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Delegada Raquel Gallinati | Foto: Divulgação
Edição 200

Raquel Gallinati, delegada: ‘O que realmente mata pretos e pobres no Brasil é a corrupção’

Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, ela é terminantemente contra as câmeras nas fardas de policiais e afirma que, no Brasil, os bandidos têm certeza de que o crime compensa

Branca Nunes
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Quem observa aquela mulher alta, de cabelos escuros e lisos, traços orientais, impecavelmente bem vestida e usando um relógio e brincos brilhantes, dificilmente acertaria de primeira a sua profissão. Raquel Gallinati é delegada de polícia. 

Ex-presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo e atual diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, ela também é suplente de deputado estadual. Nesta semana, seu nome foi cotado para assumir a vaga de vice-prefeita na chapa de Ricardo Nunes, que disputará a reeleição na capital paulista em outubro.

Praticante de artes marciais desde os 4 anos de idade, Raquel decidiu tornar-se policial quando assistiu ao filme Questão de Honra, com Demi Moore e Tom Cruise. “Queria acabar com as injustiças do mundo”, diz. Depois de realizar o sonho, contudo, ficou pouco tempo combatendo nas ruas, antes de seguir para cargos administrativos. Ali, briga pelos direitos da classe e, consequentemente, da sociedade.

Cartaz do filme Questão de Honra | Foto: Divulgação

“As câmeras nos uniformes policiais não têm correlação com planejamento estratégico de segurança pública”, afirma. “Quando falamos em câmeras, estamos falando de fiscalização de agentes públicos. Se um policial comete um crime, ele não é policial. É um criminoso.”

Raquel também é contra a série de benefícios aos quais os bandidos têm direito no país, como as saidinhas e a progressão de regime. “Isso passa para o criminoso a sensação de que o crime compensa”, diz. “Uma infração tem que ser punida de tal forma que o bandido tenha certeza de que não vale a pena cometê-la.”

Confira os principais trechos da entrevista.

Nesta semana, foram tipificados como crime o bullying e o cyberbullying. Isso era realmente necessário, ou o Código Penal brasileiro já comportava infrações semelhantes?

No ordenamento jurídico não havia um tipo penal que pudesse qualificar os crimes de bullying e cyberbullying. Muita gente pensa que isso é “mimimi”, uma forma de criminalizar tudo, mas eu discordo. Se a pessoa suporta ser humilhada, virar um saco de pancadas coletivo, ver a sua reputação social ser destruída, o problema é dela. Isso não ameniza o fato de que muitos não suportam e de que esses são atos criminosos. Poderíamos antes até tipificá-los como crime contra a honra, injúria ou difamação. Ou nos crimes de perseguição e de violência psicológica contra as mulheres, tipificados durante o governo Jair Bolsonaro. Mas o bullying sai do aspecto do assédio moral, porque não há hierarquia — seja no ambiente escolar, acadêmico ou de trabalho. Vamos pegar como exemplo o que acontece nos reality shows, como agora, no Big Brother Brasil, em que a modelo Yasmin Brunet foi vítima de bullying. Ali se mostra o pior do ser humano: intriga e perseguição. Os canais que veiculam esses programas precisam dessas intrigas e conchavos. Se não existe um crime, o que você entende? Que isso pode ser feito. 

Ao contrário dos realities, em que as pessoas entram sabendo que existe essa sede por perversidade e pela exposição, recentemente a jovem Jéssica Vitória Canedo se suicidou depois de ser difamada nas redes sociais por causa de uma notícia falsa publicada por uma página de fofocas. Pode haver consequências para os responsáveis nesse caso?

Sem dúvida os responsáveis podem ser responsabilizados no âmbito cível. Sou absolutamente contra a censura prévia, não acho que as big techs devam dizer o que pode ou não ser publicado. Mas, quando alguma notícia viola a dignidade humana, é preciso que esse veículo verifique se aquela informação é verídica, sob pena de ser responsabilizado. No caso de Jéssica, não apenas a página da Choquei, mas todas as que replicaram o conteúdo, mesmo diante do apelo desesperado da jovem. Foi mórbido, violento. Um assassinato de reputação que culminou em suicídio.

choquei suicídio
Jéssica Canedo, morta aos 22 anos, era de Minas Gerais | Foto: Reprodução/Instagram
A Choquei, página que espalhou a mentira, já teve ligação com outros perfis de esquerda. A senhora acha que o caso ganhou a repercussão que deveria ter tido?

Não houve nem a repercussão nem a discussão que deveria ter havido. O caso ficou na imprensa dois ou três dias e só. É no mínimo curioso. Ao contrário do que acontece com mulheres da esquerda ou das chamadas minorias, quando envolve uma mulher que não se enquadra nessas categorias é como se ela não merecesse a mesma defesa, não tivesse os mesmos direitos. Michelle Bolsonaro, por exemplo, é atacada de todas as formas possíveis. Existe uma tentativa de amenizar ou mesmo de anular atos criminosos praticados por aqueles que se colocam como defensores de determinadas pautas. Ao mesmo tempo, essas pessoas estão liberadas para praticar contra quem quiserem os crimes que condenam.

“Quantos policiais negros e pobres morrem todos os dias e não se fala nada? Assim como as mulheres de direita perdem o direito de ser defendidas por serem de direita, um policial negro perde o direito de ser defendido por ser policial”

Com as chamadas saidinhas, as audiências de custódia, o bolsa preso, entre outros benefícios, a senhora acredita que a legislação brasileira seja pró-crime?

A legislação brasileira tende a absorver a ideia de que punir um criminoso é uma violação dos direitos humanos. Quando temos um sistema de Justiça com muito mais direitos para os criminosos, com a ausência de proteção ao cidadão de bem e às vítimas, sem uma resposta adequada do Estado àquele crime, não estamos falando de um sistema de Justiça, mas de um sistema esquizofrênico, injusto e desequilibrado. 

Recentemente o governo estadual reduziu o investimento em câmeras nas fardas policiais. O que a senhora achou dessa decisão?

As câmeras não têm correlação com planejamento estratégico de segurança pública. Quando falamos em câmeras, falamos de fiscalização de agentes públicos. Se você parte do pressuposto de que todos os homens que integram uma instituição podem ou poderão praticar um ato abusivo, arbitrário ou um crime, você automaticamente fragiliza a autoridade legítima dessa instituição. O próprio Estado desacredita no Estado ao falar que a polícia é composta de homens que violam leis. Sendo que já temos mecanismos de fiscalização, apuração e correição àqueles que cometem crimes. Esses não são policiais, são bandidos que usam distintivo. Não admito generalizar toda uma instituição de homens heroicos, que acordam de madrugada e funcionam como um escudo humano ambulante entre o crime e a sociedade. 

Raquel Gallinati | Foto: Reprodução/Mídias Sociais
Quais são os maiores problemas relacionados à segurança pública?

Déficit de policiais, que chega a 30%, péssimos salários, equipamentos inadequados, viaturas obsoletas, armas em quantidade insuficiente para todos os policiais. E por que, diante dessa realidade, se prioriza fiscalizar, e não investir em infraestrutura? O problema real é a necessidade de estruturar a segurança pública para combater o crime organizado.

Por que a senhora costuma dizer que a corrupção é a maior responsável pelas mortes de pretos e pobres?

O que realmente mata a população é a miséria, a fome, a falta de estrutura social, a falta de acesso ao saneamento, à educação, ao que é básico à dignidade da pessoa humana. O desvio do dinheiro dos nossos impostos que deveria ser investido no bem-estar social e proporcionar o tripé dos direitos sociais: segurança pública, saúde e educação de forma adequada. Além de ajudar a minimizar esse abismo que é a desigualdade social. Isso, sim, mata. Quantos policiais negros e pobres morrem todos os dias e não se fala nada? Assim como as mulheres de direita perdem o direito de ser defendidas por serem de direita, um policial negro perde o direito de ser defendido por ser policial.

Como diminuir a sensação de insegurança que as pessoas sentem ao andar na rua?

O governo de São Paulo herdou anos e anos de completo abandono na segurança pública. Não vamos solucionar isso em um ano. Não é possível superar em pouco tempo problemas históricos, como o déficit de policiais, os péssimos salários, a falta de estrutura. Mas é nítido que a intenção do atual governo é valorizar o policial. Muitas vezes os apelos ideológicos, como no caso das câmeras nas fardas, contaminam decisões de gestão, que deveriam ser técnicas, não contaminadas por medidas populistas. Punir bandidos não é violar os direitos humanos, por exemplo. Os crimes precisam começar a ser cumpridos de forma integral. Os benefícios, como as saidinhas, as progressões de regime, isso passa para o criminoso a sensação de que o crime compensa. O crime não pode ser uma vantagem. Uma infração tem que ser punida de tal forma que o bandido tenha certeza de que não vale a pena cometê-la. 

tarcísio gomes de freitas - governador de sp - continência a policial
Governador Tarcísio Gomes de Freitas presta continência a um dos integrantes da Polícia Militar de São Paulo | Foto: Divulgação/Gesp
O que mais deveria ser feito para melhorar a segurança pública?

A polícia precisa ser blindada contra ingerências políticas. As polícias não deveriam ficar tão vulneráveis ao governo da ocasião. Hoje, não temos autonomia institucional, como têm o Ministério Público e a Defensoria Pública. Com autonomia de determinação poderíamos decidir quando os concursos seriam feitos, qual o orçamento para a instituição funcionar bem. Como não temos, ficamos sujeitos às vontades políticas. E, infelizmente, essas ingerências entram também no planejamento técnico. A escolha do dirigente da instituição também deveria ser por lista tríplice. O chefe do Executivo decide dentro daqueles nomes já escolhidos pelos seus pares. O critério hoje é a maior proximidade política. Tanto no âmbito federal quanto no dos Estados.

Como a senhora recebeu a notícia de que está sendo cogitada para ser vice-prefeita na chapa de Ricardo Nunes? Aceitaria o convite?

A notícia me deixou honrada. Estou à disposição do partido. Meus propósitos continuam firmes e sólidos. Meu objetivo é a proteção dos vulneráveis, das mulheres vítimas de violência, das crianças e, principalmente, o fortalecimento da segurança pública. Contribuir para a criação de políticas públicas adequadas para proporcionar segurança de qualidade para a população.

Leia também “Érica Gorga, advogada: ‘Não há provas de tentativa de golpe'”

2 comentários
  1. Angela Paganelli
    Angela Paganelli

    Esta delegada tem a cara da Vitória! Preparada, competente e mulher com muita sensibilidade!

  2. Messias Rodrigues Pereira
    Messias Rodrigues Pereira

    Quem quer segurança, saúde e educação quer esta mulher como prefeita não vice. Agora quem quer aumentar a baderna o desgoverno vota no Boullos.

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