A Organização das Nações Unidas adora super-heróis. Em 2016, apontou a Mulher-Maravilha como “embaixadora honorária para o empoderamento de meninas e mulheres”. Na semana passada, o secretário-geral da ONU, António Guterres, desempenhou o papel de cavaleiro de armadura depois de vociferar contra os “milênios de patriarcado”.
Isso mesmo: a ONU está celebrando seu principal líder por destacar que vivemos em um “mundo dominado por homens com uma cultura dominada por homens”. Guterres é o nono homem a ocupar a função de secretário-geral da ONU; nunca houve uma mulher no cargo. Isso torna a condenação dele sobre a dominação masculina um pouco ridícula.
[ccj id=”oeste-blocker-2″]
Faz um tempo que Guterres fala sobre igualdade de gênero. No começo de 2020, ele se gabou de ter conquistado a paridade de gêneros entre os cargos seniores na ONU e se comprometeu a estabelecer equilíbrio de gênero na instituição toda até 2028. Uau.
Essas tentativas feitas por “homens desconstruídos” de cair nas graças das feministas de rede social não são apenas constrangedoras; elas também podem ser perigosas. Ao aplaudir a ONU por ter um líder que sabe dizer todas as coisas certas sobre gênero em uma coletiva de imprensa, ou que consegue colocar o Dia Internacional da Mulher nos trending topics todo 8 de março, nós ignoramos o fato fundamental de que instituições como a ONU não têm interesse real em efetuar o tipo de mudança de que as mulheres precisam se forem realmente lutar contra a desigualdade.
Os comentários de Guterres condenando o patriarcado foram feitos durante uma reunião virtual com “representantes de mulheres da sociedade civil”. O foco principal era a ideia de que questões como o racismo, a discriminação contra pessoas com deficiência e um aumento de casos de gravidez na adolescência são provas de que os direitos das mulheres estão sendo “revertidos”.
Condenar o patriarcado é tão perigoso quanto leite morno hoje em dia
Ainda existem países que são dominados por homens e que acreditam na subjugação de mulheres, então Guterres está certo em alguns sentidos. Mas seus comentários claramente não têm como objetivo específico os sexistas na Arábia Saudita nem os políticos contra o direito de escolha de abortar na Polônia. Não, a condenação preguiçosa e genérica do “patriarcado” na verdade é uma forma de tentar a sorte com várias sociedades, e com os homens em geral, enquanto as pessoas são pressionadas a tomar cuidado com sua linguagem e mudar seu comportamento.
Assim, no começo deste ano a ONU publicou uma série de orientações sobre como lutar contra a cultura dominada pelos homens que instrui os cidadãos globais sobre a maneira certa de falar uns com os outros sem ser machistas. “Obrigado às mulheres por tornar o ambiente mais belo” não é algo que você deveria dizer a mulheres, de acordo com as Nações Unidas. Pelo jeito, isso é sexista. Na versão em inglês do texto, em vez de “feito pelo homem”, deveríamos dizer “causado pela humanidade”. As orientações também fornecem uma “caixa de ferramentas” para os usuários e conselhos sobre dedicar “três horas de estudo” para aprender a não ofender a delicada sensibilidade feminina.
Guterres não é nenhum herói por exigir o fim da “dominação masculina”. Condenar o patriarcado é tão perigoso quanto leite morno hoje em dia. É praticamente obrigatório para figuras públicas. O feminismo se tornou tão mainstream que se espera que os líderes de instituições globais não democráticas sejam aplaudidos por mulheres que vivem na pobreza por tuitar sobre o machismo global.
A verdade é que a ONU provou, repetidas vezes, não fazer ideia do que as mulheres de fato querem e precisam para melhorar sua qualidade de vida. Durante a pandemia da covid-19, a instituição postou uma série de tuítes sobre amamentação, lembrando às mães que não desistissem de dar o peito mesmo que estivessem suando de febre por causa da doença.
A pandemia exacerbou as desigualdades em países onde as mulheres são tratadas como cidadãos de segunda classe
Mas talvez a ideia mais irritante impulsionada por Guterres e seus fãs seja a de que as mulheres se sentiriam muito melhor se houvesse um pouco de batom nos cargos de liderança. A ideia de que dirigentes mulheres — como Jacinda Ardern, Tsai Ing-Wen e Angela Merkel — fizeram um trabalho melhor durante a pandemia está muito difundida agora. Aparentemente, sua empatia, compaixão e processo de decisão baseado em evidências as tornam líderes melhores que os homens. Ninguém apontou outros fatores muito mais importantes nos países governados por essas mulheres, como os altos níveis de riqueza e o acesso a recursos de que essas nações gozam. Em vez disso, essas líderes são celebradas porque, pelo jeito, são mais legais. São menos “populistas”, preferem o consenso ao conflito etc.
As mulheres não precisam de líderes mais femininas e gentis — nós precisamos de uma mudança real, concreta. A pandemia da covid-19 exacerbou as desigualdades em países onde as mulheres ainda são tratadas como cidadãos de segunda classe. Ela também revelou problemas subjacentes, mesmo em países como o Reino Unido, onde as mulheres são basicamente tratadas de modo igualitário. As mães sofreram um golpe e tanto durante o lockdown e, com muita frequência, enfrentaram um aumento nas pressões relacionadas à educação dos filhos, ao trabalho doméstico e, claro, à vida profissional.
O acesso a certos tipos de serviço de saúde — incluindo o cuidado com o aborto e tratamentos de fertilidade — foi reduzido como resultado das medidas de lockdown. O isolamento dificultou muito a busca de ajuda por mulheres em relações abusivas. Trabalhadores da área de saúde e limpeza — na maioria, mulheres — estiveram na linha de frente desta pandemia com sua contribuição realmente heroica e, no entanto, ainda recebem péssima remuneração.
As mulheres precisam de uma mudança, não de palavras vazias vindas de homens que tuítam sobre o patriarcado no conforto de suas instituições oligárquicas. Se vamos exigir a liberdade das mulheres no “novo normal” que agora habitamos, então vamos parar de falar sobre ideias fictícias como heróis e o patriarcado vilanizado, e começar a empoderar as mulheres para exigir mais qualidade de vida.
Leia também o artigo “Hoje é o passado do futuro”, de Dagomir Marquezi
E, ainda, “Covardes, medrosos e mimados”, de Bruno Garschagen
Ella Whelan é colunista da Spiked e autora de What Women Want: Fun, Freedom and an End to Feminism.
Essa ONU ainda é aquela criada para cuidar da boa convivência entre as nações? Ou isso não importa mais? Agora é “Cada um para si e Deus para todos”?
A autora defende às mulheres o direito de abortar em detrimento ao direito à vida de um terceiro (o ser humano intrauterino)!!! Tá tão perdida quanto a ONU!
Convenhamos, há muito tempo a ONU deixou de ser amiga da humanidade…
“Mas seus comentários claramente não têm como objetivo específico os sexistas na Arábia Saudita nem os políticos contra o direito de escolha de abortar na Polônia.” Situações completamente diferentes. O artigo é interessante, mas a autora joga displicentemente o “direito dê escolha de abortar” como se fosse um ponto óbvio, pacífico. Não é. Esse não é um direito de ninguém, porque esbarra no direito de outro ser humano à vida. A ONU não é amiga das mulheres; já a autora é amiga, mas só das mulheres já nascidas.
Antonio Gramsci na veia: mensagens maxistas subliminares em conteúdos aparentemente corretos.