Em meio às manchetes olímpicas do placar do vírus na pandemia e do noticiário com as tragédias que nos assaltam todos os dias, o brasileiro também se acostumou a ler diariamente: “O STF decidiu hoje que…”. São as já rotineiras imposições do Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Judiciário do país, erguido para ser o guardião da Constituição, mas que, por força dos seus onze iluminados, se tornou um balcão para qualquer coisa. Ocorre que essa “qualquer coisa” tem custado cada vez mais caro para a nossa jovem democracia e as liberdades individuais.
Não, não é exagero. No mês passado, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, intercalou sua análise sobre crimes de lavagem de dinheiro e corrupção de engravatados com o arquivamento de um inquérito contra uma paraibana de 52 anos, da cidade de Monteiro, acusada de furtar um pedaço de queijo numa padaria — ele acatou o habeas corpus da Defensoria Pública. O que o caso demonstra, para além da burocracia judiciária? Que o STF, hoje, tem poder decisório sobre tudo e pode invadir barreiras quando bem entende — e isso não tem sido nada bom para a ordem institucional.
Seguem abaixo alguns exemplos.
1) A reviravolta da prisão em segunda instância
Para muitos juristas conceituados no país, a decisão do plenário do STF de novembro de 2019 segundo a qual é necessário trânsito em julgado de uma ação para o cumprimento da pena é um marco da impunidade no país. Na ocasião, votaram a favor desse entendimento os ministros Marco Aurélio Mello (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Desse quinteto, o então decano Celso de Mello se aposentou, dando vaga a Kássio Nunes, que rapidamente se alinhou aos demais em votos subsequentes.
Desde então, prevaleceu o entendimento de que a execução da pena (artigo 283 do Código de Processo Penal) viola o princípio da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal). Vale lembrar que a decisão beneficiou a banca dos advogados de defesa de condenados como Lula, José Dirceu e outros 5 mil bandidos trancafiados por crimes diversos.
“O maior dano do STF à Nação foi a decisão sobre a prisão após trânsito em julgado. É um caso único no mundo, da Somália à Suécia, em nenhum lugar existe isso. Criaram-se no Brasil o paraíso do crime e a ditadura do STF”, avalia Modesto Carvalhosa, um dos maiores juristas do país e um dos autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff.
2) Pandemia e judicialização da saúde: todo o poder aos governadores e prefeitos
Em abril do ano passado, em decisão unânime, o Supremo delegou aos governadores e prefeitos o poder de baixar medidas restritivas no combate à pandemia. Foi essa canetada que descortinou o lado autoritário de dezenas de eleitos pelo país e realçou no mapa cidades como Araraquara, no interior de São Paulo, onde o prefeito petista Edinho Silva trocou o uniforme de tesoureiro de partido corrupto pelo de czar da Rodovia Washington Luís. O coração financeiro e mais importante Estado do país copiou Araraquara.
A decisão do STF ainda causou confusão e ampliou a guerra política sobre a compra de vacinas contra a covid-19: governadores como João Doria (SP) tentam, dia após dia, emplacar a imagem de que lutaram para obter vacinas ante a demora do governo federal. Mais: impõem lockdowns severos que castigam a economia local e multiplicam desempregados sem CPF cadastrado na fila do auxílio emergencial, insistindo numa bula ineficaz de combate à propagação do vírus chinês.
3) Usina de HCs e a soltura de André do Rap
Já foi até piada, mas é verdade: quando a Operação Lava Jato ou o Ministério Público e a Polícia Federal conseguiam, finalmente, prender um corrupto, o STF soltava — se caísse no gabinete do ministro Gilmar Mendes era ainda mais rápido. O melhor exemplo é o empresário Jacob Barata Filho, do ramo de transportes públicos no Rio de Janeiro, suspeito de integrar um esquema de desvio de R$ 260 milhões. Gilmar Mendes mandou soltá-lo três vezes. Na época, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou à ex-presidente do STF Cármen Lúcia uma solicitação para que os pedidos de habeas corpus (HCs) de Barata não parassem mais na mesa de Mendes. Motivo: Gilmar era padrinho de casamento da filha de Barata e mantinha longa amizade com a família.
Outro fato estridente foi a soltura do narcotraficante André do Rap (André Oliveira Macedo), um dos líderes do PCC, pelo ministro Marco Aurélio Mello. Segundo o novo decano da Corte, após o término do prazo de 90 dias, a prisão preventiva se torna ilegal — mesmo que se trate de um dos maiores criminosos da América.
“Iniludivelmente tem-se preceito que atende, em primeiro lugar, a dignidade do homem, do custodiado, que não pode ser jogado, ao que o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo disse, às masmorras, esquecido como se animal fosse”, disse o ministro, citando o ex-ministro da Justiça de Dilma Rousseff, o deputado petista Cardozo.
O fato é que a libertação de um bandido de altíssimo calibre deixou dúvidas sobre a maneira como os pedidos de habeas corpus são sorteados na Corte — e como isso determina o desfecho deles.
4) Prisão do deputado Daniel Silveira e o inquérito do fim do mundo
Há quase 20 dias, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) está preso pela publicação de um vídeo na internet com ofensas grosseiras ao STF. A história é bem conhecida: o presidente da Corte, Luiz Fux, não gostou do que viu e encaminhou o material ao colega Alexandre de Moraes, relator do inquérito sem pé nem cabeça das Fake News (ou inquérito do fim do mundo, como é chamado em Brasília). Sem escopo claro, sem respaldo do Ministério Público e criado para servir de colete à prova de críticas ao STF, o inquérito tem sido usado como ferramenta de intimidação e prisões arbitrárias, como foi a de Silveira.
O deputado foi detido “em flagrante delito” com base na Lei 7.170/83, um entulho da ditadura militar que sobreviveu à Constituição de 1988. No vídeo de péssimo gosto, o deputado ataca os ministros e defende o Ato Institucional Nº 5, uma ferida que jamais deveria ser revisitada no retrovisor da história do país. Preso e abandonado pelos seus pares na Câmara, pediu desculpas. Mas, a despeito da conduta equivocada, que deveria ser analisada pelos caminhos do Legislativo, o episódio virou um exemplo do autoritarismo do Olimpo do STF e segue encarcerado.
“Temos o primeiro preso político do país desde a redemocratização. Em que pesem as loucuras que o deputado falou, a democracia é um regime que admite críticas a ela. Essa é a diferença entre democracia e autoritarismo. O contrário é o que acontece em Cuba ou na Venezuela”, afirma Modesto Carvalhosa.
Para muitos deputados com mais de um mandato, a decisão de Alexandre de Moraes, combinada previamente e referendada pelo plenário da Corte, pôs uma faca no pescoço dos parlamentares — e pelo menos um terço dos eleitos tem rabo preso com denúncias aqui e ali.
5) As intervenções no poder econômico
Não bastasse tudo isso, os ministros do STF são chamados para resolver sobre o bolso do pagador de impostos, royalties estatais, fundos de previdência e a agenda de privatizações — foi necessário o aval dos magistrados para dar sequência à privatização da Casa da Moeda, do Serpro, entre outros dinossauros da União, por exemplo.
“O risco institucional é a incerteza do cumprimento das regras entre as partes. Diante do ativismo político do STF nos últimos tempos, esse risco entrou no radar dos investidores, trazendo impactos econômicos para a população”, diz o economista Alan Ghani, doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na Universidade do Texas em San Antonio.
Para Ghani, outra interferência suprema recente foi a proibição de que Estados e municípios cortem salários de servidores durante a pandemia. “A decisão é um tapa na cara dos trabalhadores da iniciativa privada que perderam seu emprego ou tiveram que reduzir seus salários, por meio de acordos, para manter a sua sobrevivência.”
Em 2020, o ano que não acabou, o Supremo proferiu 99,3 mil decisões. É provável, muito provável, que boa parte delas tenha colaborado só para desorganizar o país.
11 de Togas que deixam uma nação de 220 milhões de 4.
Por que ordens do executivo são desmoralizados pelo judiciário e ordens do judiciário são cumpridas à risca mesmo que completamente arbitrárias e inconstitucionais? Quem cumpre esse tipo de ordem também é cúmplice. Deveriam deixá-los falando sozinhos e batendo seus martelos como loucos. O único caminho que vejo é a desobediência ao poder judiciário. São loucos que não receberam um só voto querendo mandar.
Deveriam ficar falando sozinhos.
Melhor comentário que já li em qualquer mídia. Parabéns, Vanessa.
O senado tem que aprovar em bloco a destituição de todos os nomeados e criar novas regras para o STF…Enquanto isso não acontecer,ficaremos á mercê dos advogados nomeados pelos corruptos para exercerem o cargo de ministros do STF…A bem da verdade,o modelo dessa suprema corte, institucionaliza a defesa da corrupção e a impunidade dos crimes praticados pelos políticos,durante o exercício do mandato…Em alguns casos,essa corte transforma-se em um imenso balcão de negócios…Os escritórios de advocacia,mantidos pelos conjugues dos togados,fervilham de processos que pagam honorários bilionários,pelas supremas decisões…
Acho que dá para citar bem mais de 5 vezes. O fato é que isso tem que acabar! melhor será se acontecer com a ação do covarde e ineficiente Senado. Esperaria até uma reação dentro da própria corte, mas o ministro Fux acendeu uma chama de esperança e lobo também se acovardou diante do imperador Gilmar. Infelizmente vê-se cada vez mais comentários como a intervenção militar, novo AI-5 e revolta popular armada nas redes sociais. Isso é fruto do desespero que acomete a população que acaba vendo nessas, soluções melhores do que a de se submeter a esses canalhas apátridas e tiranos que assolam o Brasil.
Lendo seu artigo na quarta-feira, 10 de março. Imagine o que estou pensando e sentindo, não apenas como cidadã, mas também como profissional do Direito. Perdi totalmente a esperança de que algo ilumine aqueles corações e mentes. Mas tenho um mau pressentimento, acho que eles estão estressando demais a corda. Tudo tem limite.
Nada é tão ruim que não possa piorar.
Isso vem de longe, Silvio, pelo menos desde a Ação Penal 470 (Mensalão), quando o STF (já com o Barrosão, aquele que quer “empurrar” a história), em sede de esdrúxulos embargos infringentes, eximiu aqueles acusados do crime de formação de quadrilha. E não esqueçamos das barbaridades praticadas em face do boquirroto ex-Procurador-Geral Rodrigo Janot (que teria cometido pretenso crime de ameaça contra Gilmar Mendes, por alegados atos meramente preparatórios, e sobre o que ninguém mais comenta). Os morcegos de toga são muiiiito deletérios à estabilidade jurídica e à imagem do Judiciário, com o beneplácito interesseiro do Congresso, e da grande mídia, bem como do seu Aras (indicado por quem, por quem???), que nada faz para conter os sucessivos abusos de autoridade de certo ministros.
Quando é que ficaremos livre desse lixo imprestável chamado sft?
Impedimento, suspeição e imparcialidade são totalmente esquecidos pelos ministros. Pré-julgamento e comentários sobre o processo vão “ao ar” nos veículos de comunicação sem nenhuma cerimônia.
Uma das causas do ativismo do STF não está nele, mas por se permitir que partidos políticos entrem com qualquer tipo de ação naquele Tribunal. Praticamente qualquer ato governamental do Executivo, desde portaria, instrução normativa, resoluções ou qualquer outro ato pode ser questionado por partidos políticos.
O legislativo e o executivo estão de joelhos.
Falta coragem para reagir.
Perfeito!
Parabéns pelo artigo.
A proibição de financiamentos de campanhas eleitorais por Empresas, gerou a criação no Congreso de uma Lei que OBRIGA os cidadãos a financiarem as campanhas, lei esta que vem dando um rombo nos cofres públicos de 2 Bilhões de Resis em anos de eleições.