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Foto: Shutterstock
Edição 208

Rejeitar, fugir, reagir

Garotas sozinhas, ou em grupos pequenos formados só por mulheres, são abordadas e assediadas com insistência por homens com ofertas variadas de produtos ou companhia

Roberto Motta
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Aconteceu em frente a um dos melhores colégios do Rio de Janeiro, localizado em Botafogo. A menina, de 14 anos, saiu pelo portão, dinheiro na mão, para comprar pipoca.

No meio do caminho, apareceu um homem.

“Você vai me dar esse dinheiro, não vai?”, ele perguntou, bloqueando a passagem dela, o tom de ameaça claro na voz.

Intimidada, ela entregou o dinheiro.

“Agora eu quero um abraço”, disse ele.

A menina ficou paralisada. Um abraço depois de me assaltar?

A vendedora de pipoca, que por acaso acompanhava a cena, alertou um dos seguranças da escola. O homem, percebendo a movimentação, foi embora.

Se a pipoqueira não tivesse interferido, é possível — na verdade, é muito provável — que o abraço tivesse sido dado. O que poderia ter acontecido em seguida?

Aqui está um cenário: o homem poderia ter encostado uma faca ou algum outro objeto no corpo da menina e a forçado a acompanhá-lo a algum lugar longe dali, onde ela estaria indefesa.

Essa é uma tática comum de estupradores.

A menina da história escapou dessa sentença por um milagre. Mas não podemos contar com milagres para proteger nossas filhas e mulheres. É preciso ensiná-las a reconhecer o perigo e a lidar com ele. Nossas ruas estão cheias de criminosos e desequilibrados, à procura de uma presa inexperiente e indefesa.

Qual seria o procedimento correto em uma situação como essa? Como a menina deveria ter reagido?

Uma resposta pode ser encontrada nas lições que o autor americano Gavin de Becker ensina no seu livro Proteja Seus Filhos, que tem um capítulo sobre a segurança de meninas, que são o alvo mais procurado por estupradores e abusadores sexuais.

Capa do livro Proteja Seus Filhos, de Gavin de Becker | Foto: Reprodução

O conselho de Gavin é adotar uma sequência de reações, em ordem crescente de assertividade, à medida que o perigo fica mais evidente: rejeitar, fugir, reagir.

A primeira reação deve ser rejeitar firmemente a abordagem de um desconhecido. Observo com frequência, quando caminho na praia, que garotas sozinhas, ou em grupos pequenos formados só por mulheres, são abordadas e assediadas com insistência por homens com ofertas variadas de produtos ou companhia.

Nessa hora é preciso dizer um “NÃO” de maneira firme. Pode ser “não, obrigada”. Pode ser “não estamos interessadas, por favor saia daqui”. Pode ser “deixe a gente em paz”.

Educação não é relevante nesse momento. O importante é deixar claro que a presença do intruso não é bem-vinda. Não é necessário prolongar a conversa. Não se deve fornecer qualquer dado pessoal, nem mesmo o nome. Não se deve prolongar um contato sem sentido, iniciado por um estranho.

Comece com o “não, obrigada”. Se ele insistir mais uma vez, suba o tom: “eu já disse que não”. Não se deve hesitar em dizer “saia daqui, deixe a gente em paz” ou “eu vou pedir ajuda”. Parece rude, mas essa atitude pode salvar uma vida ou evitar situações que deixarão traumas permanentes.

Na maioria dos casos, diante de uma reação como essa, o intruso vai embora. Abusadores e estupradores são covardes; estão em busca de inexperiência, despreparo e medo. Eles querem uma oportunidade fácil. Vão procurar a pessoa mais distraída, a rua mais deserta, a situação mais propícia para o sucesso do ataque. Quando encontram resistência, a maioria deles desiste.

Ilustração: Shutterstock

Mas é possível que isso não aconteça. É possível que ele insista, que se aproxime, que tente algum tipo de contato físico. Nesse momento, a reação apropriada é fugir, sair dali, andando rápido ou até correndo em busca de ajuda ou de refúgio em algum lugar.

Se a menina está em um shopping, ela pode procurar um segurança. Se não há segurança à vista, ela pode entrar em um restaurante ou em uma loja e pedir ajuda. Se está sozinha na praia, ela pode se levantar e se sentar perto de outras pessoas, se dirigir a uma barraca ou a um vendedor. Não se preocupe com pertences ou objetos — se necessário, deixe tudo para trás e fuja. A integridade física e a segurança são o mais importante.

Essa é a segunda reação: fugir.

Naturalmente, há situações em que o predador vai perseguir a vítima. Ele pode segurá-la pelo braço, ou abraçá-la de forma firme, ou de alguma outra forma impedir sua fuga. Ele pode mostrar uma arma de fogo, ou uma faca, ou até encostar a arma no corpo da vítima avisando que, em caso de reação, ela será ferida ou morta.

Esse é o momento para a reação mais forte possível: gritar por socorro e resistir fisicamente.

Ensinamos nossos filhos a ser gentis e educados. As meninas já têm essa tendência natural de acolher e ser amável. Ensine às suas filhas que essa regra não se aplica à abordagem de estranhos

A vítima deve gritar o mais alto que puder pedindo auxílio. Grite pedindo ajuda às pessoas em volta. Gavin de Becker explica um fato importante: se você está em um local com outras pessoas, é muito pouco provável que o criminoso tome a decisão de feri-la ali, em público. A intenção dele é levar sua vítima para um local remoto, onde ela, provavelmente, será abusada, ferida ou morta. É muito importante não ir com o criminoso a lugar nenhum, resistindo de todas as formas possíveis.

Essa é uma decisão difícil de tomar quando você sente o cano de uma arma ou a lâmina de uma faca pressionada contra o corpo. Mas é importante lembrar disso: qualquer ferimento que você sofra ali, naquele local, em público, nunca será pior do que o que acontecerá com você em um local isolado, sem testemunhas, onde você estará totalmente à mercê do criminoso. Em um local público, se for ferida, você terá a chance de ser rapidamente socorrida. Na experiência de Gavin de Becker, a maior parte dos criminosos, ao encontrar resistência, desiste. Mesmo que isso não aconteça, Becker diz que o resultado da resistência em um lugar público será sempre menos ruim do que o que acontecerá em um local remoto.

Não é agradável pensar na possibilidade de uma situação como essa. Nenhum pai ou mãe tem facilidade de conversar sobre esse assunto com sua filha. Mas isso é absolutamente necessário, para que nossas filhas não sejam presas fáceis de predadores experientes.

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Os cuidados com a segurança de meninas e mulheres devem sempre incluir o que se chama de consciência situacional. É sempre importante estar ciente do local onde você está e do que acontece ao seu redor. Um dos melhores conselhos sobre segurança de mulheres é nunca ficar sozinha em um local deserto, onde seja impossível pedir socorro. Evidentemente, a vida às vezes nos coloca em situações como essa. Mas, se isso acontecer, é importante ter consciência do risco envolvido e estar preparada para reagir.

De todos os conselhos que podem ser dados sobre segurança feminina, talvez o mais importante seja o de repelir com firmeza a abordagem de estranhos, eliminando qualquer ameaça potencial logo no início. Ensinamos nossos filhos a ser gentis e educados. As meninas já têm essa tendência natural de acolher e ser amável. Ensine às suas filhas que essa regra não se aplica à abordagem de estranhos. Ensine-as a reagir com firmeza, decisão e até aspereza à abordagem de desconhecidos. E, se possível, ensine-as a se defenderem fisicamente do perigo, se a situação eventualmente sair do controle.

É o melhor que podemos fazer pela segurança de nossas filhas.

Leia também “Quando a ideologia se fantasia de reportagem”

16 comentários
  1. Alair Batista Pinto
    Alair Batista Pinto

    Gracias. Buena orientación.

  2. Herbert Gomes Barca
    Herbert Gomes Barca

    muito bom artigo Motta
    toda informação, tudo que for possível tem que ser usado pra deter pervertidos

  3. NERISSON DA SILVA MEDEIROS
    NERISSON DA SILVA MEDEIROS

    Excelente texto do Roberto Motta. Tenho uma filha de 17 anos, muito educada e amorosa. Encontrei nesse texto o que eu necessitava para orientá-la quanto as abordagens de estranhos de uma forma eficaz e contundente!

  4. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Muito útil! Assunto muito sério a ser abordado com as meninas principalmente ! Obrigada , Motta!

  5. Marta Cardoso
    Marta Cardoso

    Ótimo artigo! ????

  6. Emerson Luiz Degan
    Emerson Luiz Degan

    Obrigado Mota. Tenho uma filha de 17 anos e ja compartilhei este artigo c ela.

  7. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    E o principal, ter legislação e agentes para punir com rigor criminosos deste tipo. Sou favorável até a pena de morte por reincidentes.
    Agora isto quando tivermos um governo federal com seriedade sobre o assunto, até lá vamos caminhando…

  8. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Mota você é bom

  9. Omar Fernandes Aly
    Omar Fernandes Aly

    Técnicas de defesa pessoal e spray de pimenta poderiam ajudar também .

  10. Gilmara Mendes Nunes
    Gilmara Mendes Nunes

    Ótimo texto Motta! Precisamos alertar nossos filhos, vivemos em um mundo realmente sombrio.

  11. Gladner Cardeal Stasiuk Paes
    Gladner Cardeal Stasiuk Paes

    Tenho 5 filhos, desses são 3 meninas, de 1 a 5 anos, mas já me preocupo muito com esse tipo de situação e penso muito nisso de como prepará-las para se defenderem.

    1. Patricia Padilha
      Patricia Padilha

      Velhos conselhos de não aceitar carona, não ingerir bebida no copo de outra pessoa, são atuais!

  12. Carolina Ackel D'Elia
    Carolina Ackel D'Elia

    Parabéns pelo texto! Muito útil para mim que sou mulher e mãe de uma menina de 15 anos!

  13. Carolina Ackel D'Elia
    Carolina Ackel D'Elia

    Parabéns pelo texto! Muito útil para mim que sou mulher e mãe de uma menina de 15 anos!

  14. Gustavo de Carvalho Barcelos
    Gustavo de Carvalho Barcelos

    Parabéns pelo texto.

  15. Alberto de Paula Schmid
    Alberto de Paula Schmid

    Obrigado Motta!!!!

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