Poderiam ser 50 perguntas. Ou 100. Ou mais. Mas 20 produzem um bom razoável resumo da Ópera dos Fora da Lei. Pode qualquer ministro do Supremo Tribunal Federal…
1) …abrir um inquérito por conta própria para investigar um possível crime ocorrido fora das dependências do STF?
2) …indicar o relator do inquérito que transformara em cúmplice em vez de obedecer à regra que determina o sorteio?
3) …basear-se num vídeo exibido na internet para expedir um mandado de prisão em flagrante?
4) …decretar a prisão de um deputado federal que talvez tivesse cometido crimes contra a honra por ter insultado integrantes do STF?
5) …condenar à prisão um parlamentar contemplado com o indulto individual pelo presidente da República?
6) …conduzir um inquérito ainda não concluído depois de cinco anos?
7) …impedir o acesso aos autos do processo ou ao inquérito dos advogados de defesa dos acusados?
8) …condenar à mesma pena centenas de acusados sem que tenha ocorrido a indispensável individualização de conduta?
9) …desempenhar simultaneamente os papéis de vítima, detetive, delegado, promotor, juiz e carcereiro?
10) …condenar ao uso de tornozeleira prisioneiros liberados da cadeia por falta de provas?
11) …prender alguém sem que o acusado tenha exercido o amplo direito de defesa?
12) …abolir as normas adotadas para que ocorra o devido processo legal?
13) …transferir para o STF o julgamento de acusados sem direito a foro especial?
14) …negar assistência médica a prisioneiros com gravíssimos problemas de saúde?
15) …proibir o Congresso de ouvir o depoimento de acusados libertados por inexistência de provas?
16) …transferir para o acusado o ônus da prova?
17) …recomendar a assessores que recorram à criatividade para a fabricação de provas que incriminem inocentes?
18) …destruir provas que incriminam culpados de estimação?
19) …assassinar impunemente a língua portuguesa?
20) …brincar de ditador togado quando lhe der na telha?
A resposta é um vigoroso NÃO para as 20 questões. Mas tais obscenidades se tornaram rotineiras no tribunal dominado pela regência trina composta por Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes — que opera em sintonia com Dias Toffoli, especialista em soltura de bandidos irrecuperáveis e restituição de dinheiro roubado aos gatunos de fina linhagem. Nunca a Corte foi tão insolente, atrevida e temerária. Mas eles acham pouco. Tanto assim que os limites da arrogância foram novamente expandidos neste 27 de novembro, durante a sessão que começou a debater o que o Supremo batizou de “regulação das redes sociais”.
Enquanto o advogado do Facebook escancarava, com argumentos sólidos e linguagem sóbria, os perigos que rondam a liberdade de opinião e o direito à informação no mundo digital, Moraes fingiu ignorá-lo: olhos grudados na tela do laptop, o Supremo Inquisidor seguiu desferindo socos na gramática e na ortografia usando o teclado como arma. Minutos mais tarde, o presidente Barroso ressalvou aos representantes das empresas ameaçadas que aquilo não se tratava de um interrogatório. “O senhor fique tranquilo, que não é uma inquirição”, acabara de dizer Barroso quando se ouviu o aparte grosseiro: “Ainda…”, avisou Moraes. Barroso deveria mostrar de alguma forma que não endossava o deboche autoritário. Em vez disso, gargalhou.
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Augusto Nunes foi didático com um artigo onde o recurso do emprego de perguntas penetra na alma do arbítrio. Destaco uma delas, que atinge o homem que atribuiu a si o poder absoluto: (…) Pode qualquer ministro do Supremo Tribunal Federal… ‘desempenhar simultaneamente os papéis de vítima, detetive, delegado, promotor, juiz e carcereiro’. Vou repetir as atributos que Moraes se vale ao colocar a toga sobre os ombros: VÍTIMA, DETETIVE, DELEGADO, PROMOTOR, JUIZ E CARCEREIRO. Ou seja, pode tudo! Pode tudo até quando?