Alexei Navalny, o mais importante líder da oposição do regime de Vladimir Putin na Rússia, morreu no dia 16 de fevereiro. Perguntado sobre o que achava a respeito, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva reagiu assim:
“Então, o cidadão morreu na prisão. Eu não sei se ele estava doente, não sei se ele tem algum problema. A gente vai culpar quem? Tem que fazer a perícia para depois dizer o seguinte: ‘Olhe, esse cara teve tal coisa e morreu’. Porque senão é banalizar uma acusação. Eu até compreendo os interesses de quem acusa imediatamente: ‘Foi fulano’. Mas não é o meu mote. Eu espero o legista que vai fazer o exame.”
O cineasta Daniel Rohner dirigiu o documentário Navalny, que recebeu o Oscar da categoria. O advogado, transformado em opositor de Putin, aparece no filme gemendo de dor num avião sobre a Sibéria, em 2010. Transportado para a Alemanha, confirma-se que foi envenenado por novichok, uma arma química produzida em uma única fábrica de Moscou que serve apenas ao governo. Quando desperta do coma, uma das primeiras coisas que Navalny diz, com uma risada, é: “Envenenamento? Jura?! Que estúpido! É uma assinatura!”.
Depois de tratado do veneno, Alexei Navalny poderia ter entrado num circuito de conferências e badalação pelo mundo como o herói da resistência democrática russa. Mas optou por embarcar num avião para Moscou com a família. E mergulhou num longo e doloroso martírio que encerrou sua vida aos 47 anos.
Para ajudar o presidente Lula a formar uma opinião, aqui vai uma pequena lista de fatores que podem ter contribuído para a morte do “cidadão”:
- Na prisão, Navalny não recebia cuidados médicos adequados e sentia fortes dores e tinha paralisia no ombro e num dos braços.
- Tratamento dentário também lhe era negado.
- Durante seus três anos de prisão, Navalny era despertado de hora em hora pelos guardas carcerários.
- Sua refeição básica, em suas próprias palavras, consistia em “duas canecas de água fervendo e dois pedaços nojentos de pão”.
- Em cerca de 300 dos seus dias de cadeia, Alexei Navalny foi confinado em celas solitárias de concreto medindo dois metros por três.
- Como o prisioneiro se negava a perder o equilíbrio mental e o senso de humor, sumiram com ele por 20 dias. No último Natal, foi revelado que ele estava numa prisão no Ártico chamada IK-3, conhecida como “Lobo Polar”, onde em dezembro a temperatura varia de 16 a 23 graus Celsius negativos. Segundo Navalny, seus dias se alternavam entre “noite, madrugada e noite” na pior prisão do sistema carcerário russo.
- No inverno, segundo levantamento do New York Times, os prisioneiros da IK-3 recebem apenas uma roupa leve nos seus “passeios” e são proibidos de esfregar as mãos por causa do frio ou mesmo de espantar um mosquito. Se alguém no grupo se move, todos recebem um jato de água gelada.
- Em caso de mínima desobediência, os prisioneiros são trancados num caixão de ferro onde mal conseguem respirar e urinam na própria calça.
Alexei Navalny se tornou o alvo preferencial de Putin em 2020, ano em que denunciou as negociatas e os esquemas de corrupção que levaram à construção de um gigantesco palácio em Cabo Idokopas, à beira do Mar Negro.
A prisão de Navalny em 2021 levou dezenas de milhares de pessoas a protestar nas ruas de Moscou e em dezenas de outras cidades na Federação Russa. O inimigo número 1 de Putin tinha um objetivo político: fazer da Rússia um país “normal”.
Qualquer forma de normalidade foi afastada por Vladimir Putin, que governa o país como um chefe de gangue. Toda a mídia independente foi calada, todo gesto de rebeldia foi reprimido com extrema brutalidade. Putin passou a reinar isolado no Kremlin, tomado pela paranoia e ameaçando o resto do mundo com o apocalipse nuclear.
Julgou ter criado a ditadura perfeita. Com a morte de Navalny, seu único opositor de peso, o caminho parecia livre para o reinado eterno do czar Vladimir. Mas a ilusão dos tiranos é frágil.
“Navalny é o primeiro político da oposição, desde o colapso da União Soviética, a mobilizar um poderoso movimento de oposição que reúne muitas vertentes da sociedade, desde os bairros da classe trabalhadora até a intelectualidade urbana em Moscou”
Até o Alasca
Na sexta-feira, 1º de março, milhares de russos mostraram sua cara de cabeça erguida às forças de repressão em enormes filas ao redor da Igreja do Ícone da Mãe de Deus Acalma Minhas Dores. Gritos esquecidos começaram a ser ouvidos: “Não à guerra!”; “Putin é um assassino!”; “Libertem os prisioneiros políticos!”. Era muita gente que havia perdido o medo, numa manifestação pacífica demais para justificar uma repressão em massa.
Para Putin, não interessavam cenas de brutalidade nesse enterro, 15 dias antes da sua próxima (re)eleição, livre de oponentes reais. Como ele se apresenta como um fiel cristão ortodoxo, pegaria mal um banho de sangue ao redor de uma igreja. Putin conta com uma vitória avassaladora na eleição para poder tocar sua guerra na Ucrânia com a desculpa de que ela é “popular”. E, quem sabe, futuramente ir além. Sugeriu até retomar o Alasca dos Estados Unidos.
Os fatos nem sempre obedecem às ordens dos palácios. A morte de Alexei Navalny, que Putin achou que seria a última pá de terra no cadáver da oposição, acabou inspirando a primeira manifestação popular espontânea pela liberdade em muitos anos.
O império do medo
“Navalny é o primeiro político da oposição, desde o colapso da União Soviética, a mobilizar um poderoso movimento de oposição que reúne muitas vertentes da sociedade, desde os bairros da classe trabalhadora até a intelectualidade urbana em Moscou”, escreveu a revista Economist, ainda em 2021. “Ele (…) expôs a principal fraqueza do regime de Putin: a sua corrupção moral e financeira e a sua falta de visão para o futuro da Rússia.”
“O que vi nas ruas de Moscou, no dia do funeral de Navalny”, escreveu Steve Rosenberg para a BBC, “foi uma manifestação genuína de apoio a um político que inspirou uma parte do público russo com uma visão alternativa para a Rússia. O senhor Navalny está morto. Mas, para essas pessoas, o seu desejo por uma Rússia diferente está muito vivo”.
“Putin construiu um império do medo”, registrou o editorial do The Times. “Poucos questionam abertamente a ele ou à sua desastrosa guerra na Ucrânia. Mas Alexei Navalny e aqueles que ousaram despedir-se dele mantêm viva a esperança de que a Rússia ainda recupere a sua alma.”
Os ‘nalvanys’ da China
Nenhuma tirania está completamente segura. Uma matéria de Li Yuan para o New York Times diz tudo no título: “A China tem milhares de ‘navalnys’ escondidos do público”.
Li Yuan falou com vários chineses após a morte do russo, e cada um dizia conhecer o correspondente ao Alexei Navalny chinês. Todos presos, ameaçados de prisão ou mortos: um magnata do setor imobiliário, um influencer, um Prêmio Nobel da Paz que morreu sob custódia do regime, o acadêmico que foi condenado a 14 anos de prisão por “subversão”.
“Muitos chineses corajosos enfrentaram o governo autoritário mais poderoso do mundo”, escreveu Li Yuan para o NYT. “Desde 2000, a organização humanitária sem fins lucrativos Dui Hua registrou os casos de 48.699 presos políticos na China, dos quais 7.371 estão agora sob custódia. Nenhum deles tem o mesmo reconhecimento entre o público chinês que Navalny teve na Rússia.”
E por que não tiveram reconhecimento? Porque a China é uma ditadura de partido único há 74 anos. Dissidentes são presos muito antes de se tornarem conhecidos do grande público. Mesmo na Rússia de Putin, Navalny era capaz de se comunicar com o mundo fora da prisão e mandar cartas para seus seguidores através do seu advogado. Nas palavras de Li Yuan:
“Nada disso seria possível na China. (…) Os nomes da maioria dos presos políticos chineses são censurados on-line. Uma vez presos, nunca mais se tem notícias deles. Ninguém pode visitá-los, exceto os seus familiares diretos e os seus advogados, embora isso não seja garantido. Os presos políticos da China não podem corresponder-se com o mundo exterior e são deixados a apodrecer atrás das grades, mesmo quando se debatem com problemas de saúde.”
Para evitar o surgimento de outro dissidente, Vladimir Putin está aprendendo com o regime chinês a controlar as redes sociais. Desde que a invasão da Ucrânia gerou protestos em todo o país, Putin tirou do ar todas as redes sociais e as substituiu por redes locais, controladas pelo aparelho estatal. Mas não consegue controlar quem usa os serviços de VPN, a rede virtual que disfarça a origem geográfica de cada usuário. Putin quer acabar agora com os serviços locais de VPN, que serão substituídos por outros serviços de VPN e outros recursos tecnológicos que fatalmente se tornarão disponíveis.
Novelas causam pânico
O fato é que hoje não existe uma ditadura perfeita como as de Josef Stalin na URSS ou de Mao Tsé-tung na China. Até Kim Jong-un está tendo dificuldade em manter o controle total da Coreia do Norte.
O regime comunista norte-coreano tem medo de tirar seu povo do “aquário”. Muito do controle sobre os cidadãos era possível porque o país estava completamente isolado do exterior. Os norte-coreanos eram doutrinados desde criancinhas para acreditar que o país deles era o mais perfeito do mundo. E que a Coreia do Sul, do outro lado da fronteira, era um inferno de miséria e perdição.
Hoje, o maior perigo para o regime são as novelas sul-coreanas, que mostram que outra realidade, muito melhor que a deles, é possível logo depois da fronteira. Segundo pesquisas realizadas com fugitivos do país (e divulgadas pelo jornal britânico The Times), 83% da população tem algum acesso a músicas e programas do exterior. Desse material, 23% vêm da Coreia do Sul. Foi a visão do que acontece no país vizinho que os encorajou a arriscar tudo e fugir.
Esse material entra no país em minúsculos cartões de memória, muito mais difíceis de ser apreendidos do que as velhas fitas de VHS. O próprio dialeto do norte, cultivado pelo isolamento dos comunistas, hoje está irremediavelmente misturado com o jeito “pop” de falar dos coreanos do sul e por expressões em inglês.
A resposta do ditador Kim Jong-un não poderia ser outra: mais repressão. Um homem de 22 anos foi fuzilado há dois anos por, segundo reportagem da BBC, “ouvir 70 canções sul-coreanas e assistir a cerca de três filmes e reparti-los com seus amigos”.
Ditadores com seus dedos em armas nucleares também sentem medo. Talvez Vladimir Putin acorde suado no meio da noite, ouvindo a risada indomável de Alexei Navalny.
Leia também “O amor em tempos de inteligência artificial”
Excelente matéria, Dagomir. Este martírio do Navalny espero que inspire futuros russos a se libertar desta ditadura.
Um ex agente da KGB que não tem nenhum apreço por democracia.
Ótima matéria, Dagomir. Parabéns! Tenho a impressão que algumas técnicas putinianas de repressão das redes sociais inspiraram alguém por aqui, em particular alguém careca.
Putin viverá, até o último dia de sua vida, lutando contra um espelho onde estão refletidas, todas as técnicas nefastas de controle social que somente ele enxerga! Um rato de um laboratório que não tem saída, ao sul a China, a leste os USA, a oeste a Europa, tem castigo pior?
Melhor ir pescar e relaxar um pouco!
Uma nova revolução russa vem aí ?
#Suspense !
Uau, que reportagem TOP!
Lula quer inocentar Putim quando pergunta pelo laudo tanatoscópico que dá a causa da morte do principal opositor do Putim. Será que viu o de Celso Daniel?
Morte aos ditadores. Viva a liberdade.
Muito bom Dagomir é pena que explicar algo para o Lula é chover no molhado, não estuda, não lê e não entende o que ocorre………os tiranos tem medo sim, tanto é que Putin vive cercado por seguranças o tempo todo, acho que até na cama não o deixam, por quê? Stalin feroz ditador pior que Putin apesar de toda a segurança tomou o chazinho da meia noite preparado por um assessor aparentemente fiel segundo relatos, Laurent Beria. Putin sabe que outro Beria pode aparecer, assim como Nero, Caligula, Julio Cesar, Hitler, Himmler, Goebbels, Goering, Mussolini, Kadafi, Sadam Hussein e outros devem ter conhecido no pós mortem que os tiranos também morrem por mãos amigas.
Comentei um artigo de Furedi a respeito de Navalny dia 23/02 na Oeste.
Costumo ser parresiasta e gostaria de reiterar que ¨ le gout de laverite´n´empeche pas de prendre parti¨.
O sr. Marquezi faz um panegirico formidavel. O que tem a ver o Lula ( e suas insignificantes posições ) , as ditaduras Chinesa e Nord Coreana a.s.o. com Navalny ? Parece obra de ficcionista sem conhecimento da realidade .
Se baseia em Roher ( nao Rohner !) outro ficcionista , na BBC ( ops ! ) no Economist ( ops ! ) no NYT (ops ! ).
Pra ser sintetico , acho que o sr. Marquezi não conhece os donos do Economist. Um deles e´dono do La Stampa que em 2012 disse que o hoje paladino da Open Society era um extremista da direita xenofoba ( ops ! ) .
Apropo´ ,se alguem quer saber o que acontece no Brasil segue o A.Nunes, o Fiuza o Guzzo e outros importantes columnistas da oeste. Nao vai se informar no NYT,no Economist e na BBC !
Dagomir, parabéns pela matéria. É esse tipo de matéria que precisamos. Geopolítica abrangente que não é falado Nokia dia-dia inclusive na plataforma da Oeste. Trazer ao público a realidade dos países ditadores principalmente de onde se originou o Maoismo que é forte na AL.
Tem o Jimmy Lai que depois que a China começou a repreeender o Hong Kong teve que fechar o seu jornal e está preso aos 76 anos de idade pelo PCCH. E os 2 principais líderes jovens que merecem destaque como lideres das manifestações contra a ditadura chinesa: a Agnes Chow que até voltou com o canal no YouTube outro dia contando como foi a vida dela no cárcere mas que está sendo procurada pelo PCCH após o sucesso dela ter conseguido uma bolsa de estudo no Canadá.
E tmb há a história cruel do Tony Chung Hon Lam
que teve de mentir que iria fazer um turismo no Japão e conseguiu aproveitar a oportunidade para fugir para a Inglaterra.
Caso ao contrário ele iria ter que trabalhar para o governo chinês como delator para entregar os seus colegas anti-PCCH.
E tem um preso político na Rússia chamado Vladmir Caramuza tmb cuja história mereceria atenção.
A Ásia e Eurásia está em turbulência tmb politicamente dizendo. Muitos dizem por exemplo que no Japão há uma plena a democracia. O que não é verdade. As informações por lá são controladas por meio da Lei que diz que as informações jornalísticas cujas opiniões se divergem entre a população devem ser divulgadas por vários pontos de vista. Ou seja, sempre em cima do muro. Assim, o Partido Liberal Democrata que deveria ser um partido da direita sendo dirigida por um prêmio globalista, está levando o JAPÃO a um lado do campo ideológico nada democrático. E o que o Kishida vai ver fazer no Brasil em Maio para se encontrar com quem ????