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Luiz Inácio Lula da Silva, durante café com jornalistas, no Palácio do Planalto, em Brasília (23/4/2024) | Foto: Ricardo Stuckert/PR
Edição 214

Governo à deriva

Presidente culpa ministros, reclama de manchetes negativas da velha imprensa e fala em 'mau humor na sociedade' depois de 15 meses sem rumo

Silvio Navarro
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Duas aparições públicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta semana deixaram claro ao pagador de impostos brasileiro que o governo está à deriva. Depois de 15 meses reclamando da gestão anterior pelo fracasso da sua, como a desculpa não cola mais, o petista criticou publicamente os ministros — que ele escolheu. Também houve queixas de manchetes negativas da imprensa tradicional e do “mau humor” da sociedade. Lula está em busca de um culpado pelo fracasso precoce.

O primeiro evento público foi o lançamento de mais uma peça de marketing, na segunda-feira, 22, batizada de “Acredita”. O objetivo é renegociar dívidas de microempreendedores individuais (MEI). Mas é um daqueles programas que dificilmente funcionam na prática por entraves burocráticos, como o Desenrola. Tem ainda dois problemas de largada: foi criado por meio de medida provisória (MP), ou seja, precisa do aval do Congresso Nacional num momento turbulento da relação com a Câmara dos Deputados; e o governo não tem dinheiro novo para salvar ninguém.

Mas o ato realizado no Palácio do Planalto, com plateia controlada, tinha outra função: em queda livre nas pesquisas de popularidade, sem articulação política com os deputados, sem apoio nas redes sociais e com o caixa no vermelho, ele precisa responsabilizar alguém. Na segunda, escolheu dois ministros: Fernando Haddad (Fazenda) e Geraldo Alckmin, que além de ser vice-presidente chefia a pasta do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Também foram mencionados Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome) e Rui Costa (Casa Civil), mas Lula não está disposto a despejar os dois porque são representantes da cúpula do PT — logo, seria comprar briga dentro do partido.

“O vice-presidente Geraldo Alckmin tem que ser mais ágil, tem que conversar mais”, disse. “O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem que, em vez de ler um livro, perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara”.

O caso de Haddad é delicado: o ex-prefeito de São Paulo não deu certo em três testes sucessivos nas urnas — reeleição em 2016, Presidência da República (2018) e governo paulista (2022). Contudo, Haddad é uma espécie de quadro que ainda resta de um PT que definhou politicamente depois do Mensalão e do Petrolão. É defendido internamente, por exemplo, por José Dirceu, que enfrentou a militância com uma pergunta: o PT tem outro nome? Mas o ministro enfrenta resistência na sigla, principalmente da presidente, Gleisi Hoffmann. Ela recorre ao discurso empoeirado de que Haddad flerta com o liberalismo e se recusa a brigar com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre a taxa de juros (Selic).

Já Alckmin virou uma figura inexpressiva na Esplanada dos Ministérios. Foi colocado na chapa presidencial como parte da fantasia da “frente ampla” das eleições. Quando assumiu o posto, já não tinha diálogo com o antigo PSDB nem com parlamentares de partidos do centrão por dois motivos: a maioria dos tucanos de peso se aposentou da política, e os que sobreviveram não querem se aliar ao PT. Alckmin tampouco é figura respeitada no PSB ou tem chamado para conversar empresários do agronegócio e do setor de serviços, por exemplo, tarefa que deveria desempenhar, conforme combinado com Lula.

Notícia publicada no Poder360 (22/4/2024) | Foto: Reprodução/Poder360
Notícia publicada na Exame (23/4/2024) | Foto: Reprodução/Exame
Notícia publicada no Metrópoles (22/4/2024) | Foto: Reprodução/Metrópoles
Manchetes negativas

No dia seguinte à bronca aos ministros, Lula convocou um café da manhã com jornalistas. Foram chamados 52 profissionais de 46 empresas de comunicação de todos os tipos. Oeste não participou nem foi convidada. O governo selecionou só nove jornalistas para elaborarem perguntas ao presidente (assista a um trecho a seguir). É a assessoria de Lula quem escolhe os entrevistadores. Depois, foi registrada uma foto oficial com o petista no centro. Foi o sexto encontro nesses moldes — outros cinco ocorreram no ano passado.

Ao lado do presidente estavam sentados o secretário de imprensa do Planalto, José Chrispiniano, e o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação (Secom), responsável por distribuir verbas publicitárias do governo para as redações. A primeira-dama, Janja da Silva, não apareceu dessa vez.

O café começou com um discurso inusitado de Paulo Pimenta. Ele cobrou a velha imprensa por uma sucessão de manchetes negativas sobre o desempenho do governo — em resumo, disse que a mídia não tem se esforçado para levar “notícias boas” para a população. Citou especialmente o episódio do dia anterior: para ele, os jornalistas não deram o devido destaque para o lançamento do programa “Acredita”, e sim para a reprimenda de Lula nos auxiliares. Disse que era “uma brincadeira, um recurso de retórica”.

“Ele fez uma brincadeira com Alckmin, Haddad, Rui e com Wellington. Nós tivemos como manchete, em boa parte da imprensa brasileira, não os anúncios — tantos anúncios importantes. Os milhões de reais em crédito inédito acabaram secundarizados, como se aquela brincadeira tivesse sido uma crítica, uma bronca do presidente insatisfeito com a sua equipe”, disse. E concluiu: “Desse jeito, o presidente Lula não vai poder nem brincar mais”.

Os mais de 50 jornalistas ouviram a queixa de Pimenta em silêncio. Ninguém contestou o ministro sobre a liberdade editorial para escolher suas próprias manchetes.

Presidente da República durante café com jornalistas, no Palácio do Planalto, em Brasília | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Já Lula, sempre avesso ao contato direto com jornalistas, optou por andar de um lado para o outro com um microfone à mão. Ao contrário dos pronunciamentos rotineiros, ele recorreu menos à sombra do antecessor, Jair Bolsonaro. Disse apenas que o fim de semana foi marcado “por um ato dos fascistas” no Rio de Janeiro — referia-se à multidão de pessoas que protestaram em defesa da liberdade, ao lado do ex-presidente, na orla de Copacabana.

Foram longos minutos de falas vazias, nas quais negou problemas com a articulação política no Congresso ou com a escalada da inflação dos alimentos. No primeiro caso, ele tem um problema nas mãos: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não aceita conversar com o ministro Alexandre Padilha, a quem chamou de “incompetente”. Mas Lula tem dificuldade em demitir o auxiliar pela amizade com Janja — é o mesmo caso da titular da Saúde, Nísia Trindade, que chorou no ombro da primeira-dama depois de ser cobrada publicamente pelo presidente. No Congresso, eles são tratados como “cota da Janja” na Esplanada.

A relação entre o Palácio do Planalto e Arthur Lira é um balcão de negócios. O presidente da Câmara pode abrir cinco comissões parlamentares de inquérito (CPIs), a maioria com potencial de desgaste para o petista. Além das rusgas com Padilha, Lira ficou irritado com a demissão do seu primo da superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas. Nesta semana, Lula liberou R$ 5,6 bilhões em emendas para pequenos municípios dos deputados do grupo de Lira. Quando os recursos aparecem, normalmente alguma votação da seara econômica avança. Mas para por aí — até a próxima rodada de negócios.

“Quando sai uma pesquisa no primeiro ano de mandato, é normal que a expectativa que não foi atendida gere um mau humor na sociedade. Antes de ser presidente, fui eleitor. Eu sei como funcionam essas coisas”
(Lula, em café com jornalistas, na terça-feira, 23)

Em relação à alta dos preços, sobretudo dos alimentos, Lula resumiu o cenário nesta semana como “pessimismo” de analistas econômicos e disse que a solução passa pelo término do mandato de Campos Neto — que não foi escolha dele — no Banco Central, no final deste ano. Afirmou que a economia vai “crescer mais do que as previsões” — 2,2%, segundo o Fundo Monetário Internacional e o Ministério da Fazenda. Nesse ponto do encontro com jornalistas, ele fez a pergunta para si mesmo e respondeu: “Por que vai crescer? Porque as coisas estão acontecendo no Brasil”. 

Ninguém contestou a fala do presidente com uma pergunta, por exemplo, sobre a importância do agronegócio na balança comercial, o que aconteceu com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que não saíram do papel depois de um ano, ou o recorde de mortes por dengue no país. Diante da plateia amistosa, Lula afirmou: “Pensa que eu esqueci da cervejinha e da picanha?”. Os jornalistas se divertiram com a piada.

De acordo com todas as pesquisas de opinião divulgadas desde o início do ano, com diferentes metodologias e questionários, o governo do PT derrete a passos largos. A popularidade que falta nas ruas também não existe nas redes sociais. Paulo Pimenta arrumou uma fórmula para mudar isso: a Secom fechou nesta semana contrato de R$ 200 milhões, por um ano, com quatro agências de publicidade, todas ligadas a marqueteiros e deputados do PT. São elas: Moringa, BRmais, Área Comunicação e Usina Digital. É o maior valor da história gasto pelo governo com essa modalidade de contratação. 

De acordo com as propostas apresentadas pelas agências vencedoras, o dinheiro dos pagadores de impostos será usado para combater fake news divulgadas pela imprensa — não importa se a manchete partir da mídia tradicional, da independente ou de quem mais achar que pode criticar o governo.

Leia também “O naufrágio de Lula”

19 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Muito preocupante que esse desgoverno incompetente nos tenha nas mãos 4 longos anos! Misericórdia !

  2. Joaquim Días do Nascimento Júnior
    Joaquim Días do Nascimento Júnior

    Tudo muito interessante, mas diante de tanta incompetência que só tende a piorar e muito, falta coragem tanto a Arthur Lira quanto a Rodrigo Pacheco não só para instalar as CPIs que podem acabar de enterrar esse governo ou melhor desgoverno em consórcio com um Judiciário cada vez mais parcial, além do silêncio cumplice de instituições como OAB, PGR, ABI, etc. em colocar em pauta o impeachment não só de Lula mas de um governo coalhado de políticos com muitos negócios nebulosos, muita incompetência e pelo visto muito tráfico de influência.

  3. Antonio Aparecido Rinaldi
    Antonio Aparecido Rinaldi

    Lula é um cara de pau, o maior mentiroso e mau caráter que já existiu, sempre acha um culpado pela sua incompetência administrativa, o presidente do banco central deveria entregar seu cargo para que o sapo barbudo indicasse mais um bandido para o cargo, visto que muitos brasileiros precisam comer grama, e mesmo assim, ficariam em dúvidas de suas escolhas eleitorais. Tenho pena dos brasileiros esclarecidos e lúcidos, esses sofrem com um sujeito ultrapassado em todos os sentidos e segmentos. Lula é uma vergonha como ser humano, sinto nojo em saber que ocupa o cargo de maior expressão na hierarquia pública!

  4. MNJM
    MNJM

    Silvio artigo impecável como sempre. O Lula de sempre culcilpando os outros pela sua incompetência .

  5. FERNANDO
    FERNANDO

    RIDÍCULOS, MIL VEZES RIDÍCULOS E INCOMPETÊNTES!!!!!!!!!!!!!

  6. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    A troca do comando do Banco Central é somente o que a quadrilha petista espera para jogar o Brasil no buraco mais uma vez. Com a conivência destes ”jornalistas” da foto, domesticados com o dinheiro do pagador de impostos.

  7. Daniel BG
    Daniel BG

    O reincidente não diferencia política de bandidagem e tem mais apreço pela segunda diferenciação.

  8. Guilherme Marchiori de Assis
    Guilherme Marchiori de Assis

    Governo corrupto, inoperante e gastador!

  9. Viviane Nabinger
    Viviane Nabinger

    A honestidade custa caro. Não esperemos honestidade de gente barata!

  10. MB
    MB

    Imprensa domesticada. A crise do Brasil é de caráter.

  11. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    De mentira em mentira o descondenado vai condenando o país ao atraso e seu povo a um sacrifício desnecessário.

  12. LUIS ANTONIO LAVIA
    LUIS ANTONIO LAVIA

    Excelente artigo (mais um). Inacreditável estamos vivendo este momento.

  13. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Sílvio Navarro, hoje apareço por aqui para elogiar suas lives de sábado pela manhã, amei e arrasou.Assisti as duas! Continue.

    1. Silvio Navarro

      Obrigado, Teresa! Um beijo

    2. Antonio Saggese Netto
      Antonio Saggese Netto

      Silvio: artigo brilhante. Mais o que mais me incomoda é Geraldo Alckmin. Votei nesse falso 3 vezes. Fui muito enganado por ele. Como pode uma pessoa ter sido tão dissimulada. Não têm vergonha na cara. Deveria pegar sua “malinha” e sumir do Brasil. É o político mais sem vergonha, traidor, corrupto, mau intencionado que já existiu. Não conheço ninguém pior. O lule pelo menos não dissimula, ele é o que ele é.

  14. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    A Lula babá e os 40 ladrões, com STF e TSE pitbull

  15. ODAIR DE ALMEIDA LOPES JÚNIOR
    ODAIR DE ALMEIDA LOPES JÚNIOR

    De os seres abjetos, asquerosos citados no artigo, alguns sabidamente ladrões, não há dúvida que o mais repugnante é Alckmin, pelo papel a que se prestou, achando que assumiria a presidência em decorrência de alguma situação imprevisível.

  16. Marcelo Martins
    Marcelo Martins

    Lula acha que somente por ele ser quem é, ou pensa que é, as pessoas deveriam lhe dar 100% de aprovação. Lula mostra que ficou no passado, preso aos governos 1 e 2, e acha que se fizer as mesmas coisas que fez, o resultado vai ser o mesmo, que na época lhe garantiu mais de 80% de aprovação quando deixou o 2° mandato. Mas o mundo e o Brasil mudaram, e mudaram muito. E Lula não compreende isso! O fracasso de seu governo não é culpa da imprensa, não é culpa da população que não tem paciência mas culpa dele mesmo e de seu governo, composto por 38 ministros que, se espremer, não sai 3 que prestem! E ainda por cima, um governo que prega uma coisa pela boca do chefe e outra pela boca dos ministros. Falta união de propósito e agenda dentro do próprio governo! Não tem como dar certo!

  17. JORGE LUIZ MARETTO
    JORGE LUIZ MARETTO

    Esse desgoverno composto de bandidos vai levar o Brasil vai para o buraco logo, logo, com inflação alto de juros nas nuvens é só questão de tempo.

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