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Pilar Rahola, escritora catalã | Foto: Wikimedia Commons
Edição 197

Pilar Rahola, escritora: ‘A esquerda se contaminou com o discurso antissemita’

Para a jornalista espanhola, a intolerância aos judeus é um sinal de alerta para toda a sociedade

Eugenio Goussinsky
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A primeira vez que a escritora catalã Pilar Rahola, de 65 anos, presenciou uma manifestação antissemita foi na infância. Durante a Semana Santa, na pequena cidade de Cadaqués, na região da Costa Brava, onde nasceu, os habitantes do vilarejo espanhol saíam às ruas tocando uma espécie de reco-reco, numa encenação que simbolizava a morte dos judeus. O argumento para tais manifestações era o de que os judeus seriam os responsáveis pela morte de Jesus Cristo. Ainda que de forma intuitiva, a menina, de família católica, não concordava com o que via.

Já adulta, Pilar percebeu as contradições do partido Esquerra Republicana de Catalunya, pelo qual havia sido deputada regional. Foi quando ela abandonou a militância esquerdista, filiou-se ao Convergència Democrática de Catalunya (CDC) e passou a se definir como uma cidadã de centro-direita. 

Formada em Filologia Catalã pela Universidade de Barcelona, Pilar dedicou a vida e a carreira ao combate à injustiça e à hipocrisia. Com livros publicados em espanhol e em catalão e artigos escritos para jornais como os espanhóis El País e La Vanguardia e o argentino La Nación, ela é uma árdua defensora de Israel e das liberdades individuais.

Recentemente, uma de suas falas viralizou nas redes sociais. “Há um mês, em 7 de outubro, escrevi uma mensagem no Twitter”, ela diz no vídeo. “‘Vai acontecer o seguinte: primeiro, os mortos israelenses não vão existir. Segundo, a imprensa não falará do terrorismo palestino contra civis. Terceiro, Israel se defenderá. Quarto, a imprensa dirá que Israel massacra palestinos. Quinto, Israel será terrorista. Sexto, o progressista esculpirá seu ódio a Israel.’ Eu escrevi isso há um mês. É pior.”

Pilar criticava as manifestações antissemitas que se multiplicavam por diversos países depois da reação de Israel aos ataques do Hamas em 7 de outubro. Esse é um dos temas que a escritora aborda nesta entrevista. Leia a seguir os principais trechos.

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Como lidar com o crescimento das manifestações antissemitas em diversos países?

Vivemos um momento decisivo, semelhante ao que ocorreu na Segunda Guerra. É hora de denunciarmos e combatermos. O antissemitismo sempre cresceu quando não foi combatido e, com isso, sempre contaminou toda a sociedade. A intolerância contra os judeus se espalha e se torna uma intolerância contra todos. Assim é o antissemitismo, que ao crescer gera mais violência e dissemina o preconceito.

Antissemitismo
Em Berlim, casas de judeus foram pichadas, em 2023 | Foto: Reprodução/Twitter/X
Muitos dizem que as manifestações são contra Israel, e não contra os judeus. Como a senhora interpreta esse argumento?

Não há sentido nesse argumento. O antissionismo é também antissemitismo. Sempre que há um ataque a Israel, o ataque é aos judeus, porque é uma maneira de tentar silenciar o seu direito à existência, à autodeterminação e à própria defesa de seu território. É uma forma perversa de antissemitismo, porque nega o direito de um povo de ter um Estado.

Embora não seja judia, a senhora é um exemplo no combate ao antissemitismo. Quando isso começou?

Vivi na Costa Brava, em Cadaqués, no norte da Catalunha. Eu era criança e, na Semana Santa, as pessoas de lá tinham o hábito de encenar a morte dos judeus, com uma espécie de reco-reco, como se eles fossem culpados pela morte de Cristo. Era a cultura daquele lugar. Essa culpabilidade forma a primeira corrente do antissemitismo. Mesmo nova, eu me dei conta disso. Nos anos 1970, na minha cidade, não se falava do Holocausto. Havia um nível de consciência muito baixo.

“Cada vez que os judeus têm problemas na sociedade, é porque a sociedade está se contaminando, está se tornando mais intolerante”

Essa questão de culpabilidade ainda prevalece?

De outras maneiras. Décadas depois, começaram a surgir outras correntes. Uma delas está vinculada ao stalinismo e à União Soviética e alimenta o discurso da esquerda. A ideia de que Israel era o poderoso, o hegemônico, o branco, o aliado dos norte-americanos. Isso depois se ampliou para a relação com os árabes e os palestinos. Nessa visão, esses povos eram os pobres, os perseguidos, as vítimas. Há uma grande quantidade de pessoas que são educadas religiosamente e também conceitualmente para sentirem ódio aos judeus.

Qual é a relação da globalização com as manifestações de ódio atuais?

A globalização também disseminou o pensamento único, as ideias, os dogmas de fé. Assim como o jornalismo foi substituído pela informação on-line, o pensamento foi substituído por dogmas. As ideias foram substituídas por estigmas. Temos um mundo em que a gente faz perguntas e ensina as respostas. As pessoas vivem num mundo em que acham que sabem de tudo, que as ideias são fortes; que não são líquidas, e sim sólidas.

A escritora judia Hannah Arendt falava sobre a banalização do mal, em relação ao nazismo. Situação similar voltou a ocorrer hoje, em função desse pensamento único?

Essa questão do antissemitismo prosseguiu, mesmo depois do fim da Segunda Guerra. Até recentemente, isso crescia sutilmente. Mas o que ocorreu em 7 de outubro, quando terroristas invadiram Israel e assassinaram brutalmente as pessoas, foi um verdadeiro pogrom [ataque aos judeus nos séculos 19 e 20, na Europa]. Na França, houve uma explosão de mais de mil casos de antissemitismo em um mês.

Capa do livro da filósofa Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém — Um Relato Sobre a Banalidade do Mal | Foto: Reprodução
A senhora costuma dizer que o antissemitismo é um sintoma que não diz respeito apenas aos judeus. Como isso ocorre?

Uso a antiga metáfora do canário e da mina. É muito ilustrativo. Os canários eram utilizados como referência nas minas sul-africanas para ver se havia contaminação. Quando o canário próximo à mina ficava doente ou morria, a mina estava contaminada. O povo judeu é como o canário da mina. Cada vez que os judeus têm problemas na sociedade, é porque a sociedade está se contaminando, está se tornando mais intolerante. 

Leia também “Lucas Costa Beber, novo presidente da Aprosoja-MT: ‘A China precisa da soja do Brasil'”

3 comentários
  1. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Manda para a escritora meus parabéns. Ela deve saber que aqui no fundo do sertão, sul do Brasil, divisa com o Uruguai, eu cresci com a imagem forte do holocausto e toda a história do povo judeu. Por alguma razão genealógica (genética) tenho ancestrais açorianos que eram “cristãos novos”. Nâo imaginava que um dia veria um movimento tão forte contra os judeus, numa demonstração de ignorância e de ódio mesmo. Um dia desses veio me visita um ex-aluno, desses antigos, e perguntou pra mim o que eu entendia da guerra contra o Hamas. Eu respondi que era interessante fazer uma retrospectiva história de toda a região, não só aonde é hoje Israel. E sugeri para que ele procurasse no tio google um mapa mundi sem que tivesse o nome dos países. Aí sugeri que ele descobrisse Israel. Numa primeira olhada ele não distinguiu, embora soubesse a localização. Aí eu adiantei para ele olhar o mapa em volta de Israel e o tamanho do império muçulmano-árabe e turco e comparasse com o território israelita. Ou seja, um gigantismo de inimigos em volta da pequena Israel. Como é que um pequeno grupo (povo) consegui sobreviver diante do gigantesco inimigo em 3000 anos? E GAza, pergntou? Respondi: olha, uma vez um escritor (eu) no mundo da ficção literária escreveu que Gaza foi uma cidade planejada, pré-fabricada (como Brasília), para ser uma célula importante de treinamento de pessoas para destruir Israel. Seria um elemento para “incomodar” Israel eternamente…

  2. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Essa causa dos judeus eu não consigo entender, não foram eles mesmos que entregaram Jesus ao governador de Roma? Porque duvidavam e tinham temior à ele?

    1. Luiz Antônio Alves
      Luiz Antônio Alves

      Uma proposta de reflexão: a teoria da generalização.

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