Em novembro de 1937, Getúlio Vargas usou uma farsa para cercar e fechar o Congresso e decretar o Estado Novo, fazer intervenção nos Estados (menos Minas Gerais) e passar a governar com decretos-leis, até ser deposto, em outubro de 1945. A farsa era o Plano Cohen, nome de um judeu comunista fictício, aproveitando o estudo de um capitão, Olímpio Mourão Filho, sobre insurreição popular no Brasil. Parte da imprensa da época aderiu à farsa e contrariou a natureza do jornalismo, de ser cética e crítica, e foi fácil dispensar o Congresso e a Constituição que os paulistas em 1932 obrigaram Getúlio a aceitar. Antes, em 1935, o levante comunista, também de novembro, ensejou estado de sítio, para que Vargas pegasse não apenas os comunistas, mas os demais adversários que poderiam fazer sombra à sua liderança.
A história do Brasil se encaixa bem na crítica de Karl Marx ao golpe de Napoleão III na França, em 1851. Citando Hegel, que observou que os fatos e personagens de grande importância na história ocorrem duas vezes, Marx acrescenta: “Esqueceu-se Hegel de que a primeira vez vem como tragédia; a segunda, como farsa”. Neste novembro vivemos sobressaltos numa repetição de histórias que viram farsas. Governantes usam isso para se impor e eliminar adversários ou lideranças consideradas perigosas. A história mostra como Getúlio procurou unir o país em torno de si, com o pretexto de ameaças à democracia; o general Galtieri invadiu as Malvinas para tentar unificar o povo argentino em torno de sua ditadura; tentando unir o país em torno de si, Maduro “anexou” parte da Guiana — ainda apenas no mapa. Agora dizem que Lula se prepara para anunciar que, diante da trama golpista, ele é a solução unificada da democracia nacional.
As conversas de WhatsApp entre militares podem ser uma trama, mas não chegam a ser um planejamento, e muito menos uma execução que caracterizaria crime — e distante da consumação, pois não tinham meios para isso. Segundo o inquérito, eles esperavam uma ação baseada no artigo 142 da Constituição, que o presidente não adotou. Então abandonaram o intento, frustrados com Bolsonaro. O inquérito se chama Contragolpe, mas, ironicamente, se houve contragolpe, foi a negativa do presidente em acolher as ideias daqueles militares. O inquérito está eivado de presunções e hipóteses e carente de descrições fáticas e exposição de provas. Mas fornece munição para quem quer anular Bolsonaro, um líder que cresce quando é atacado. A repetição dia e noite de seu nome nas tevês foi propaganda, e no Paraná Pesquisas Bolsonaro é vencedor da eleição em primeiro e segundo turno, ganhando de Lula, e aparecendo Michelle empatada tecnicamente com o presidente atual.
Por que temem tanto Bolsonaro? Foi acusado de dividir o país, por ter acordado a brasa dormida como num sopro de oxigênio que gerou chamas de liberdade e consciência de que o poder emana do povo. Raymundo Faoro, em seu livro Os Donos do Poder, demonstra que esses donos vêm desde o Império e sobrevivem na República graças aos conchavos e à autoproteção do status quo. Viram em Bolsonaro uma ameaça, a mesma que veem nas redes sociais. É o povo ganhando consciência de seu poder e dispensando intermediários. Bolsonaro, para os donos do poder, representa perigo ao patrimonialismo com que se apoderam do Estado e ao paternalismo com que ganham votos dos menos informados.
A facada, que foi cogitada, planejada e executada, foi um golpe que não se consumou totalmente, porque não o matou. Essa é a primeira parte da história a que Hegel e Marx se referem. Quando ele se elegeu, abriu uma brecha na fortaleza dos donos do poder, que reagiram para evitar que continuasse. Quando o poder estava com os militares, tiraram os direitos civis de Juscelino, porque era a maior liderança nacional. Hoje não há atos institucionais, mas a força do arbítrio, fora do devido processo legal, fora da Constituição. Então seguem-se farsas. O povo não consegue saber como são apurados os votos; com criatividade, Bolsonaro é feito inelegível e indiciado por uma tentativa a que não aderiu. São repetições sucessivas da história. Como Marx qualificaria essa contumácia?
Leia também “Que país é esse?”
EXCELENTE ANALISE !!!
REALMENTE OS “DONOS DO PODER” QUE COLOCAM SEUS MINISTROS E POLITICOS NAO ACREDITAVAM QUE ” O PODER EMANA DO POVO ” E ACEITARAM O BOLSONARO SER ELEITO AGORA SOMOS NOS QUE NAO MAIS OS ACEITAMOS.
TENHO RECEIO DESTA FASE DA HISTORIA DO BRASIL POIS A POLITICA NÃO EXISTE MAIS O QUE DEVERA SUBDSTITUI-LA ?: