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Edição 199

A velha educação está morrendo

O ensino tradicional está agonizando. Surge uma mudança radical

Dagomir Marquezi
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A primeira universidade do mundo ocidental foi criada em Bolonha, no norte da Itália, no final do século 11. Serviu como uma espécie de marco inicial do que conhecemos até hoje como educação. Segundo a Enciclopédia Britânica, até o fim do século 18 as universidades tinham sete matérias básicas: gramática, lógica, retórica, geometria, aritmética, astronomia e música. Depois de passar por essa base, alguns alunos chegavam à etapa seguinte, de cursos profissionais: Medicina, Direito e Teologia.

Biblioteca da Universidade de Bolonha, na Itália | Foto: WIkimedia Commons

Desde o berço, as universidades ocidentais estavam ligadas à hierarquia da Igreja Católica e serviam a ela. Dentro de suas paredes só se falava em latim. Em 1694 surgiu em Halle, na Alemanha, a primeira universidade fora do controle religioso, voltada para o aprendizado racional e objetivo.

A Universidade Harvard (próxima a Boston), fundada em 1636, é a mais antiga instituição de ensino superior da América do Norte. Começou ligada à Igreja, mas se tornou independente. A partir de 1782, tornou-se referência em Medicina e, em 1817, em Direito. 

No século 20, virou quase uma grife. Formar-se em Harvard é motivo de orgulho e de altos salários. A fama da universidade também se deve a algumas das estrelas que se formaram lá: os ex-presidentes Theodore Roosevelt, John Kennedy e Barack Obama; os magnatas da tecnologia Bill Gates e Mark Zuckerberg; e os atores Natalie Portman e Matt Damon.

Escola de Medicina Harvard, em Boston, Massachusetts, nos Estados Unidos | Foto: Wikimedia Commons

Hoje em dia, a Harvard tem aparecido constantemente no noticiário, mas não pela sua boa fama. Os Estados Unidos e o mundo descobriram que a ex-presidente da instituição, Claudine Gay, é uma vulgar militante de esquerda. E que plagiou os trabalhos acadêmicos que a levaram ao topo.

Tom Slater, editor da revista Spiked e colaborador de Oeste, publicou uma matéria chamada “A tirania DEI de Claudine Gay”. “Com sua queda”, escreveu Slater, “Claudine Gay tem a duvidosa honra de ser a presidente de vida mais curta da Universidade Harvard e a mais notória”. Ela segue os princípios do movimento DEI — “diversidade, equidade e inclusão”. Sua situação se tornou insustentável quando permitiu que, após o ataque do Hamas a civis israelenses, em 7 de outubro, uma onda jamais vista do mais cru racismo antissemita se espalhasse pelo campus.

Claudine Gay, então presidente da Universidade de Harvard, participa de audiência do Comitê de Educação e Força de Trabalho da Câmara intitulada “Responsabilidade dos líderes do campus e enfrentamento do antissemitismo”, no Capitólio, em Washington, nos EUA (5/12/2023) | Foto: Reuters/Ken Cedeno
Abaixo do Cazaquistão

Se a Universidade Harvard, lá no topo, está nessa crise, imagine o Brasil. Em 2022, entre os 81 países avaliados pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), o Brasil atingiu as seguintes classificações:

  • Leitura: 53°
  • Ciências: 61°
  • Matemática: 65°

No ranking geral do Pisa, os seis primeiros colocados são asiáticos (com Singapura na primeira posição). O Brasil está em 60º lugar, abaixo de países como Cazaquistão, Mongólia, Colômbia e Costa Rica. 

Estamos na era da inteligência artificial. E vai ser cada vez mais difícil provar na prática que nós, humanos, somos melhores que ela. Escolas encalhadas no tempo e dominadas por militantes só vão aprofundar o problema

Em time que está perdendo se deveria mexer. Mas tente propor alguma coisa fora da caixa para a educação brasileira. Tente falar em focar mais matemática e ciências, e você vai ouvir que filosofia e sociologia formam uma pessoa mais íntegra. Tente sugerir usar mais tecnologia no ensino, e a resposta vai ser que nada substitui um professor na classe, dono de todas as respostas prontas. Fale em estudar em casa com orientação dos pais, e ouvirá que é fundamental a socialização com outros alunos. A solução para todos os problemas, segundo esses especialistas, são “políticas públicas” (sinônimo de mais presença estatal e mais funcionários públicos).

Estudante em aula virtual de matemática | Foto: Shutterstock

Tem mais: assim como a cultura brasileira, nossa educação está completamente aparelhada por sindicatos e partidos de esquerda. Tem como guru o museu de ideias de Paulo Freire. Retrato do sufoco intelectual nas universidades brasileiras é que membros do PCdoB dominam a União Nacional dos Estudantes há 32 anos. Não há uma fresta de luz para o mundo exterior. Todo debate é vetado.

Encalhadas no tempo

A revista New Yorker publicou neste início de ano uma matéria sobre a educação americana cujo título diz muito: “A escola se tornou opcional?”. A reportagem diz que o país vive uma crise de absenteeism, o que chamamos de “evasão escolar”. Num dos estados, Michigan, o número de alunos que estão deixando de ir à escola chegou a 39%. No Brasil, pesquisa da Unicef declarou que 2 milhões de jovens entre 11 e 19 anos estão fora da escola.

Artigo da New Yorker | Foto: Reprodução

A verdade é que isso tem cada vez menos importância, como o dinheiro em notas ou os talões de cheques. A figura do diploma, da formação universitária, vale para um médico, para um engenheiro etc. O resto de nós se vira (ou deveria se virar) com cursos rápidos e específicos. Não precisamos de todo o aparato educacional que nos prende a uma instituição por anos e anos.

A educação, filha daquela universidade pioneira de Bolonha, está em agonia. O momento é especialmente delicado. Estamos na era da inteligência artificial. E vai ser cada vez mais difícil provar na prática que nós, humanos, somos melhores que a IA. Escolas encalhadas no tempo e dominadas por militantes só vão aprofundar o problema. 

O professor infinitamente paciente

Qual é a saída? Em primeiro lugar, reconhecer o problema. Em segundo, buscar soluções que passem por cima dos “especialistas” que não querem mudar nada. E saber que não existe uma resposta única. 

Uma iniciativa de reinvenção partiu de quem mais a gente espera: Elon Musk. O homem mais rico do mundo percebeu que seus filhos estavam perdendo tempo em escolas tradicionais. Contratou então o tutor deles, Joshua Dahn, para elaborar um sistema próprio de educação.

Elon Musk, em visita ao Brasil (21/5/2022) | Foto: Ministério das Comunicações

Eles criaram, assim, a Ad Astra, direcionada aos filhos dos funcionários da SpaceX, uma das empresas do complexo de Musk. Joshua gostou de seu experimento e desenvolveu um programa mais amplo, chamado Synthesis. Deu tão certo que hoje esse sistema está aberto para quem quiser, em todo o mundo (desde que se comunique bem em inglês). É uma educação personalizada, individual — não 50 jovens entediados trancados numa sala. A criança aprende com um professor “infinitamente paciente”: um tutor à base de inteligência artificial.

O curso é destinado a alunos de 8 a 14 anos e custa US$ 95 por mês. (A primeira mensalidade, de teste, fica por US$ 29, ou R$ 141.) Acha muito? Então confira a mensalidade das escolas de ponta brasileiras, segundo ranking da revista Forbes:

  • Avenues (São Paulo): R$ 14 mil (matrícula: R$ 28 mil)
  • Graded (São Paulo): R$ 13 mil
  • Centro de Ensino St Paul’s School: de R$ 9,5 mil a R$ 12,1 mil (matrícula no infantil e no fundamental 1: R$ 40,6 mil)
Colônia intergaláctica

O método Synthesis, segundo o site, tem como base “jogos que refletem desafios da vida real, crescer com assessoria de mentores especializados e praticar trabalho em equipe com amigos de todo o mundo”. 

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As bases dos desafios propostos aos alunos não se parecem em nada com os currículos tradicionais: pensamento estratégico, solução de problemas complexos, navegação na incerteza, determinação, comunicação, trabalho em equipe, compensações eficazes, administração de riscos. 

Ou seja: os conceitos que as crianças aprendem visam a prepará-las para assumirem seus cargos e papéis na vida futura, quando entrarem numa empresa, cuidarem de uma família ou de um país. Vida real, não abstração acadêmica.

Os alunos aprendem esses conceitos jogando games em equipe. No Proxima, por exemplo, eles “defendem a maior colônia intergaláctica com seu time”. Com esse jogo, os alunos de 8 a 14 anos aprendem a “coordenar ações, delegar tarefas e executar estratégias muito rapidamente”. No Polis, os alunos “criam a mais próspera cidade-estado da Grécia Antiga” e “aprendem a alocar recursos e negociar prioridades sob pressão”.

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Famintos por um desafio

Os criadores do Synthesis fazem um diagnóstico cru e realista da educação tradicional:

“As crianças ficam sentadas em uma mesa durante mais de uma década ouvindo fatos inertes. Pi é a razão entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro. A fórmula química da água é H₂O. Em nosso complexo educacional industrial, todos presumem que as crianças não estão prontas para vivenciar o mundo real até que tenham memorizado todos esses fatos. Mas isso é totalmente falso. (…) As crianças estão prontas para problemas complexos. Elas estão famintas por um desafio. Elas querem a chance de provar seu valor. Querem se sentir poderosas e eficazes.”

O Synthesis não foi feito para substituir a escola convencional — por enquanto. As sessões são realizadas três vezes por semana. “Cada semana revela novos jogos, novos mapas, novas regras e novos companheiros de equipe”, diz o site da empresa. “Nenhuma sessão é igual. As crianças devem constantemente gerar novas ideias, testar hipóteses e colaborar para executar novas táticas. É caótico. É complexo. É absolutamente difícil. E as crianças adoram o fato de que toda semana traz problemas inéditos para resolver.”

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Nenhuma interação humana

“A educação é muito importante para ser deixada para a escola” é um dos lemas do Synthesis. Oeste fez algumas perguntas que foram respondidas pelo programa de inteligência artificial da empresa: 

O método Synthesis é todo baseado em inteligência artificial? Existe algum tipo de interferência humana na educação oferecida?

Nosso Tutor de Síntese não possui nenhuma interação humana, mas todo o conteúdo que temos disponível foi elaborado e verificado por nossa equipe. Além disso, o programa não é inteiramente IA, mas usa componentes de IA.

O site de vocês deixa claro o foco no raciocínio matemático. O Synthesis também age em outros setores, como artes criativas?

No momento, estamos estritamente focados na matemática, mas a apresentamos de uma maneira diferente e mais envolvente.

Onde fica a sede do Synthesis?

Estamos totalmente on-line. Mas temos um escritório na Califórnia.

Quantas crianças hoje estão sendo educadas pelo Synthesis?

Não posso compartilhar nenhum valor exato, mas os números estão na casa dos milhares.


@dagomir
dagomirmarquezi.com

Leia também “Ciência 2024: alguns sonhos (e um pesadelo)”

5 comentários
  1. RUBI GERMANO RODRIGUES
    RUBI GERMANO RODRIGUES

    O saber Publicado no CB em 14/01/2024
    Sócrates foi um professor admirável, ele não oferecia respostas, apenas formulava perguntas. As respostas o aluno deveria encontrar na sua alma, pois, apenas brotando de dentro, o conhecimento pode ser realmente seu. Isso implica duas teses. A primeira é que ninguém ensina: é o aluno que aprende. A segunda é que a alma dispõe de todas as respostas, basta saber perguntar de modo adequado, até chegar na resposta que iluminará a mente, porque, então, ele não apenas sabe, mas também sabe por que sabe. Quando o professor prescreve respostas, o aluno vicia-se em repetir as respostas do professor. Nesse caso, o prejuízo é evidente: o aluno não aprendeu a perguntar e a encontrar os caminhos da sua alma que conduzem ao seu saber. Como não pode orientar-se na vida por um saber próprio, torna-se dependente, terá de orientar-se pelo saber de outros. Tendo boa memória, poderá ser até um erudito capaz de citar muitos autores, mas, ocupado com interesses alheios, tende a negligenciar ou, até mesmo, desconhecer o que realmente convém para si e para os seus.
    Rubi Rodrigues
    Octogonal

  2. Eric Vinícius Marion Pimenta
    Eric Vinícius Marion Pimenta

    Priorizar o modelo de educação de ensino de qualidade é a fórmula para sairmos do marasmo. Infelizmente o governo anterior nada fez neste aspecto. Comentei algumas vezes diretamente a chefia, mas sou uma gota no oceano. Agora, temos por nós, pais, a desembrulhar este novelo para nossos filhos e gerações vindouras…

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Mais matemática e ciências, e menos filosofia e sociologia. O caminho é esse. E gosto da idéia do Milei na Argentina de criar voucher para o aluno escolher qual escola privada quer se matricular. Acabando com o aparelhamento da educação pela militância da esquerda, os estudantes profissionais.

  4. CARLOS ALBERTO DE MORAES
    CARLOS ALBERTO DE MORAES

    Dizer o óbvio é dizer que a educação em nosso país degringolou. Para resolver esse problema não existe só uma solução, mas a primeira é tirar os comunistas do controle do ensino, o que levaria décadas, mas precisa ser iniciado.
    Quato ao Synthesis entendo que é um complemento à educação, pois esta fundamentado na matemática, faltando outras matérias básicas, mas é um ótio começo. Além de que, pelo que foi dito, utilizam da IA, mas o controle é do ser humano.

  5. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    Dúvidas: com o Synthesis totalmente em inglês, como ficam as línguas originais de cada criança? Agora, o foco é a matemática. Como será quando chegar a hora do ensino de poesia, e de redação, por exemplo?

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