Pode ser que em outros países haja alguma lógica por trás de toda loucura. Não é o caso do Brasil. Porque é uma loucura sem vestígios de lógica o tratamento áspero dispensado por tantos nativos do País do Futebol ao maior jogador de todos os tempos. Nunca se viu nem se verá algo parecido, penso ao revisitar Pelé Eterno, o admirável documentário de Aníbal Massaini lançado em 2004. Meu irmão Ricardo Setti sugeriu que a CBF presenteasse todos os argentinos com cópias do filme. Vale a pena anexar à lista de agraciados todos os brasileiros com mais de 5 anos de idade.
Espantosamente, não são poucos os compatriotas que insistem em confundir Edson Arantes do Nascimento com Pelé, e atribuem equívocos eventualmente cometidos por sua camuflagem humana à entidade de tal modo misteriosa que a nenhum mortal será dado decifrá-la. Essa miopia impede que se enxergue o abismo sideral que separa um deus atemporal do mineiro de Três Corações que está completando 80 anos de vida.
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Em qualquer país, as filas de espectadores ansiosos pelas imagens de Pelé Eterno se teriam estendido por centenas de quilômetros, provocando assombrosos engarrafamentos humanos — e ai de quem traísse algum indício de contrariedade, porque o mais dissimulado sinal de insatisfação haveria de configurar uma afronta intolerável aos milhões de súditos mobilizados para a reverência coletiva ao monarca. Mas o Brasil não é um país qualquer. Vi o filme cinco vezes. Em todas sobravam lugares nas salas.
O país em que Lula virou campeão de popularidade prometendo o impossível tratou com indiferença o filme que mostra um gênio fazendo o impossível — e mais um pouco. Se o protagonista fosse Maradona, por exemplo, os cinemas da Argentina estariam com lotação esgotada até 2050, e futuros avós disputariam a socos e pontapés um ingresso para o neto que nem nasceu. Mas o Brasil não é para amadores, ensinou Tom Jobim. Pelé foi acusado de demagogo por ter pedido mais atenção para as crianças na noite do milésimo gol. Lula, um gigolô de adultos infantilizados pela idiotia, especializou-se na repulsiva exploração da ignorância de gente para quem a vida consiste em não morrer de fome.
O Atleta do Século tinha equilíbrio de ginasta, rapidez de velocista, força de decatleta, resistência de maratonista
O inventor de jogadas irrepetíveis é cobrado por qualquer miudeza, e se expunha a zombarias quando escorregava no inglês. O estadista de galinheiro continua assassinando o português sob aplauso dos áulicos, e foi reverenciado como inimputável até que a Lava Jato desmontou o maior esquema corrupto de todos os tempos e um juiz corajoso engaiolou o vigarista que desonrou a Presidência da República.
Pelé Eterno mostra quase 400 gols e dezenas de jogadas inverossímeis do Rei sem rivais nem herdeiros. Graças ao documentário, os que não viram num estádio a lenda em ação foram obrigados a render-se às imagens surreais. O Atleta do Século tinha mesmo equilíbrio de ginasta, rapidez de velocista, força de decatleta, resistência de maratonista, coragem de brigador de rua. Com pouco mais de 1,70 metro, chegava mesmo a altitudes inatingíveis para os pobres gigantes que tentavam impedir a cabeçada letal. Aquele jogador nascido destro aprendera mesmo a usar a perna esquerda com tamanha eficiência que as plateias acabaram esquecendo qual fora a escolha original da natureza.
Devolvidos ao passado pelas imagens resgatadas por Aníbal Massaini, os que viram ao vivo Pelé jogando enfim puderam ter certeza de que o que parecia um sonho havia acontecido de verdade. Existiu mesmo uma divindade contemplada com o arranque de Garrincha e a ginga de Muhammad Ali, capaz de levitar e mover-se no espaço como Nureyev, flutuar sobre os adversários como Michael Jordan, dissimular os movimentos seguintes como um Marlon Brando e manter todo o tempo o gramado inteiro sob a estreita vigilância de quem alcançava, com olhar de fera, o milagre dos 360 graus.
Que Maradona, que nada. Como comparar qualquer outro ao craque que ganhou a primeira Copa do Mundo aos 17 anos — e nos 17 seguintes seria titular absoluto da seleção brasileira? E faria 1.281 gols? E provaria com gols que por muito pouco não fez — como aquela cabeçada defendida pelo goleiro inglês Gordon Banks, ou aquele chute cruzado depois da finta mágica no uruguaio Mazurkievski — que pode haver no futebol a imperfeição mais que perfeita? Como pôde haver um camisa 10 capaz de apressar o imediato cessar-fogo entre tropas que preferiram perder a guerra civil a perder uma apresentação do Rei, e adiaram ataques inadiáveis para vê-lo atacando, solitário e invencível, a grande área inimiga?
A versão humana do mágico incomparável está festejando o 80º aniversário. Em homenagem ao supercraque imortal, Pelé Eterno deveria ser reapresentado uma vez por semana em todas as cidades e todos os lugarejos do Brasil. E todo vivente deveria ser instado por lei a esquecer ao menos por um dia inquietações de todos os gêneros para viver duas horas de deslumbramento numa sala escura. Porque ver Pelé em campo é ser feliz.

Augusto, em 1958 eu tinha sete anos e vi o Pelé jogar. Os jogos do meu time eu não fazia questão de assistir, mas os jogos do Santos eu não perdia para ver Pelé jogar. Quando ficam tentando fazer essas comparações dele com os outros, eu nem perco mais tempo em tentar convencê-los. Eu lembro o que vi…
Parabéns Augusto Nunes por enfatizar os méritos de um jogador ,que foi o melhor do século num campo de futebol !
Essas proezas precisam ser enfatizadas sempre !
UAU! S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L.
Augusto Nunes, me emocionei com sua definição do Rei. Estava no Maracanã, quando do milésimo gol e antes num outro jogo, que infelizmente não me lembro, presenciei da arquibancada um lance inusitado, que até hoje ninguém fez. Uma falta aconteceu em Pelé, próxima ao meio campo, a bola estava fora do campo, o juiz apitou para que fosse cobrada a falta e deu as costas para onde estava a bola e Pelé percebendo que ele não estava vendo, cobrou a falta, com a BOLA FORA DO CAMPO. Não sei se isso foi comentado por algum jornalista na época.
Parabéns Augusto Nunes. Complemento que o documentário deveria ter na apresentação o seu brilhante e justo artigo.
Belo artigo como de costume! Indo agora ver documentários e imagens do Rei!
Brilhante texto, parabéns Augusto
VIVA O REI, PELÉ ETERNO
Beleza de texto, Augusto querido. Sim, também acho indispensável separar Edson de Pelé. Ontem, vi e ouvi Edson criticar os atuais jogadores por olharem apenas para a bola e e não mais além. E soltou esta pérola: “Se o goleiro tiver um ataque do coração, eles vão perder a chance de fazer o gol”, algo nesses termos. O inconsciente vazou: o goleiro não precisa ser socorrido nem em casos assim, goleiro é para tomar gol, mesmo à hora da morte. Também pesa a súplica da filha produzida fora do casamento, que queria apenas o reconhecimento do pai, não a partilha do patrimônio. Mas dentro de campo, nem Garrincha superou Pelé. E, claro, muito menos Maradona, que, para mim, é o terceiro melhor do mundo. Maradona não é nem vice nessa classificação. Pelé e Garrincha estão acima dele.
Inesquecível, grandioso Pelé. Tem também as picardias que fazia de quando em quando. Vi um jogo em que ele afanou a bola da mão do goleiro adversário e fez o gol. Anulado, com justiça, mas valeu a troça.
Pelé, o maior de todos, um artista no esporte. A melhor e única definição de craque.
Consta entre os amantes da Arte levada ao extremo a seguinte estória:
Um dia, Deus desceu à Terra e decidiu: “Vou jogar futebol”. Vestiu um manto negro, assumiu a forma humana e decidiu chamar-se “Pelé”. E desde então, jamais se viu algo parecido, ou próximo de o ser.
Quando eu era menor, meu pai, vascaíno do tempo do “Expresso da Vitória”, levava-me aos jogos do Santos, não interessava quem fosse a vítima. Fosse Bangú, América, Fluminense, Vasco, Flamengo, qualquer um. Meu pai dizia: “Vamos ver o Pelé jogar”. E continuava: “Repara como ele não arqueia a coluna, não baixa a cabeça, e perceba a calma e gentileza com a bola”. De fato, Nelson Rodrigues vaticinava: “A bola lambe os pés de Pelé como uma gata no cio”. Gata feliz.
Obrigado pelo texto, e pelas lembranças do maior artista brasileiro de todos os tempos.
aQUI VAI, NA MINHA MODESTA OPINIÃO O RANKING DE MAIORES JOGADORES DE FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS:
PRIMEIRO LUGAR………….P E L É
SEGUNDO LUGAR………….TODOS OS DEMAIS CHAMADOS DE CRAQUE
BOM DIA A TODOS.
ALERTA! Se voce tiver algum compromisso nos próximos 15 minutos, NAO aperte o “Play” no video acima… é impossível parar de ver antes do final!
Vertiginoso, viciante, uma máquina do esporte…
Que coisa incrível! Que homenagem mais merecida!
Beleza de texto e de homenagem! Vou assistir.
Bela e genial sua homenagem, Augusto, ao eterno Rei Pelé.
Felizes somos nós, mais velhos, que pudemos vê-lo ao vivo; uma dádiva de Deus.
Parabéns pelo maravilhoso texto e pelas imagens fantásticas do Rei Pelé !
Augusto. Muito bom separar Pelé de seu nome Edson. Mas você, meu caro, nasceu neste país, como eu, e conhece bem as diferenças entre radicalismo pobre e pensamento assertivo! Pelé, gênio, Viva!
Brilharemos um dia quando parte d nosso cotidiano refletir o q foi nosso futebol inimitável do passado
Diz a lenda, perguntado em entrevista ao futebolista húngaro Puskas um excepcional jogador do Honved (Hungria), Real Madrid e seleção húngara campeã olímpica de 1952, qual na opinião dele seria o melhor jogador do mundo, ele respondeu “DI STEFANO”, o entrevistador arguiu ” e o PELÉ”, ele replicou “PELE está acima dessas comparações ele é incomparável”. Embora nao sendo torcedor do Santos assisti ao vivo jogos deslumbrantes desse fenômeno chamado mundialmente de PELE ” O ETERNO”
Vi Pelé em campo, na TV e no filme, afortunado que sou. Presenteei com o DVD Pelé Eterno um grande amigo argentino, que sempre dizia que “el Negro” foi mesmo o maior de todos no futebol. Se cada jogo (e drible, jogada, gol, chute, etc) de Pelé fosse televisionado como hoje, os jovens entenderiam o que ele representa
Sublime, Augusto ! Parabéns!
Eu tive o prazer de acompanhar o Pelé
desde 58, quando o Brasil ganhou o
primeiro título do mundo.
Para quem fica endeusando os craques
de hoje, pergunto: quem foi o único
jogador de futebol que ganhou TRÊS
copas do mundo ?
Caro Augusto, muito boa essa sua atitude de repetir o artigo que escreveu anos atrás. Não há em todo o Brasil um único “jornalista esportivo” que tenha a capacidade de escrever com tamanha qualidade.
Bestas quadradas do porte de um Juca Kfouri, de um André Rizek, de um Milton Neves, de um Mauro Cezar, de um Renato Maurício Prado e tantos outros espalhados pelo país, devem estar se mordendo de tanta inveja. Nada lhes resta senão aprender e aplaudir.
Como Corinthiano que sou e ciente de que você é Palmeirense, endosso suas palavras e agradeço por brindar os brasileiros torcedores de todos os times com um artigo que deve ser impresso e emoldurado para que saibam quem foi o Pelé . Em campo ele teve um único defeito, o de não estar vestindo a camisa do meu time (ou do seu e de qualquer outro).
Acho que já está mais do que na hora de fazer um novo filme, dessa vez narrado em Inglês e com legendas em vários idiomas, para que os que não tiveram a felicidade de ver Pelé jogar parem de querer chamar Maradona, Messi, Cristiano Ronaldo, Ronaldinho, Ronaldo Fenômeno, Zidane e outros, de G.O.A T. (Greatest of All Time). São todos seus humildes súditos.
Parabéns pelos seus 80 anos, ETERNO REI PELÉ!