Encontro entre duas autoridades sócias da vacina chinesa.
— Olá, governador.
— Olá, prefeito.
— Linda sua máscara.
— São seus olhos.
— Não, são os seus. A sua máscara deixa os seus olhos apertados, fica parecendo alguém que não estou conseguindo lembrar quem é.
— O Xi Jinping?
— Exatamente! Já te disseram isso, né?
— Já. Mas não por causa da máscara. Me compararam com o presidente chinês quando falei que tranco tudo de novo.
— A política é cheia de sacrifícios, mas tem essas compensações. Um prefeito comparado com um presidente…
— Dá orgulho mesmo. Mas acho ele fraco.
— Ele quem?
— O Jinpa.
— É o apelido dele?
— Sei lá. Eu que chamo assim. Não gosto de dar muita importância pra concorrente.
— Concorrente? Não é parceiro?
— Por enquanto, é. Mas, se tudo continuar indo bem, eu engulo ele.
— Você acha que da sua base municipal consegue fazer frente à China?
— Fazer frente, não. Vou engolir esses caras. Escreve o que eu tô te falando.
— Senti firmeza. E por que você acha o Jinpa fraco?
— Olha só: Jinpa quem fala sou eu, que sou malandro. Você todo Mauricinho aí tem que falar os nomes certos, senão ninguém acredita.
— Tem razão. Reformulando então: onde você viu fraqueza no homem mais poderoso do mundo?
— Ele vacila.
— Como assim?
— Como é que eu, vivendo num lugar que dizem que é democracia, tranco tudo, boto lei seca, toque de recolher e o cacete, e esse cara chefiando a maior ditadura do mundo deixa funcionar internet?
— Ah, não é assim não, prefeito. O negócio ali é mais complexo.
— Complexo eu resolvo com tapa na cara.
— Não estou falando de “complexo” como tipificado por Freud, estou…
— Esse aí era outro frouxo.
— Tá, depois a gente fala do Freud. Não estou falando de complexo, estou falando de complexidade. A dinâmica da gestão é complexa. É importante deixar um pouquinho de internet sim, e lá é tudo vigiado. É uma porcaria de internet. Acho que o Jinpa, quer dizer, o presidente está corretíssimo.
— Deixa de ser burro, companheiro. Com uma ditadura brutal na mão, que faz inclusive sumir gente, tu precisa deixar um pouquinho de internet pra quê? Acaba logo com a porra toda.
— Não é tão simples. Tem observadores internacionais.
— Observador que não observa nada, porque o cara não deixa.
— Mas um país que consegue vaga no Conselho de Direitos Humanos da ONU tem que ter umas gracinhas democráticas pra mostrar.
— Tô dizendo que é fraco. Como é que um monstro desses vai se meter em frescurada de direitos humanos?
— Se não fizer isso não aparece em revista ocidental como moderninho. Aí em vez de impor lockdown e vacina fantasiados de ética sanitária, teria que controlar o povaréu na marra.
— Qual é o problema. Não é assim na China?
— É, mas o mundo não é a China. Ainda.
— Na minha terra eu fiz cara feia e mandei todo mundo pra dentro de casa senão eu ia prender e arrebentar, e deu certo.
— É porque você tem carisma.
— Obrigado. Você também é lindo.
— Poderoso.
— Empático.
— Guloso.
— Absoluto.
— Chinesão.
— Chinesão é você.
— Eu ficaria o dia inteiro nesse colóquio sublime, mas tenho que dar uma entrevista pra aterrorizar um pouco mais a população, senão o pessoal relaxa.
— Sei como é que é. Aviso logo que estou mandando cavar mais alguns milhares de valas, pra acalmar a gentalha.
— Acalmar?
— É. Depois de um certo nível, o pavor acalma.
— Que lindo. Nunca tinha pensado nisso. Você tão rude e tão poético…
— Para. Não vamos começar de novo.
— Tira só a sua máscara um pouquinho pra eu ver a sua cara de mau.
— De jeito nenhum. Segundo a OMS, o contágio se dá…
— Cala a boca, bobo. Não tem ninguém olhando.
— Ah, tá. É o costume.
— Ufa, também vou tirar um pouco a minha. Tá quente aqui dentro.
— Com a vacina acaba isso.
— Falar na vacina, a sua equipe tá toda pronta?
— O pessoal da saúde?
— Não, os advogados.
— Sim, todos a postos.
— Perfeito. Aqui também. Como o laboratório por contrato não pode ser responsabilizado por efeitos colaterais, e nós só estamos aplicando a vacina, a disputa vai ficar entre quem certificou e quem tomou.
— Exato. Eles pensam em tudo.
— Depois a gente vem com a obrigatoriedade e acaba com essa fofoca.
— Por isso que eu amo a China. Lá é tudo obrigatório e não tem fofoca nenhuma.
— Se perguntar sobre segurança da vacina versus taxa de letalidade da covid vai pro divã do dragão chinês.
— Ali todos os problemas se acabam.
— A gente chega lá.
— No divã?
— Não, no dragão.
Leia também nesta edição o artigo “Uma seita chamada covid”, de J. R. Guzzo
25 comentários
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Fiuza, você é demais!!!
Se eu fosse aquele teu personagem , diria “te amo”.
Fiuza, fico ‘perplexa’ com a genialidade dos seus textos. Esse está o máximo. A tragédia com muito humor.
Belo texto Fiuza
Gosto mais das tuas críticas ácidas aos
políticos ineptos e corruptos desse
país.
Abração, Fiuza !
Esses sócios do Jimpa tem mesmo que ser ridicularizados! O pior é que estão chegando lá! O povão, morrendo de medo, não reage a esse escárnio e tá só esperando a m….. chinesa se concretizar de vez!
Concordo!
Fiuza é Fiuza!
Sensacional! Cáustico! Sarcástico! Te amo!
Muito bom, descreve perfeitamente os dois ditadores em tópico.
Impagável, Fiúza
simplesmente hilário.
Jinpa!!!! Kkkkkkkkkkkkkkk
Sensacional Fiuza…. Consegui imaginar o Ditadorzinho da calça apertada conversando com o malandrão de BH… hahaha
Top Fiuza !
Mais uma excelência do Fiuzza .Retrato da mediocridade da politica.
¨Merece uma versão em mandarim…Parabens
Muito Bom.
O prefeito kalifa não perde por esperar…
Revista Oeste e Fiúza é outro PATAMAR,rs,rs,rs,
Fiuza, você é demais cara !! Eu já o li e ouvi tantas vezes e esse poço não seca ? Sensacional!!
Excelente!
Fiuza mais uma vez foi brilhante.
Parabéns!
Simplesmente perfeito… Fiuza.
Kalixo e Doriana, tão caricaturais que chega a ser patético! Só faltaram as “oveias” que elegeram os caras.
Brilhante e irônico.
Brilhante, espetacular e sarcástico. Parabéns Fiuza.