Aquele que é o mais belo dos Evangelhos registra uma frase de Jesus Cristo que deveria ser repetida todas as manhãs por todo ser humano: “No mundo tereis aflições” (João, capítulo 16, versículo 33). A sociedade contemporânea, no entanto, parece empenhada em eliminar as aflições de nossa vida. Buscamos total segurança. Não queremos ser surpreendidos por intempéries, acidentes, epidemias. Uma vez asseguradas as necessidades básicas, o Ocidente passou a almejar a garantia do risco zero. Para tanto, delegou ao Estado o controle da ordem geral, dos códigos sociais, das regras de relacionamento interpessoais. Como resultado, temos um arcabouço institucional que exerce um nível mais elevado de intromissão do que as monarquias do ancien régime.
A operacionalização desse sistema de controle está nas mãos de tecnocratas. Esses técnicos, supostamente experts em suas áreas de atuação, na prática mandam mais que muitos dos líderes democraticamente eleitos. É o tecnototalitarismo em ação. A tendência é notável não apenas em organizações transnacionais, mas até em governos que tentam criar mecanismos de defesa contra a ameaça. Na reportagem de capa “O novo totalitarismo”, a editora Branca Nunes e o repórter Artur Piva explicam como e por que a pandemia exacerbou o fenômeno. Eles vão fundo ao discutir a ideologia do lockdownismo, e escrevem: “A imposição dessas medidas restritivas parecem menos um erro gigantesco e mais o desdobramento de uma ideologia política fanática, um experimento político que ataca as premissas centrais da democracia e da civilização ocidental.”
O culto a um modelo de sociedade coordenado por uma tecnocracia centralizada está presente também no novo livro de Bill Gates, How to Avoid a Climate Disaster (“Como Evitar um Desastre Climático”). Para Gates, as mudanças climáticas são uma grande oportunidade de negócios — até aí, a leitura macro do quadro parece liberal, até mesmo libertária —, mas as soluções passam por algo como um “projeto global”. No capitalismo verde de Gates, como mostra Tim Black, da Spiked — revista britânica com a qual Oeste tem parceria exclusiva no Brasil —, observam-se preocupantes tons ditatoriais.
No Brasil, sem exageros, é possível estabelecer um paralelo entre o momento pelo qual passamos e a época em que o AI-5 vigorava. “É claro que não há gente presa de madrugada nem centros de tortura operados por funcionários do governo; não há censura oficial à imprensa, e os atos da autoridade pública estão sujeitos à apreciação da Justiça”, diz J. R. Guzzo. “Mas as liberdades individuais e coletivas estão sob uma onda de ataques mais viciosos, dissimulados e amplos do que aqueles que qualquer ditadura costuma praticar.”
Curioso é que a intelectualidade não demonstra desassossego com essa conjuntura. Os cérebros da academia brasileira estão mais empenhados em propagar discursos identitários que reverberam o radicalismo cada vez mais assombroso dos progressistas norte-americanos. Nesse aspecto, é um espanto o projeto de lei de Joe Biden sobre “identidade de gênero” e orientação sexual — eis a tecnocracia metendo o bedelho nas relações sociais. Com a reconhecida competência, a analista política Ana Paula Henkel ocupa-se do tema.
Será que há razões para cultivar alguma esperança? Mesmo os céticos talvez devam lembrar como termina o 33º versículo do capítulo 16 do Evangelho de João: “Tende bom ânimo. Eu venci o mundo.”
Boa leitura.
Os Editores.
Augusto Nunes folga nesta edição. Volta a publicar normalmente na semana que vem.
Caro Heitor, você testemunhou a fala ?
Jesus não disse que devemos ceder as aflições. A cada dia me arrependo de ter assinado isso. Realmente quero contato para ter meu dinheiro de volta.
Sugestão: releitura da obra A Rebelião das Massas, de José Ortega Y Gasset. Mais atual do que nunca! Daria um belo artigo!
Sem Augusto Nunes? Aahhh
A CARTA AO LEITOR da Oeste sempre é uma pérola.
parabéns à Revista Oeste. É um alívio saber que ainda podemos contar com uma imprensa profissional dedicada à informação honesta dos fatos. sabemos que cada colunista tem seu vies de pensamento mas ninguém tente criar narrativas falsas. é bom ler as diversas opiniões e depois ficar com a nossa mais apurada.
A vida é uma roleta onde apostamos tudo. Lembra da música cafona antiga? E não sou cachorro não!
Os Três Poderes estão subestimando a população séria e honrada deste País. Quando o povo tiver certeza que a pandemia estará controlada fará os maiores movimentos de protestos que já se viu na história. Estão esperando uma oportunidade para peitar muita gente que se acha poderosa e invencível. Eu particularmente estou com a sensação que algo grande acontecerá. Apesar de que o problema de saúde estará instalado por mais tempo do que imaginam os “especialistas”. Enfim, nunca vi os políticos trabalharem tanto – e sob pressão.
Somos mortais. A história sempre teve seus contratempos. Ou enfrentamos com o que temos, ou estamos fadados a morrer sem lutar . Tempos Totalitários somos apenas bonecos.
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