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Edição 28

Um Orçamento que trava o país

Gastos obrigatórios fazem com que o orçamento público não tenha espaço para investimentos. A saída possível exige disciplina fiscal e reformas

Fábio Silvestre Cardoso
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Uma conta que não fecha.

Essa pode ser a síntese de um diagnóstico mais profundo dos impasses fiscais que assolam o Brasil. E o que já é muito ruim poderia ser ainda pior, não fosse a emenda constitucional que, desde 2016, estabelece um teto para os gastos públicos. Mas mesmo recentemente já existe quem queira tirar esse componente de cena, prova de que, como disse certa feita o ex-ministro Pedro Malan, “no Brasil, até o passado é incerto”.

A polêmica mais recente em torno do Orçamento ficou por conta da proposta enviada pelo governo federal no último dia de agosto. De acordo com a equipe econômica, o ajuste a ser considerado no próximo ano tem a ver com o orçamento discricionário, que, em português, significa o gasto não obrigatório. Embora pareça algo lateral, são justamente esses recursos que fazem o governo governar, conforme explicou o economista Fabio Giambiagi na live do Instituto Fiscal Independente do dia 9 de setembro.

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Mas, se essa fatia do Orçamento é tão importante, por que seria preciso cortá-la?

A resposta repousa no fato de que essa é a categoria de recurso que ainda permite algum tipo de controle em meio a gastos que se avolumam ao longo dos anos. Para que se tenha uma ideia, só falando a respeito do funcionalismo público (isto é, com trabalhadores na ativa e aposentados), o gasto do governo só faz crescer, numa escalada que é tão certa quanto perigosa.

A defesa em torno da necessidade desse ajuste não tem a ver necessariamente com a crise econômica provocada pela covid-19. Conforme escreve o economista Maílson da Nóbrega no prefácio do livro Contas Públicas no Brasil (organizado por Felipe Salto e Josué Pellegrini), é mesmo possível fazer o resgate dessa discussão quando ainda eram inexistentes os mecanismos de controle que hoje estão em operação.

A Constituição engessa o Orçamento

Celebrada como mudança decisiva na trajetória dos direitos no país, a Constituição Federal de 1988 impacta, e muito, no aumento dos gastos públicos. Nas palavras de Maílson da Nóbrega, “legítimos anseios […] induziram os constituintes a criar e aumentar despesas permanentes, sem atinar com suas consequências fiscais”.

O modo como a Constituição Federal promove isso faz lembrar o velho ditado de que o diabo mora nos detalhes.

Para entender como se faz o Orçamento, é necessário atentar para a tríade orçamentária, formada pelo Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). O PPA, o primeiro desses três instrumentos, tem por objetivo cuidar das metas de médio prazo da administração pública. Já a LDO apresenta as políticas públicas e as prioridades do ano seguinte. E a LOA funciona no sentido de calcular as fontes de recursos públicos bem como quem são seus beneficiários. Vale a pena ressaltar que erros de projeção podem fazer com que haja a necessidade de solicitar crédito ao Congresso ou mesmo contingenciamento de gastos.

Este ano, com a Lei nº 13.978, de 17 de janeiro de 2020, o presidente da República fez valer que a receita da União para o exercício financeiro estava no montante de R$ 3.686.942.055.917,00 (três trilhões, seiscentos e oitenta e seis bilhões, novecentos e quarenta e dois milhões, cinquenta e cinco mil, novecentos e dezessete reais), fixando, por conseguinte, a despesa em igual valor.

Convém assinalar que a sanção não dependeu exclusivamente da vontade do presidente da República. O Congresso Nacional é parte decisiva na construção do Orçamento, uma vez que, a partir de uma série de debates, chega a um acordo acerca de quais são as prioridades para o ano seguinte.

Nesse ponto, é igualmente relevante ressaltar a “regra de ouro”, que impede o governo de contratar dívidas para quitar despesas correntes, como salários e custeio da máquina pública.

Previsão para 2021

Para o ano de 2021, o governo federal enviou sua proposta ao Congresso há algumas semanas. Em meio à recessão provocada pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus, a sugestão de cortes recai onde há espaço para limitar os gastos, ou seja, nas despesas não obrigatórias. Os investimentos em educação, pesquisa científica e até mesmo em infraestrutura, elementos vitais para o desenvolvimento do país em longo prazo, sofrem por conta da rigidez dos gastos obrigatórios, como o pagamento da dívida pública, da aposentadoria, dos salários dos servidores e das transferências que a Constituição garante para Estados e municípios.

 

As despesas obrigatórias, ou 94% dos gastos da União, estarão num patamar acima da inflação em 2021.

De 2019 para 2020, por exemplo, o aumento da despesa total foi de R$ 672 bilhões para R$ 943,5 bilhões. Levando em conta o mesmo período, a receita total sai de R$ 788 bilhões para R$ 657 bilhões.

Quando se observam os dados disponíveis do Boletim do Resultado do Tesouro Nacional, considerando o mês de dezembro de 2019 em comparação ao mesmo período do ano anterior, os custos só aumentaram. Apenas em relação aos benefícios previdenciários, se em dezembro de 2018 o total estava na casa dos R$ 620 bilhões, em 2019 o valor era de R$ 639 bilhões. Já em relação às despesas discricionárias, o aumento foi na faixa de R$ 30 bilhões.

Alternativas

As alternativas aos cortes em investimentos a um só tempo necessários e que contam com a estima da opinião pública passam por uma transformação decisiva do Estado brasileiro. As reformas representam o caminho mais viável, se não para eliminar o impasse do Orçamento, ao menos para estabelecer condições para que a projeção de gastos não fique tão engessada.

E a boa notícia é que já existe a percepção favorável junto à opinião pública brasileira no que diz respeito à necessidade de alterar as estruturas do serviço público no país. Levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria mostra que 70% dos entrevistados acreditam que a baixa qualidade dos serviços públicos se deve à má utilização dos recursos.

Existe, ainda, a alternativa de incrementar a arrecadação, de modo a fazer crescer a receita. Mas será que os brasileiros aguentariam mais impostos? Estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação mostra que, em 2020, os brasileiros trabalharam de 1º de janeiro até 30 de maio para pagar impostos, taxas e contribuições.

Para além das paixões ideológicas de turno, parece existir consenso de que a administração pública no país pode ser mais eficiente.

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