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Edição 210

A outra guerra

Toda conversa razoável sobre 'segurança pública' precisa ter como base duas convicções: a de que o criminoso é o culpado pelo crime, e não uma vítima, e a de que ele precisa ser punido

Roberto Motta
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A luta contra o crime acontece em duas frentes. A primeira e principal frente é o sistema de Justiça Criminal, composto de polícias, Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário e sistema prisional. A segunda frente — percebida e entendida por poucos — é aquela onde acontece o embate das ideias.

Nenhum sistema de Justiça se sustenta sem as ideias corretas.

Toda conversa razoável e produtiva sobre “segurança pública” (o melhor termo seria “combate ao crime”) precisa ter como base duas convicções. Primeiro, a de que o criminoso é o culpado pelo crime, e não uma vítima. Segundo, a de que ele precisa ser punido.

Essas ideias estão cada vez mais ausentes. Elas foram expulsas da maioria da mídia, do entretenimento, dos sistemas de ensino público e privado, das manifestações artísticas — principalmente música, literatura, teatro, cinema e televisão — e das opiniões dos “especialistas”.

É preciso perguntar: o que é a polícia? E para que a polícia serve? Essas definições são essenciais para a nação. A forma como essa missão é executada também é importante. Em geral, o cidadão desconhece a rotina de um policial, os riscos que ele enfrenta, o estresse constante, a burocracia que emperra o trabalho e as barreiras legais que dificultam cada vez mais sua atividade.

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Nada disso pode ser discutido se não tivermos à disposição um repertório apropriado de ideias. É aqui que começa a segunda frente de combate, na qual as armas são o bom senso, a lógica, a boa cultura e um arcabouço moral que valorize a vida e os direitos fundamentais de todos — mas principalmente do cidadão de bem e das vítimas de crime.

É preciso identificar as mentiras, as falácias e os erros lógicos e morais que dominam a discussão sobre combate ao crime.

Um exemplo é a tentativa de procurar equivalência moral entre polícia e criminosos. Uma parte da mídia insiste nesse erro. As principais razões são doutrinação ideológica e falta de entendimento do sistema de Justiça Criminal. Isso leva alguns jornalistas a tratar operações policiais como uma espécie de torneio esportivo, no qual espera-se um “equilíbrio” entre os times. Em um episódio que ficou tristemente célebre, certa apresentadora de TV lamentou que uma operação tivesse terminado com muitos bandidos mortos e nenhuma morte entre os policiais.

É preciso refletir sobre o impacto de uma declaração como essa. Criminosos também assistem televisão.

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Outro exemplo é uma afirmação feita com frequência sobre projetos de endurecimento penal. “Isso não vai resolver o problema do crime”, dizem. É evidente. Nada vai “resolver o problema do crime” porque não há uma “solução”. Crime existe em todos os países. Mas a crise de criminalidade do Brasil não tem paralelo nas democracias ocidentais. Nenhuma iniciativa individual vai, sozinha, tirar o país da crise. Muitas providências precisam ser tomadas.

Outra falácia comum diz que o combate às drogas é uma “guerra perdida”. Mas com base em que se diz isso? Só porque o tráfico continua a existir? Isso não serve como argumento porque o objetivo do combate às drogas não é acabar com o tráfico, mas mantê-lo sob controle. Tráfico existe em todos os lugares. É possível comprar maconha, cocaína e crack em Roterdã, Milão, Estocolmo, Denver, Liverpool e Frankfurt — mas nenhuma dessas cidades tem territórios metropolitanos dominados pelo tráfico de drogas. É o que acontece no Brasil. Só no Estado do Rio de Janeiro são mais de 1,4 mil regiões onde o Estado brasileiro perdeu sua soberania.

O que aconteceria se o sistema de Justiça Criminal aceitasse esse argumento da “guerra perdida” e desistisse de combater as drogas? Basta uma visita à cracolândia mais próxima para entender.

Drogas K cracolândia usuários
Região da cracolândia em São Paulo | Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

“Prender não adianta porque não ressocializa” é outra frase que sai fácil das bocas progressistas, causando grande mal. A função da prisão não é “ressocializar” (seja lá o que isso for). Prisão serve para afastar o criminoso da sociedade (impedindo que ele cometa novos crimes), para desestimular futuros criminosos (através do exemplo) e — mais importante de tudo — para dar às vítimas um sentimento de que a justiça foi feita.

Para que o combate ao crime tenha sucesso, precisamos de três coisas essenciais: domínio da linguagem, domínio da narrativa e domínio das ideias

A atual obsessão progressista é o controle da “letalidade” policial. Mas esse é um termo ideológico. Ao usá-lo, você já está implicitamente chamando a polícia de assassina. Você já ouviu alguém falar da importância da redução da letalidade criminal?

Os criminosos presos em uma penitenciária já foram chamados de presidiários, depois viraram apenados, e a seguir passaram a ser denominados pelo inacreditável e toxicamente ideológico termo “reeducandos”. Muitos desses criminosos são assassinos, estupradores cruéis e líderes de facções, que são agora tratados como se fossem promissores alunos de uma escola — como se existisse algum tipo de ensino ou educação com a capacidade de alterar o comportamento de pessoas que fizeram a escolha racional por uma carreira no crime violento (e que são, em muitos casos, psicopatas).

No Brasil, um assassino com menos de 18 anos de idade não comete um homicídio, ele comete um “ato infracional análogo ao crime de homicídio”.

Ilustração: Shutterstock

A ginástica linguística não tem fim. Mas precisa ter.

Para que o combate ao crime tenha sucesso nos parlamentos, nas ruas e nos tribunais, precisamos vencer o combate das ideias. Precisamos de três coisas essenciais: domínio da linguagem, domínio da narrativa e domínio das ideias.

É nisso que devem investir os governadores, as secretarias de segurança, as academias policiais, as intituições de defesa e todos aqueles preocupados com o futuro do país.

Quem ganhar a guerra das ideias ganhará a guerra das ruas.

Leia também “Rejeitar, fugir, reagir”

21 comentários
  1. Marcus Matos
    Marcus Matos

    Excelente!

  2. Luzia Alcantara
    Luzia Alcantara

    Texto indispensável, que precisaria chegar a todos, aos pais, as escolas em geral, etc… A questão das idéias é um fator sine qua non… No estado do Pará recentemente, instituiram uniforme para a policia judiciária, a Civil… Que especialista exporia policiais, cuja função precípua é investigar principalmente os crimes violentos e graves? E eu nem falo dos gastos para comprar as muitas peças, diante dos salários defasados da categoria dos delegados da Polícia Civil, p. ex., sem reajustes ha pelo menos quatro anos… Nem dos esforços de autuar criminosos flagranciais para os verem liberados em 24 horas, nas famigeradas Audências de Custódias… Enquanto isso, o Poder Judiciário promove seus próprios reajustes de vencimentos anuais, segundo critérios estabelecidos por ele mesmo…

  3. Erika Massi Nogueira Bianchini
    Erika Massi Nogueira Bianchini

    Excelente texto, Motta!!

  4. Alair Batista Pinto
    Alair Batista Pinto

    Muchas gracias.
    Nuestra visión del mundo nos llevará a la acción. Los cambios de actitud comienzan con cambios de mentalidad.

  5. ELIAS
    ELIAS

    Parabéns Roberto Motta. Seu texto, como sempre, é simples, claro e direto. Irrefutável.

  6. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    O Brasil até o governo em1979 no governo militar combatia o crime com eficiência, claro, com algumas falhas como tortura, quando chegou a constituição em 1988 passou a ter muitos direitos e não se falava em dever, obviamente o crime aumentou, com o passar dos anos o crime foi se banalizando até chegar nos dias de hoje, onde o crime foi estatizado

  7. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    No Brasil o asaltado é o criminoso e o assaltante a vítima.

  8. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Sou a favor de pena de morte para bandido reincidente. E só a partir daí, com os presídios sem super lotação, poder se pensar em um trabalho de ressocialização.

  9. Mirian Guimarães
    Mirian Guimarães

    Excelente artigo!

  10. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    Brilhante artigo Motta.
    Nos presídios brasileiros houve grande comemoração com a “eleição” do descondenado ao planalto.
    O Estado sem ação patrocina todo tipo de crimes e barbáries contra a sociedade.
    No lugar do blablabla que dizem ser progressista porque não defendem um programa tolerância zero a exemplo do empregado por Rudolph Giuliani em Nova Iorque que entre 1994 e 2001 devolveu o Brooklin e o Harlem aos novaiorquinos.
    O Rio de Janeiro em especial junto com outros estados há décadas é o paraíso do crime organizado das facções e de muitos políticos.

  11. Daniele Mendes Neves Gonzaga
    Daniele Mendes Neves Gonzaga

    Motta, que texto!

  12. Auta Viviane Rocha
    Auta Viviane Rocha

    É a bandidocracia que impede que se faça justiça. Criminoso raramente se “recuperam” ressocializar então, é balela

  13. Carlos Roberto Alves de Castro Júnior
    Carlos Roberto Alves de Castro Júnior

    Sempre digo o seguinte: o problema não é a “boca de fumo, o problema é arma na boca de fumo”… Tráfico, sempre vai existir. É a regra maia básica de todas. Oferta e consumo…

  14. CLAUDIONOR BATISTA DE AZEVEDO
    CLAUDIONOR BATISTA DE AZEVEDO

    O que esperar deste DESGOVERNO de ex condenados, condenados, corruptos, terroristas, comunistas, ladrões, etc..
    E todo sistema aparelhado como o Judiciário, legislativo, ONGS, policia federal, gov. estaduais, etc…
    São todos defensores de bandidos, assassinos, corruptos, marginais, traficantes, viciados e toda a escoria da sociedade. Todos esses canalhas do PT e seus puxadinhos querem os criminosos soltos nas ruas e na administração do estado. E o cidadão de bem enjaulados em suas casa com seus familiares.
    Infelizmente o Brasil está uma bagunça só.
    Este Desgoverno recheado de COMUNISTAS, CONDENADOS, EX CONDENADOS, TERRORISTAS, CORRUPTOS, ETC… Está fazendo barbaridades todos os dias.
    Os culpados desta situação: A maioria do povo brasileiro que votou no LULADR#*, o Congresso Nacional que se omite de suas funções de fiscalizar o Judiciário (STF), de Legislar .(QUE É SUA FUNÇÃO), deixando que o STF legislar em seu lugar (CRIANDO LEIS, PORTARIAS, INQUÉRITOS, JULGANDO PESSOAS SEM FOROS ESPECIAIS, PRISÕES SEM JULGAMENTOS E CONDENAÇÕES, ETC…).
    Mas, como confiar em um Congresso em que a maioria dos parlamentares estão com o RABO PRESO no STF, com processos, inquéritos, denúncias, sindicâncias, tudo engavetado, postergado, adiado pelo STF para ter os parlamentares sob seu julgo.
    Os Senhores Parlamentares têm que tomar consciência que foram eleitos para LEGISLAR e não passar esta função ao Executivo e Judiciário. (AS LEIS CONSTITUCIONAIS VÁLIDAS SÃO AQUELAS CRIADAS E APROVADAS PELO LEGISLATIVO), as demais são inconstitucionais.
    Que tal algum parlamentar apresentar um Projeto de Lei para inserir na Constituição, com artigos e parágrafos, etc… Criando: Conselho, Tribunal, Comissão, Colegiado, Etc… Para FISCALIZAR, MONITORAR, VERIFICAR, INVESTIGAR, etc… As contas, os excessos, suas prerrogativas, abusos de poder, inserções em outros poderes, etc…
    Este Órgão com poderes de JULGAR, PRENDER, DEMITIR, AFASTAR, APOSENTAR ETC…
    Seria formado por 11 ou 15 membros de todo Brasil, ESCOLHIDOS POR SORTEIO PELOS NÚMEROS DO CPF, sem indicação de ninguém (Seria inserido o CPF de todos os possíveis sorteados em todo território Nacional). Não seria necessário ser efetivo, permanente ou vitalício, para não gerar mais despesas para a nação.
    Esse órgão seria convocado pelo Senado, Câmara Federal ou Congresso Nacional, sempre que houvesse a necessidade.
    Os membros seriam composto por: 02 membros STM, 02 Desembargadores Federais, 02 Desembargadores Estaduais, 02 Senadores, 02 Deputados Federais e 03 Juízes Estaduais.
    As Remunerações seriam as diárias normais para os deslocamentos e acomodações já previstas na legislação (Ou que tenha algum ajuste nestas despesas). Que seria somente durante o evento.
    É uma opinião.
    É vergonhoso ver um Congresso Nacional, eleito pelo povo, se submeter aos caprichos de um membro do STF… , ,

  15. Rosangela J . Dias
    Rosangela J . Dias

    Assisti palestra de policial que apresentava para os pais juntos com os seus filhos adolescentes (Boy Scout reuniao semanal) cenas reais de casos locais cujos criminosos adolescentes sofreram consequencias duras incluindo perda da propria vida em confronto com policiais, comparsas e/ ou dentro da prisao (instituto de recuperacao). *Desculpe a falta da acentuacao, mas computador americano. Sem duvidas ficava claro na conclusao da palestra que o crime nao compensa.

  16. Marta Cardoso
    Marta Cardoso

    Parabéns! Mais um excelente texto Motta! Verdades sejam ditas!

  17. Indignado
    Indignado

    Essa é uma guerra que durará gerações. Cirúrgico o artigo.

  18. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Certíssimo!

  19. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Certíssimo!

  20. Ubirajara garcia
    Ubirajara garcia

    Parabéns. Lugar de bandido é na cadeia.
    O resto é balela..

  21. Marcelo Martins
    Marcelo Martins

    É preciso punir exemplarmente os criminosos. Chegou tarde a lei que acaba com as saidinhas indiscriminadas de bandidos em finais de semana e feriados. E é preciso dar um chacoalhão também no sistema judiciário. É impressionante a quantidade de bandidos cometendo crimes que já foram presos diversas vezes mas no entanto estão nas ruas cometendo crimes. Nessas audiências de custódia, os juízes preferem soltar ladroes de celular, batedores de carteira, porque consideram crimes pequenos. Até nosso “ilustríssimo” presidente disse uma vez que os ladroes de celulares só querem tomar uma cervejinha no final de semana. Quando um presidente relativiza o crime, é porque esse país chegou no fundo do poço. Bem faz o Tarcísio, que está metendo bala na bandidagem na Baixada Santista! Que ele faça o mesmo nas outras regiões do Estado de São Paulo e mande todos os criminosos para o inferno!

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