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Edição 31

Para onde vai o Supremo

Superexposição de ministros e nova formação da Corte sinalizam mudanças em julgamentos – e prenunciam mais embates

Silvio Navarro
Wesley Oliveira
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Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Barroso, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Lewandowski, Fachin e Rosa Weber. E agora Kassio Nunes Marques. É possível – e bem provável – que uma enorme parcela dos brasileiros hoje saiba de cor os nomes dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas desconheça a escalação completa da nossa seleção de futebol ou do seu time do coração.

Trata-se do retrato de um país no qual os supremos magistrados nunca estiveram tão à vista da opinião pública – embora apenas um deles, o atual presidente da Corte, Luiz Fux, seja, de fato, juiz de carreira.

Essa superexposição dos ministros ganhou contornos midiáticos em 2012 no julgamento da Ação Penal 470, que condenou a quadrilha do mensalão. À época, o Brasil descobriu o canal público TV Justiça e acompanhou as 53 intermináveis sessões que julgaram os 38 réus como se fosse uma Copa do Mundo. Os 11 togados se tornaram figuras conhecidas – para o bem ou para o mal –, e suas decisões viraram temas de debates em padarias e mesas de bares.

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“No passado, havia embates no Supremo, rivalidades e até discussões que, na falta de transmissão pela TV Justiça ou de atenção da imprensa, não ganhavam espaço. A transmissão das sessões permitiu que essas discussões em órgãos colegiados fossem acompanhadas e se potencializassem com a pauta da criminalidade política. O julgamento do mensalão expôs rivalidades e gerou uma percepção na opinião pública de politização de processos criminais sensíveis. E vimos alguns desses embates se repetir quando a Lava Jato dividiu a Corte”, afirma o jornalista Felipe Recondo, que acompanha o Judiciário há duas décadas e é autor do livro Os Onze – O STF, Seus Bastidores e Suas Crises (Companhia das Letras, 2019).

Soma-se a isso a crescente participação da sociedade nas redes sociais nos anos seguintes. A enxurrada de críticas às decisões do Supremo, aliás, degenerou numa questionável investigação, batizada de “inquérito do fim do mundo”, destinada a apurar o disparo das chamadas fake news contra as “11 ilhas”, como são apelidados os gabinetes dos ministros nos arredores da Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Na semana passada, uma afirmação de Luiz Fux jogou luz justamente sobre esse ponto: o tribunal terá menos decisões monocráticas daqui para a frente, na esteira da repercussão negativa da canetada de Marco Aurélio Mello pela soltura de um perigoso narcotraficante que chocou o país. No caso “em tela”, como dizem os bacharéis em Direito, há, inclusive, suspeitas de que escritórios de advocacia impetraram pedidos de liberdade de criminosos à espera do sorteio do “ministro certo” para ser o relator – ou seja, se o nome não agradasse, o pedido era retirado.

“O Supremo do futuro sobreviverá realizando apenas sessões plenárias. Será uma Corte de voz unívoca. Em breve, ‘desmonocratizaremos’ o STF para que as suas decisões sejam sempre colegiadas, numa voz uníssona daquilo que a Corte entende sobre as razões e os valores constitucionais”, disse Fux durante o seminário virtual “STF: presente, passado e futuro”, da TV ConJur.

Fonte: Supremo Tribunal Federal
Fonte: Supremo Tribunal Federal

A declaração provocou a ira dos demais integrantes, especialmente de Gilmar Mendes. “Respeitem um pouco a inteligência alheia, não façam muita demagogia e olhem para os próprios telhados de vidro”, disse, em alusão a uma decisão de Fux sobre a concessão de auxílio-moradia a juízes em 2014 – revogada por ele mesmo quatro anos depois.

Nos bastidores do Judiciário, a avaliação é que Fux pretende ser lembrado como o presidente do Supremo que dará sobrevida à Operação Lava Jato, alvejada em recentes decisões da Segunda Turma do STF. A afinidade com os investigadores da força-tarefa de Curitiba (PR) não chega a ser novidade: ele foi citado nas supostas conversas dos procuradores roubadas por hackers: “In Fux we trust”, teriam escrito os integrantes do Ministério Público.

“A posse do ministro Fux é muito auspiciosa porque a sociedade espera que ele restaure a legitimidade da Corte, tão abalada nesses dois anos pelos desmandos do seu antecessor, Dias Toffoli. Fux teve uma conduta irrepreensível até agora em defesa das vítimas da corrupção no país e a favor da Lava Jato. Suas primeiras medidas foram muito positivas para acabar com esses currais de habeas corpus, embora ele enfrente a resistência dos chamados garantistas, que nada mais são do que garantidores do crime”, avalia o jurista Modesto Carvalhosa, um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

NOVA ILHA

Novo ministro Kassio Nunes Marques | Marcos Oliveira/Agência Senado

Quando se sentou à mesa da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, às 8h12 da última quarta-feira, 21, o desembargador Kassio Nunes Marques, o primeiro nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o STF, demonstrava a tranquilidade de quem tinha a garantia de que lhe sobrariam votos dos parlamentares para assumir a cadeira deixada pela aposentadoria de Celso de Mello neste mês.

Nunes Marques tem 48 anos e, desde 2011, atua no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede em Brasília, por indicação de Dilma Rousseff, o que gerou críticas de largada na própria base bolsonarista. Entrou na chamada cota de vagas para profissionais da advocacia. Piauiense de Teresina, foi advogado por 15 anos e integrou a Comissão Nacional de Direito Eleitoral e Reforma Política da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do seu Estado.

Há dois meses, o desembargador fazia campanha na OAB para que o seu nome constasse da lista de cotados para a sucessão de Napoleão Nunes Maia Filho no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esperava um voo mais baixo, é fato. E, desde então, o desembargador tentava uma agenda com o presidente Jair Bolsonaro. O encontro aconteceu, organizado pelo conterrâneo Ciro Nogueira, senador do PP, no início de setembro. “Kassio tinha ido ao Palácio do Planalto para pleitear a vaga para o STJ. Porém, o presidente gostou dele e acabou optando pela vaga para o STF. Nem ele acreditou”, afirma um interlocutor do futuro togado.

No dia 29 de setembro, o presidente levou Nunes Marques para jantar na casa de Gilmar Mendes. Além deles, estavam presentes Dias Toffoli e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Não foi o único encontro: também se reuniu com a senadora Kátia Abreu (PP-TO) e com o líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Todos toparam.

Após dez horas de uma “sabatina” na última quarta-feira na qual somente três senadores se prestaram a fazer questionamentos sérios – Oriovisto Guimarães, Jorge Kajuru e Alessandro Vieira –, Nunes Marques deixou a comissão sorridente com o placar favorável de 22 votos a 5. Metade do caminho estava percorrida. Ainda naquela noite, o plenário da Casa chancelou a indicação por 57 votos a 10.

Foi o resultado de um teatro pouco republicano no âmbito da desejável independência dos Poderes da República, segundo o qual o postulante ao STF tradicionalmente bate à porta dos gabinetes dos “sabatinadores” às vésperas da sessão para apresentar seu cartão de visita – e oxalá seja somente isso que ocorra entre quatro paredes. Nunes Marques terá uma trajetória de quase 27 anos na Corte se quiser (até os 75 anos, conforme a regra em vigor) para engrandecer sua biografia. É o que o Brasil espera e precisa.

Até julho do próximo ano – a menos que o imponderável nos surpreenda –, a escalação do Supremo Tribunal Federal está novamente completa.

(Colaboraram nesta reportagem Branca Nunes e Artur Piva)

Cinco barracos supremos do Supremo Tribunal Federal

Gilmar Mendes X Joaquim Barbosa

Durante um julgamento no STF, ao divergir de Gilmar Mendes, então presidente do Supremo, Joaquim Barbosa soltou frases como “Vossa Excelência está destruindo a Justiça desse país”, “Saia à rua, ministro Gilmar” e “Vossa Excelência, quando se dirige a mim, Vossa Excelência não está falando com os seus capangas de Mato Grosso”

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Ricardo Lewandowski X Joaquim Barbosa

Durante o julgamento dos recursos dos condenados no processo do mensalão, Joaquim Barbosa acusou Ricardo Lewandowski de fazer “chicana” (no jargão jurídico, a expressão indica uma manobra para dificultar o andamento de uma ação). “Peço que Vossa Excelência se retrate imediatamente”, indignou-se Lewandowski.

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Gilmar Mendes X Ricardo Lewandowski

Ricardo Lewandowski se irritou com Gilmar Mendes depois que o ministro pediu vistas durante o julgamento de um processo sobre a legalidade de contribuição previdenciária sobre gratificações temporárias. “Eu, graças a Deus, não sigo o exemplo de Vossa Excelência em matéria de heterodoxia”

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Gilmar Mendes X Luís Roberto Barroso

Num dos mais pesados bate-bocas entre ministro do STF, Luís Roberto Barroso disparou contra Gilmar Mendes: “Nós prendemos, tem gente que solta”. No contra-ataque, Gilmar rebateu: “Vossa Excelência, quando chegou aqui, soltou o José Dirceu”.

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Gilmar Mendes X Luís Roberto Barroso

“Você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”, disse Luís Roberto Barroso para Gilmar Mendes, durante um julgamento do STF em março de 2018. “Vossa Excelência nos envergonha. Vossa Excelência é uma desonra para o Tribunal. É muito penoso para todos nós termos que conviver com Vossa Excelência aqui”.

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14 comentários
  1. Henrique Ribeiro
    Henrique Ribeiro

    Brilhante Junior , infelismente é isso mesmo

  2. Anselmo Cadona
    Anselmo Cadona

    òtima reportagem, é sempre bom recordar os 11 pavões que temos no STF.

  3. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Poderia ter mais juízes de carreira. Como está uma desmoralização, pois tudo tem que ser articulado com pessoas influentes para o preenchimento do cargo que não exige voto nem concurso. Qual o mal em nomear mais um juiz de carreira experiente e que não tenha ligações políticas e mafiosas? Não existe um sistema mais democrático e republicano para nomeações de ministros do STF?

  4. Luciano
    Luciano

    Prezados, salvo engano, Rosa Weber também é juíza de carreira.

  5. Braz Valentim Bortolozo
    Braz Valentim Bortolozo

    O povo não quer o fim do STF, mas sim o fim desses atuais ministros da “suprema” corte.

    O $TF é a pior instituição brasileira e é motivo de vergonha nacional e internacional para o povo brasileiro.

  6. José Carlos Barbério
    José Carlos Barbério

    Vou-me embora pra Passárgada,lá Não serei amigo do rei! (Censura não! Nunca disse isso!

  7. José Carlos Barbério
    José Carlos Barbério

    Vou-me embora pra Passárgada,lá Não serei amigo do rei!

  8. Júnior
    Júnior

    Prezados, infelizmente as chamadas “redes sociais” tiraram o povo das ruas. ” (…) a crescente participação da sociedade nas redes sociais (…) a enxurrada de críticas às decisões do Supremo(…)” meus caros, não servem na prática para absolutamente nada. Aqui se trata de uma indignação virtual , portanto sem substância, sem matéria, abjeta. Esse suposto clamor das redes não afeta Ministros e Políticos , não há o cara a cara, o olho no olho , o choro da indignação , os cartazes escritos em casa com os filhos, as carreatas e bizinaços ou panelaços. 2013 , pelo que se vê , será substituído ( se já não foi) pelas críticas contundentes na internet , às vezes grosseiras, memes sempre engraçados e pior: debates calorosos nos comentários das revistas onde leitores se digladiam com os comentários dos outros e não com o objeto da publicação. Alguém em sã consciência acredita que Alcolumbre, Maia, Gilmar Mendes e outros estão preocupados com esse mal fadados “clamor das redes”? Nada! Esse afrontamento virtual só divide e é exatamente essa a antiga estratégia: dividir para enfraquecer. Nunca acreditei na expressão “redes sociais”. Ninguém se socializa de longe. É um engodo necessário ao distanciamento. Distanciamento que na verdade já existe à tempos , sem corona vírus, pois, estamos agora terceirizando nossa indignação para hologramas e vozes que se perdem nesse abstrato mundo da internet onde o contato físico foi substituído pela impessoalidade.
    Me lembro de uma brasileira que viu o tal Gilmar Mendes numa rua no centro de Lisboa e foi enfrentá-lo perguntando se ele não tinha vergonha na cara, dentre outras coisas. Aqui nas redes nada substituirá a atitude dessa brasileira, pois nossa arena é só a virtual, onde somos bravos corajosos. Para além do inquérito do fim do mundo agora nos resta o STF do fim do mundo. Um mundo que é somente deles : Ministros de si próprios construtores dessa distopia a que estamos condenados.

    1. Rosa Benatti
      Rosa Benatti

      Junior parabéns e obrigada pelo texto.Você expôs tudo que está ocorrendo em nosso país .

      1. Juliano Ferreira Faria
        Juliano Ferreira Faria

        Excelente!

    2. Maurilo Moura
      Maurilo Moura

      Comentário muito oportuno e verdadeiro. A pergunta que fica é: como saímos deste embrolio com a juventude que temos hoje? Pois a meu ver, somente eles fazem número e vão à rua combater e podem dar efetiva contribuição. Os ” velhos” (como eu) não conseguimos mais, por mais que queiramos, perdermos o poder de “fogo” . Triste!!

  9. Felice Preziosi
    Felice Preziosi

    A grande verdade:
    Temos o STF que criamos por fecharmos os olhos às coisas importantes e por aquilo que a imprensa vendida nos mostrou.
    Agora que abrimos os olhos estamos indignados
    Vamos ter que fazer muito mais que simplesmente ficar indignados
    Lamentavelmente, a historia nos ensina que não existe país moralmente, socialmente e economicamente certe que não tenha vivido tempos de sangue nas ruas. Não desejo isso, mas……………..

  10. RONALDO BARRETO LEITE
    RONALDO BARRETO LEITE

    Meu caro Sílvio, não deixe essa excelente revista se transformar em imprensa chapa branca.

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