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Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução GloboNews
Edição 212

Jornalismo suicida

No Brasil de hoje, o maior inimigo da liberdade de imprensa é a velha imprensa

Branca Nunes
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“Por que vocês estão exigindo tanta censura no Brasil?” Feita por Elon Musk na noite de sábado, 6, a pergunta singela pegou desprevenidos ministros do STF, a velha mídia e a esquerda brasileira — e teve o efeito de um poderoso direto de direita. Publicada embaixo de um tuíte em que Alexandre de Moraes saudava Ricardo Lewandowski, seria o começo de um embate que, passados sete dias, está longe de terminar.

Naquele sábado, todos os veículos de comunicação repercutiram com destaque os primeiros rounds do duelo em seu começo. Mas as capas das edições impressas emergiram no domingo sem qualquer alusão ao fato. A Folha, por exemplo, tratou de escondê-lo num curto texto na página 11. O Estadão ocultou a informação em 15 linhas no canto inferior esquerdo da página 9. E O Globo fez de conta que o episódio não aconteceu. O esforço coletivo deu em nada. O mundo inteiro àquela altura já sabia do que estava acontecendo e acompanharia os desdobramentos do duelo com interesse crescente.

Moraes reagiu só na noite de domingo. Na reportagem de capa desta edição, J.R. Guzzo descreve a tentativa de contra-ataque: “Moraes, em mais um episódio de anedota, incluiu Musk como ‘investigado’ por suspeita de ‘obstrução criminosa da Justiça’ e de ‘incentivo ao crime’ no inquérito que conduz há cinco anos para investigar ‘milícias digitais’, ‘desinformação’, fake news e sabe Deus o que mais. Para que isso tudo, se todo mundo sabe que não vai acontecer nada?”.

Na manhã da segunda-feira, 8, a apresentadora Daniela Lima, da GloboNews, traçou a linha que seria adotada com ligeiras diferenças de tom por integrantes do consórcio no poder. “Essa ofensiva do Elon Musk não se trata de um capricho de um bilionário mimadinho”, disse Daniela no início de um monólogo que se estenderia por mais quatro minutos. “Bilionário”, aliás, tornou-se um dos insultos prediletos dos inimigos de Elon Musk — como se fosse quase pornográfica a trajetória de um dos empresários mais criativos e bem-sucedidos de todos os tempos. 

Segundo a apresentadora da GloboNews, “Elon Musk está espelhando uma estratégia de articulação internacional de radicais da direita”. Segue-se a transcrição literal do trecho mais revelador: “Essa estratégia passa por eleição de Donald Trump, possível retorno de Donald Trump à rede social da qual ele foi expulso, inclusive por ter incitado a insurreição que levou à morte de policiais no Capitólio dos Estados Unidos”. 

Explicando o inexplicável

Daniela não parou por aí. Para a apresentadora, o que está acontecendo é uma armadilha “que pode ganhar contornos ainda mais dramáticos se Donald Trump for eleito”. Por quê? “A partir daí passaríamos a ter um presidente dos Estados Unidos com um viés também autoritário ao ponto dele próprio ter decidido criar uma rede social onde quem manda é ele e as coisas funcionam da forma como ele quer, pressionando as instituições brasileiras”. É mais que uma teoria da conspiração. É uma audaciosa versão jornalística do Samba do Crioulo Doido, do grande Stanislaw Ponte Preta.

Celular em punho, gesticulando sem parar e desenhando aspas com os dedos quando resolvia enfatizar o tom irônico de certas expressões, Daniela conseguiu, num único discurso, afirmar que Musk controla “quantas vezes, com qual intensidade e por quanto tempo você vai acessar determinada mensagem X ou Y” no Twitter; que uma comitiva de parlamentares nativos “saiu do Brasil com o seu, com o meu com o nosso dinheiro e foi para a frente do Capitólio dizer que o Brasil vive uma ditadura judicial”; que a “extrema direita” se “fia no discurso de liberdade de expressão para na verdade praticar assédio direcionado e assolar as instituições”. Para alívio dos espectadores, nada mais lhe foi perguntado.

Malabarismo mental

Ainda na noite de segunda-feira, o Jornal Nacional exibiu uma reportagem que afirmou na abertura que o pai de Musk abusou do filho na infância. Depois de um breve histórico, o repórter avisa que, depois de comprar o X, ele demitiu 80% dos funcionários. “Boa parte dessas pessoas era responsável por remover conteúdo considerado prejudicial”, garante o jornalista. Musk teria restabelecido o acesso à rede para “pessoas que estavam banidas por espalhar desinformação”. Uma delas é Donald Trump, “acusado de usar o Twitter para conclamar seus seguidores a invadirem o Congresso americano”. 

Segundo o modelo Daniela, o repórter também garantiu que não há mais transparência sobre o funcionamento da rede e que o empresário “acumula controvérsias sob a bandeira da liberdade de expressão”. O repórter também acusa o empresário de ter questionado “a mortalidade da covid e a eficácia da vacina”. Vale qualquer malabarismo mental para contornar a pergunta que desencadeou a polêmica: “Por que estão exigindo tanta censura no Brasil?”. 

A teoria da “conspiração dos radicais de direita” foi exaustivamente repetida por diversos veículos ao longo da semana. Os termos “bilionário”, “Bolsonaro”, “bolsonaristas” e “extremistas” se multiplicaram em reportagens, colunas e editoriais. O endosso sem ressalvas da maior parte da outrora “grande” imprensa ao discurso oficial do governo alcançou níveis semelhantes aos de países ditatoriais. 

Notícia publicada na Folha de S.Paulo (8/4/2024) | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo
Notícia publicada no Poder360 (10/4/2024) | Foto: Reprodução/Poder360
Notícia publicada no UOL (11/4/2024) | Foto: Reprodução/UOL
Notícia publicada no Congresso em Foco (11/4/2024) | Foto: Reprodução/Congresso em Foco
Notícia publicada no Correio Braziliense (9/4/2024) | Foto: Reprodução/Correio Braziliense
Notícia publicada no Estadão (9/4/2024) | Foto: Reprodução/Estadão
Notícia publicada na CNN Brasil (10/12/2023) | Foto: Reprodução/CNN

Desde a posse de Lula, as verbas de publicidade oficial destinadas à Rede Globo superaram em 60% a quantia obtida no último ano do governo Bolsonaro. Os pagamentos da Secretaria de Comunicação e dos ministérios aos canais da organização passaram de R$ 89 milhões em 2022 para R$ 142 milhões em 2023. Os dados foram divulgados pelo site Poder360. A Record, segunda colocada, levou R$ 43 milhões. Seguem-se SBT (R$ 35 milhões), Band (R$ 13 milhões), Rede TV! (R$ 3 milhões) e CNN (R$ 2 milhões).

Foto: Reprodução/Poder360

Embora Musk tenha reiterado o tempo todo a defesa da liberdade, a velha imprensa insistiu em acusá-lo de ter “atacado” e “ameaçado” a democracia. Na terça-feira, 9, parte do programa Morning Show, da rede Jovem Pan, foi dedicada a denunciar uma suposta “invasão da soberania nacional” por um perigoso estrangeiro. Programas desse gênero jamais cruzaram esse repertório vocabular quando o presidente francês Emmanuel Macron ou o ator americano Leonardo DiCaprio dissertaram sobre a Amazônia que desconhecem durante o governo de Jair Bolsonaro.

Complô de araque

O inevitável Sleeping Giants, grupo privado de defensores da censura que usa a rede social X para exigir que empresas não patrocinem ninguém que pense diferente dele, brilhou no campeonato do absurdo: publicou um post no X para exigir a desmonetização do X. “ATENÇÃO! ISSO NÃO É UM TESTE! Iniciaremos a campanha mais importante desde a criação deste movimento e precisaremos mais do que nunca de TODOS vocês!”, disse. “Chegou a hora de nós brasileiros virarmos o jogo, defendermos o nosso país e desmonetizarmos os ataques ao Brasil que enriquecem Elon Musk.” Pelo que escreveram, deveriam ter acrescentado mais um alerta ao aviso inicial: não era um teste. Nem uma piada.

“Grande parte dos representantes dos jornais tem preferência política pela esquerda, que defende maior presença do Estado sobre a sociedade, e não deixam de levar sua convicção para as notícias e os artigos”, explica o jurista Ives Gandra Martins. “O que vemos hoje é uma predominância do pensamento da chamada ‘imprensa oficial’, que vai na direção do controle das big techs. Isso porque as redes sociais diminuíram o campo de ação da mídia. Por isso, ela se manifesta a favor da regulação. Portanto, quanto menos Twitter, Facebook, Instagram e similares houver, maior será a dependência das pessoas pelos veículos de comunicação tradicionais.”

Voltemos a Daniela Lima. Não foi a primeira vez que a apresentadora escorregou no terreno das conspirações de araque. Num post no X, o jornalista Glenn Greenwald lembrou que, em 2023, ela garantiu que o X estava censurando seus tuítes sobre Musk: “Na verdade, o X estava enfrentando problemas técnicos, e todos os usuários apresentavam os mesmos problemas”, corrigiu Greenwald. “Ela se recusou a se retratar.”

Quem defende a censura?

Ao contrário do que afirmou Daniela Lima, nenhum dos tuítes, posts ou perfis em redes sociais censurados pelas big techs, por ordem ou não de Alexandre de Moraes, está do lado esquerdo do espectro político. Aos olhos do TSE, esse tipo de gente não mente nem desinforma. 

A pergunta inaugural de Elon Musk no post do sábado pode desdobrar-se em outras. Uma delas: quem e por que defende tanto a censura no Brasil? A resposta pode começar com a identificação do que se tornou a maior inimiga da liberdade de imprensa no país: a própria imprensa.

***
Apoiadores do nazismo não diziam que estavam sob uma ditadura

Por Flavio Morgenstern

A censura era contra “notícias falsas de judeus”. As perseguições eram contra “inimigos do Estado”. E advogados também não tinham acesso aos processos secretos…

Fato histórico curioso: as pessoas que apoiavam o nazismo durante o Terceiro Reich não diziam que estavam vivendo sob uma ditadura. Elas apoiavam cada medida necessária como uma defesa do Estado.

Em 1933, o Ministério para Iluminismo (sic) Público e Propaganda (Reichsministerium für Volksaufklärung und Propaganda) fazia menção ao Iluminismo para combater não apenas “notícias falsas”, principalmente de periódicos judeus e com críticas ao Estado. Eram os “traidores”. A narrativa oficial deveria ser obedecida pelos jornais, imposta por Goebbels. Sua tática é famosa: a repetição de termos de propaganda, forçosamente histéricos, como dizer que o Estado estava sob risco constante nas mãos de “judeus” e “reacionários” (adjetivo criticado até no hino nazista, a Canção de Horst-Wessel).

A paranoia com um “golpe” era fomentada pelo incêndio no Parlamento no início do governo de Hitler. Investigações posteriores revelaram que os próprios nazistas haviam facilitado o fogo, para culpar seus inimigos. Para combater os “golpistas”, Hitler, um mero chanceler, passou a ter plenos poderes na Alemanha.

Pessoas “confinadas” e enviadas a campos de concentração tornaram-se rotina nos jornais. Era o aumento da “custódia protetoria”, uma prisão “preventiva” que começava a ser usada contra qualquer “inimigo do Estado”, termo cada vez mais amplo, nunca definido. Juízes como Roland Freisler e Hanns Kerrl passaram a punir quem ofendesse “o sadio sentimento popular”. Uma tentativa de crime valia tanto quanto um crime consumado, e os julgamentos eram coletivos.

O doutor Werner Best cuidou de impedir que advogados tivessem contato com clientes e lessem o próprio processo, fazendo com que ninguém soubesse de que crime estava sendo acusado. Já Hans Frank liberou a polícia para invadir até os lares, pois a privacidade não era mais um direito diante do Estado total. Com isso, a Gestapo passou a definir o que era verdade e o que era boato, atribuindo um caráter de crime político até a delitos comuns, sem nenhuma lei (mesmo nazista) que a permitisse.

É curioso testemunhar pessoas falando de totalitarismos com distância histórica, jurando que lutariam contra eles. Trágico, entretanto, notar como defendem todos os seus métodos no mundo atual, mesmo com a lição histórica.

Leia também “A revolta dos agricultores”

21 comentários
  1. Jonathan Sequera
    Jonathan Sequera

    A descrição deste artigo da tática nazista de outrora define bem o q estamos vivenciando no momento, tristemente, no Brasil, e em outros países igualmente em pleno século XXI, a menos de 100 anos da barbarie q testemunhamos na II grande guerra. Absurdo como a história se repete!

  2. Fábio Gavião Avelino de Méllo
    Fábio Gavião Avelino de Méllo

    Foi retratada a pura realidade brasileira dos nossos dias. Nós sentimos impotentes em uma técnica para desmantelar essa estrutura que se alojou no poder. Mas temos que continuar tentando descobrir um meio de abrir os olhos dos nossos irmãos brasileiros que estão com uma trave nos seus olhos !

  3. Berman
    Berman

    Não assisto mais TV ou leio jornais da velha imprensa. Não tem nenhuma credibilidade.

  4. Marco Aurélio Oliveira De Farias
    Marco Aurélio Oliveira De Farias

    Excelente Matéria!
    Vamos em frente Revista Oeste.

  5. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A Globo, e seus tentáculos, virou uma vergonha. Qualquer lugar que frequento e está passando esta nojenta emissora, faço questão de mudar de canal.

  6. MARIA DE FATIMA SONATI
    MARIA DE FATIMA SONATI

    Ótimo!

  7. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Parabéns Branca, não conhecia essa tua qualidade de jornalista neste excelente artigo.

  8. Carlos Sergio Souza Rose
    Carlos Sergio Souza Rose

    Brilhante artigo Branca. Parabéns pela excelência.

  9. Marcos Japiassu
    Marcos Japiassu

    Daniela Lima não passa de uma militante histérica com um microfone e um celular na mão.

  10. Luiz Gomes Jardim
    Luiz Gomes Jardim

    Espetacular o texto.

  11. Marcelo DANTON Silva
    Marcelo DANTON Silva

    Meretrizes do jornalismo essas Vellhas….vergonha suas familiares devem ter dessas caquéticas.

  12. Marta Cardoso
    Marta Cardoso

    Mortadela Lima é uma das maiores vergonhas do jornalismo brasileiro. Mentirosa e sem postura. Parabéns pelo excelente artigo Branca Nunes!

  13. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Grande prazer em ler seu artigo Branca Nunes.Obrigada pelo relato histórico de toda atrocidade de Hitler e as inúmeras semelhanças ao momento em que vivemos no Brasil. Alexandre de Moraes demonstrou seu poder e a que veio quando juntamente com outros colegas do STF, retirou Lula da prisão e o reconduziu a presidência da República com uma manobra grosseira de seus parceiros. Esse foi o verdadeiro golpe sofrido pelo Brasil .A partir daí, vivemos um pesadelo sem fim.Corrupção ,desrespeito total a Constituição e assassinato a liberdade de expressão. Elon Musk,despontou na sua rede X,trazendo esperança ao questionar a presença de tanta censura. Fatos vieram a público para todo mundo, a festa acabou para quem gosta de viver na escuridão. Vamos em frente.

  14. Vanise Celeste Oliveira da Rocha
    Vanise Celeste Oliveira da Rocha

    É a velha imprensa dando “tiro no próprio pé”, “cavando a própria sepultura” pois se não mudarem de postura não sobreviverão aos novos tempos. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”… “a mentira por si só se autodestruir”… quem viver verá!

  15. MNJM
    MNJM

    Daniela Lima é queda de audiência. Postura de uma militante e não de uma profissional do jornalismo .
    O retrato da globolixo.

    1. Manoel Ribeiro Soares Neto
      Manoel Ribeiro Soares Neto

      Parabéns Branca Nunes, você é incrível!

  16. Pedro do Amaral Botelho de Mesquita
    Pedro do Amaral Botelho de Mesquita

    Impressiona a semelhança dos métodos da escalada ditatorial nazista com a atual no Brasil.

  17. JOSE GERALDO VIANA
    JOSE GERALDO VIANA

    Branca Nunes. Herdou a verve do pai. Sucesso!

    1. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
      Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

      É uma total falta de ética jornalística o que impera no império do imperador alexandre. Você fez com grande competência um artigo que escancara isso. Parabéns.

  18. Julio Fressa
    Julio Fressa

    Daniela Lima na Globo e Reinaldo Azevedo na Band. Receita infalível para perda de audiência. Credibilidade ZERO.

  19. Daniel BG
    Daniel BG

    A favor da reciclagem, a velha imprensa e seus bocas de lixo que incessantemente colaboram com a mentira criada por um incompetente que nunca passou em concurso para juiz, mas foi para o STF, é muito material para reciclagem. Trabalho à frente.

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