “partido” rede e se filiou – refiliou, será que existe isso em português? ao PT, que um dia deixou para ir para o PSOL, depois para REDE, e agora, de volta para seu berço de ouro). Estamos fadados a ser uma eterna Colônia com as desvantagens de não mais poder contra ela espernear, já que assinamos um documento em 1822 o que já integra os capítulos de livros de história – e do wikipedia, claro e também não somos colônia só de um país, como era Portugal. Agora há um conglomerado de países, União Europeia, uma espécie de União Soviética menos asquerosa, mais bem disfarçada – é a única coisa que me vem à mente quando ouço o termo globalismo, o que pra mim presta um desserviço ao debate pois esconde que comunismo, globalismo, colonialismo são todas faces da mesma moeda, de dominação do homem pelo homem, do mais esperto e mais forte sobre o mais ingênuo e mais fraco (ainda que ocasionalmente). A Amazônia já não é nossa, vocês sabem né? Nada verdade, nunca foi. O Brasil NUNCA foi realmente independente, mas hoje o jeito de exercer esse mesmo poder da era colonialista tem aspectos diferentes o que faz com que a maioria não perceba se tratar do mesmo modelo de dominação (econômica, política, social, jurídica etc). Das aulas mais introdutórias de história para ensino fundamental, pelo menos na década de 80, aborda-se características do período colonial, e o próprio conceito de colônia (isso é importante, o conceito de colônia). Colônia é um país cujas decisões são tomadas por pessoas (físicas ou jurídicas) distintas do povo, descomprometidas, resumidamente, pessoas NÃO LEGITIMADAS para o exercício do poder em determinado país. Usam, como método, o TRIBALISMO, para promover conflitos internos e, aproveitando-se deles, incrementar ou consolidar poderes sobre “suas terras”. Substitua hoje Portugal por União Europeia, Colonialismo por Globalismo, Pataxós e Tupinambás por negros vs brancos vs héteros vs gays etc …. Isso me faz pensar no acerto de um antigo ditado cujo autor desconheço, e, com minhas palavras: “Política é a arte de mudar tudo fazendo com que tudo permaneça como está, como sempre esteve”. Vivemos hoje a experiência clara da alegoria da caverna de Platão. Ao tentarmos chamar a atenção do petista acorrentado de que um ladrão estava se aproximando dele para lhe roubar até o futuro de sua 5ª geração, o ignorante se voltou contra aqueles que pretendiam lhe soltar de sua prisão. No tempo histórico, enganar um povo inteiro de que é livre com um documento assinado e uma lenda ridícula, 200 anos é pouca coisa. Por isso a maioria de nós não percebe, porque nos falta contexto e para reconhecê-lo precisamos mais do que textos ou professores, mas sim constatar a realidade inseria num período histórico gigantesco, muito maior do que nosso tempo de vida.

  4. Adolfo Calderan
    Adolfo Calderan

    Esperança de juvenil? Ainda bem que o Alexandre disse esta frase, pois eu não acredito em nada do que o Gonet falou e basta olhar ou ouvir o que outros ministros e PGR disseram quando da sabatina ou posse e terão as respostas , ou seja foi balela oura e não cumpriram nadinha do que falaram.
    E sei que o Alexandre – um grande jornalista e com uma bagagem fenomenal – disse por esperança que seja verdade, até aí também comungo com sua esperança. Mas….

  5. MNJM
    MNJM

    Prefiro aguardar, não tenho segurança em quem foi apoiado por Gilmar e Moraes, duas figuras patéticas q atuam fora da lei.

  6. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Prefiro ver para crer.

  7. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Vai ficar em pé com a esperança em coma

  8. Mauro C F Balbino
    Mauro C F Balbino

    O futuro já é algo incerto por sua natureza imponderável, agora, o que os próceres da República farão será certamente fruto de praxis politica e não systema iustitia constitucionalis, é o que penso.

Anterior:
‘Cala a boca já morreu’
Próximo:
República das bananas
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.