Gostar ou não gostar de Elon Musk não faz mais diferença. Esse homem rechonchudinho e meio atrapalhado que vai completar 50 anos no ano que vem já mudou profundamente nossa vida. Está resolvendo problemas que pareciam insolúveis. Ninguém no planeta está pensando mais longe do que ele. Como se não bastasse tudo isso, Musk ainda é amigo do Homem de Ferro.
Início da década de 1980. O garoto de 10 anos lê absorto o romance Fundação, do escritor de ficção científica Isaac Asimov. O livro descreve uma civilização que luta para sobreviver e se perpetuar em meio à degradação e extermínio. Fundação ficou gravado na memória do menino. É claro que ele nem imaginava o que lhe aconteceria nas próximas quatro décadas.
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Elon Reeve Musk nasceu em Pretória, na África do Sul, em 28 de junho de 1971. Muita gente já havia lido Fundação antes dele, mas ninguém mais transformou o romance em um objetivo de vida. Elon cresceu em condições financeiras difíceis, no meio de um caldeirão de conflitos raciais. Seu pai era engenheiro elétrico e sua mãe uma ex-modelo e especialista em dietas. Para piorar as coisas, a cara de bebê e o jeito de nerd fizeram de Elon uma vítima permanente de bullying na escola.
Lia muito. Às vezes, dois livros por dia. Chegou a um ponto em que não restou mais nada a ser explorado na estante de casa nem na biblioteca da escola. E Elon passou a ler a Enciclopédia Britânica, verbete por verbete. Aos 10 anos, apaixonou-se pela primeira vez — por um computador Commodore, que viu num shopping de Johannesburgo. Aos 12, ganhou o equivalente a US$ 500 quando vendeu sua primeira programação para um video game, que chamou de Blastar. (O game ainda pode ser jogado na internet.)
Em 1989, aos 17, Elon Musk mudou-se por conta própria para o Canadá. Morou em casas de parentes distantes. Topou fazer trabalhos braçais por US$ 18 a hora. Matriculou-se na Queen’s University, em Ontário. Em 1994, ele e seu irmão Kimbal compraram um BMW usado e rodaram pelo coração da América.
Nessa viagem, os irmãos Musk perceberam claramente que o futuro tinha um nome: internet. Mudaram-se para o Vale do Silício e criaram (com US$ 28 mil herdados do pai) o Zip2. Era um simples diretório de negócios do tipo lista telefônica on-line. Elon dormia num saco no chão e fazia todas as suas refeições no Jack in the Box. No ano seguinte, a Zip2 foi vendida à Compaq. Musk saiu da transação com US$ 22 milhões. Comprou um apartamento e uma McLaren de US$ 1 milhão. Tinha 28 anos.
O passo seguinte foi criar, em 1999, o XCom, um dos pioneiros entre os bancos on-line — que acabou sendo comprado pelo gigante PayPal. Onze anos depois de deixar seu quartinho modesto em Pretória, Elon Musk tinha US$ 180 milhões no banco. Em 2000, casou-se com a ex-colega de faculdade Justine Wilson. E se permitiu uma folga para a lua de mel. A primeira parte foi no Brasil. A segunda, numa reserva ambiental sul-africana. Elon pegou uma forma letal de malária que o levou rapidamente a um estado terminal. No país em que nasceu, quase morreu. Sua recuperação total levou meio ano.
Em junho de 2001, Elon fez 30 anos e entrou em crise. Depois da experiência de quase morte, resolveu voltar às origens e pôr em prática o que havia lido vinte anos antes no Foundation de Asimov. Ele era movido pelo propósito de transformar a raça humana numa espécie multiplanetária. Juntou-se ao grupo Mars Society, dedicado à colonização do planeta vermelho. No jantar de iniciação, Musk (magérrimo como um esqueleto por causa da malária) doou US$ 100 mil ao grupo. E rapidamente percebeu que aquele pessoal era devagar demais para seu ritmo. Criou então a Life to Mars Foundation. Logo, a nata da engenharia espacial (meio abandonada pela Nasa na época) começou a bater na sua porta.
Àquela altura, Elon Musk já tinha um plano detalhado para a colonização de Marte. Previa criar um oásis de vida no planeta vizinho, preparando a futura chegada dos primeiros seres humanos (que somariam 1 milhão em meio século). Para concretizar seu plano, em outubro de 2001 embarcou para a Rússia com o propósito de negociar o orçamento de uma frota de foguetes. Achou caro demais. No avião de volta, mostrou aos associados uma planilha com detalhes de custos para um programa espacial próprio. Elon não precisava dos russos. Ele mesmo construiria sua frota espacial.
Para isso, fundou, em junho de 2002, a Space Exploration Technologies — mais conhecida como SpaceX. Musk queria fazer com que viagens espaciais se tornassem mais rentáveis, constantes e ágeis do que as promovidas por agências estatais como a Nasa. Em 24 de março de 2006, o primeiro foguete Falcon 1 (homenagem à série Star Wars) foi lançado da Ilha de Kwah, a 3.700 quilômetros a nordeste da Austrália. Explodiu. Musk já previa, por estatística. Menos da metade dos lançamentos iniciais é bem-sucedida.
Sua vida particular sofreu um duro golpe quando Nevada, seu primeiro filho, morreu, com 10 semanas de idade. Elon nunca mais quis falar sobre o assunto. Ele e Justine optaram pela inseminação artificial. Tiveram gêmeos em 2004 (Griffin e Xavier) e trigêmeos em 2006 (Damian, Saxon e Kai). Neste ano nasceu um sexto filho, batizado de X (primeiro nome) X Æ A-Xii (nome do meio) Musk (sobrenome).
Elon é alguém com quem o Homem de Ferro provavelmente sairia e iria a festas
Ainda em 2006, investiu (junto com os primos Lyndon e Peter Rive) US$ 10 milhões na empresa SolarCity Corporation, que fornece energia solar em alta escala a casas, negócios e governos. Em 2003, outro dos “projetos para mudar o mundo” de Elon Musk se tornara realidade. A empresa chamada Tesla nasceu com dois objetivos: popularizar de vez os carros elétricos e, consequentemente, deixar o mundo menos dependente do petróleo.
Musk coordenou a criação de quatro modelos na Tesla para competir diretamente no mercado com os carros convencionais. O mais caro é o modelo S, capaz de rodar com uma única carga 647 quilômetros — um pouco menos do que a distância entre São Paulo e Florianópolis. Um carro Tesla é uma espécie de computador sobre rodas com capacidade para assumir alguns comandos automáticos de segurança. Seu software é atualizado via internet. Pelo aplicativo do celular, o proprietário pode conferir como estão a bateria e o sistema de segurança do veículo. Já estão circulando 350 mil Teslas na América do Norte, na Europa, no leste da Ásia e na Oceania.
Logo em seu lançamento, o Tesla S foi avaliado pela revista Consumer Reports como “o melhor carro jamais construído”. Mas produzir o melhor carro de todos os tempos era pouco para Musk. Ele também ajudou a criar, com a empresa Nikola, um mercado de caminhões de alta tecnologia, movidos a eletricidade e células de hidrogênio. O duplamente homenageado Nikola Tesla (1856-1943) foi um sérvio, pioneiro na invenção dos motores elétricos.
O mito de Elon Musk começava a ultrapassar a própria realidade. Em 2007, a produtora Marvel se preparava para trazer seus super-heróis de volta às telas. O primeiro filme da série enfocava outro empresário ousado, genial e indisciplinado: Tony Stark, o Homem de Ferro. Para se inspirar, o ator Robert Downey Jr. foi até a sede da SpaceX e fez um tour acompanhado do próprio Elon Musk. Downey Jr. saiu de lá impressionado. Contou ao diretor do filme, Jon Favreau, que “Elon era alguém com quem Tony provavelmente sairia e iria a festas”.
A arte imita a vida, que imita a arte. Quando Iron Man virou um imenso sucesso de bilheteria, Elon Musk contratou o designer Jose Fernandez, que havia criado a armadura do Homem de Ferro no filme, para desenhar o macacão a ser usado nas naves da SpaceX. Em 2010, numa cena de Iron Man 2, Tony Stark cumprimenta Elon Musk, que faz uma ponta (no minuto 26). “Esses motores Merlin são fantásticos”, elogia Stark. “Obrigado”, responde Musk. “Estou pensando em criar um avião elétrico.” “Então vamos fazer com que aconteça”, replica Stark. O plano para o avião elétrico é real. E os Merlin, elogiados por Stark, são os motores usados na SpaceX. (O clipe de Homem de Ferro 2 pode ser visto aqui.)
Depois de contracenar com Robert Downey Jr. (além de Gwyneth Paltrow e Scarlett Johansson), Musk resolveu levar vida de celebridade. Fez aparições na série The Big Bang Theory e num dos filmes Men in Black. Morou em Bel Air (Los Angeles), vizinho do produtor Quincy Jones, e passou a frequentar a vida social de Hollywood. Tornou-se, em suas próprias palavras, “10% playboy, 90% engenheiro”. Elon decidiu que valia a pena sacrificar horas de trabalho em festas em que Leonardo DiCaprio poderia implorar por um dos seus carros.
Em 28 de setembro de 2008, o Falcon 1, construído pela SpaceX, conseguiu decolar. Tornou-se a primeira máquina construída por uma empresa particular a entrar em órbita. Foi o dia em que começou, na prática, a privatização da corrida espacial. O sucesso do Falcon abriu a porta da SpaceX (que caminhava rumo à falência) para um contrato de US$ 1,6 bilhão com a Nasa.
Ao mesmo tempo (sempre ao mesmo tempo), Musk começou a trabalhar em novos projetos mais “terrestres”. Como o Hyperloop, um trem a vácuo capaz de se deslocar a 1.200 quilômetros por hora, que poderia ligar São Paulo e Rio em 21 minutos. Em 2016, ajudou a fundar o Neuralink, que trabalha na criação de chips para ser instalados diretamente no cérebro de seres humanos. Esse processo pode devolver movimento aos desabilitados, visão aos que não enxergam, e assim por diante.
Em 2018, Musk lançou a mais inusitada ação de marketing jamais realizada. Para testar seu SpaceX Falcon Heavy, colocou um carro Tesla Roadster vermelho no segundo estágio do foguete. No banco do motorista, um manequim vestido de astronauta. O manequim foi apelidado de Starman. Lançado ao espaço, continua correndo no vácuo a 38 mil quilômetros por hora, a caminho de Marte. Se não se chocar com nenhum asteroide, nem derreter com as mudanças bruscas de temperatura, o Tesla vermelhinho poderá entrar na órbita do sol e “rodar” por milhões de anos. (As imagens iniciais da viagem de Starman no seu carro espacial estão no YouTube.)
A revista Fortune deste dezembro elegeu Elon Musk o empresário do ano de 2020. A Tesla é hoje uma empresa que vale US$ 520 bilhões, mais do que a soma de Ford e General Motors. Com patrimônio calculado pela Bloomberg em US$ 128 bilhões, Musk é hoje a segunda pessoa mais rica do mundo. (O mais rico é Jeff Bezos, da Amazon, com US$ 185 bilhões.)
“Musk é o homem foguete, o homem de ferro, o salvador dos pecados de uma indústria automobilística fossilizada”, escreveu a Fortune em seu perfil. “É o empreendedor que transmite sua ambição, que tem aptidão executiva para tornar o impossível, possível. […] Mas pergunte a executivos qual CEO causa maior vergonha e o nome de Musk também aparece em primeiro lugar. Para alguns, ele é um vigarista, um brigão, um messias tóxico que não aceita críticas.”
Ele tem 40,6 milhões de seguidores no Twitter e às vezes posta o que não deveria. Como quando tuitou que o preço da ação da Tesla estava alto demais, “em sua opinião” — o que fez o valor da empresa cair US$ 14 bilhões. Sua reputação entre os “progressistas” foi bombardeada quando disse que o pânico causado pelo coronavírus era “idiota” e declarou que poderia votar pela reeleição de Donald Trump. Musk já se definiu “socialmente muito liberal e economicamente à direita do centro. Ou seria no centro? Eu não sei. Obviamente, não sou um comunista”.
Deixou claro que era indomável (como Tony Stark) quando foi entrevistado no popular podcast de Joe Rogan em 2018. Fumou sem cerimônia no ar um grande cigarro de maconha misturada com tabaco. O ato provocou reações contrárias na Nasa, na Força Aérea norte-americana e na SpaceX. Musk lembrou que a transmissão havia sido realizada no Estado da Califórnia, onde o consumo de Cannabis é completamente legal. Mesmo assim, as ações da Tesla caíram 9% depois dessa entrevista. E logo em seguida subiram. E não pararam mais de subir. Só no último ano, cada ação valorizou-se 780%.
Não é fácil trabalhar ao seu lado. Dos cinco executivos que iniciaram a Tesla, só restou ele. “Existe uma cultura do medo”, contou um antigo alto funcionário da empresa. “Qualquer um pode ser demitido a qualquer momento. Ele é o homem no topo. Ele é o rei. Pode decapitar quem ele quiser.” A Fortune encontrou muitos críticos de Musk. Mas ninguém que tenha se arrependido de trabalhar com ele. “Para mim, é como tirar um som com Eddie Van Halen”, declarou o ex-chefe de recursos humanos da Tesla e da Neuralink (e músico) Rik Avalos.
Bilionários como Bill Gates (agora em terceiro lugar no ranking dos mais ricos) usam sua fortuna para distribuir caridade. Elon Musk cria dinâmicas cadeias de trabalho que se multiplicam pelo mundo. E mais: inventa atividades econômicas. Recentemente atacou a cultura elitista do big business dizendo que há MBAs demais no comando das empresas. Sugeriu que os CEOs deveriam gastar “menos tempo em reuniões, menos tempo em apresentações de Power Point, menos tempo em planilhas e mais tempo no chão de fábrica ou em contato com os clientes”. Conforme informou a coluna de Rodrigo Constantino na edição anterior, Musk decidiu fugir das políticas suicidas implantadas pelos governantes esquerdistas do Estado da Califórnia e fixar-se no Texas.
Com que ainda pode sonhar um homem realizado como Elon Musk? “Eu gostaria de morrer em Marte”, declarou há muitos anos. “Não quero morrer com o impacto. […] Quando tiver uns 70 anos, quero ir para lá e ficar.”
Leia mais sobre Elon Musk e seus empreendimentos:
“Tesla vai ao Texas”
“Nos encontramos em Marte”
[…] também: “O empreendedor mais arrojado do mundo”, artigo de Dagomir Marquezi publicado na Edição 39 da Revista […]
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Viajei na reportagem. Muito boa a estória.
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Elon Musk é o melhor exemplo de um visionário. Porém, visionário que torna realidade seus sonhos. É o Midas que saiu da mitologia para o mundo real.
Daqui a alguns anos seu carro será o
mais vendido do mundo.
Interessante texto sobre Elon Musk. Valeu a leitura.
Gostaria de transcrever aqui um trecho do livro TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS, de Adam Smith, pois acho que faz algum sentido com o texto em questão: “O velhaco industrioso cultiva o solo, o bom homem indolente o deixa sem cultivo.Quem deve passar fome, quem deve viver em abundância? O curso natural das coisas decide em favor do velhaco, os sentimentos naturais da humanidade em favor do virtuoso.O homem julga que as boas qualidades de um são excessivamente recompensadas pelos benefícios que tendem a lhe proporcionar, e que as omissões do outro são punidas com demasiada severidade pela aflição que obviamente lhe causam; e as lei humanas, consequência dos sentimentos humanos, privam o diligente e cauteloso traidor de sua vida e posses (estate) enquanto dão extraordinária recompensa à fidelidade e espírito público do bom cidadão, o qual, no entanto, é imprevidente e descuidado”.
Muito bom,temos muito desse tipo aqui,mas…estão há 1 ano sem ir às aulas.
Muito bom!!
Artigo formidável a respeito de um homem excepcional. Leitura agradabilíssima, Marquezi. Meus cumprimentos a você e à revista Oeste.
Sensacional, Dagomir. Seus textos são inspirantes!
Excelente
Matéria muito elucidativa a respeito da vida de Musk, suas obras e contribuições relevantes para o avanço científico-tecnológico da humanidade.
Camarada genial e excêntrico!
Parabéns, Marquezi, pelas informações.
Excelente artigo. O mundo precisa de pessoas como Musk.