Em uma cidade de 10 mil habitantes no meio do inverno do Michigan, com temperaturas negativas constantes e restaurantes fechados por causa da pandemia, os drive-thrus se transformaram em uma opção frequente na minha rotina gastronômica. E, por causa disso, tenho reparado algo em comum entre o McDonald’s, o Wendy’s e similares: na maioria das vezes em que visito esses estabelecimentos (e eu os visito mais do que deveria), encontro um chamativo anúncio com ofertas de emprego. Numa dessas ocasiões, junto com o meu lanche, o pacote do McDonald’s veio com panfleto sobre as vantagens de trabalhar lá. Os salários iniciais são anunciados como um atrativo: geralmente, começam em US$ 11 ou US$ 12 por hora de trabalho — fora o auxílio no pagamento das mensalidades da faculdade. Onze dólares equivalem a aproximadamente R$ 60, o que significa que o salário inicial para alguém que trabalhe 40 horas está acima dos R$ 10 mil.
Fritar hambúrgueres é provavelmente o grau mais baixo na escala profissional norte-americana — boa parte dos funcionários são adolescentes que não chegaram à maioridade. E, ainda assim, as lanchonetes costumam pagar muito acima do salário mínimo nacional, que é de US$ 7,25 a hora. Alguns Estados, como Michigan, têm um salário mínimo mais elevado (aqui, o valor é de US$ 9,87). Ainda assim, o valor pago pelo McDonald’s está acima do obrigatório por lei — o que deveria colocar uma interrogação na cabeça daqueles que acreditam que os empresários são vilões mesquinhos que precisam se submeter ao poder desse ser benevolente chamado Estado.
A realidade é que o valor do salário no McDonald’s não depende da bondade no coração dos donos da rede de fast food. Ele depende primeiramente do nível de prosperidade da economia norte-americana. E o aumento da prosperidade não acontece por decreto estatal.
No Estado vizinho de Indiana, por exemplo, o salário mínimo em vigor é de US$ 7,25. Mas o salário médio pago pelas lojas de fast food é praticamente idêntico ao do Michigan. Por uma razão simples: é quase impossível encontrar alguém disposto a trabalhar por US$ 7,25 a hora (ou US$ 8, ou US$ 9). E isso se deve não ao preconceito ou à arrogância dos norte-americanos, mas ao fato de que outras empresas estão dispostas a pagar mais pelo mesmo funcionário. A rede de varejo Target, por exemplo, paga de US$ 15 para cima. A atacadista Costco anunciou recentemente que todos os seus empregados passarão a receber pelo menos US$ 16 a hora — o que significa que um estoquista vai ganhar o equivalente a R$ 15 mil por mês. A concorrência pela mão de obra leva a um aumento nos salários. Quem pagar mais tende a ter prioridade.
É justamente por isso que a existência de um salário mínimo artificialmente estabelecido por lei tende a ter um efeito inverso ao desejado. Ao definir um valor arbitrário para o salário, o governo distorce um dos elementos fundamentais de um mercado eficiente: o sistema de preços dos bens e serviços. E isso prejudica sobretudo as pessoas menos qualificadas, em busca de um primeiro emprego — ou seja: os mais jovens ou os que não tiveram um ensino de qualidade. Por não terem uma experiência extensa, elas não geram um retorno financeiro expressivo de início.
No cálculo de quem contrata, a conta é simples: se um funcionário gera R$ 1 mil por mês de receita mas custa R$1,1 mil (valor atual do salário mínimo no Brasil), contratá-lo é gerar um prejuízo. Fazer isso repetidas vezes, ou por muito tempo, é o caminho da falência para o pequeno e o médio empreendedores. “Ora, mas se não houver regulamentação estatal os empregadores tenderão a oferecer um salário muito baixo”, pode contra-argumentar um discípulo mais insistente de alguma das muitas escolas estatizantes de economia. A resposta é evidente: mesmo se isso for verdade, só aceitará esse salário quem assim o quiser. Se ninguém aceitar trabalhar por tão pouco, o valor vai subir naturalmente. Na situação atual, a pessoa cuja produtividade geraria um lucro de R$ 900 por mês permanece desempregada, recebendo exato zero real. Embora o desemprego seja causado por múltiplos fatores, vale a pena observar que, ao fim de 2019, antes da pandemia, a taxa de desemprego em Indiana (com seu salário mínimo baixo) era menor do que a do Michigan (3,2% contra 4,1%).
Existe um caminho para aumentar o salário mínimo “natural”: é preciso aumentar a produtividade
O salário mínimo federal nos EUA de US$ 7,25 foi estabelecido em 2009, e não foi atualizado de lá para cá. Na prática, é quase como se não houvesse um salário mínimo no plano federal. Dentro do Partido Democrata, muitos parlamentares têm defendido a adoção de um salário mínimo nacional de US$ 15. Mas os números indicam que essa pode não ser uma boa ideia. Entre 2009 e 2019, o desemprego nos Estados Unidos caiu quase que em linha reta, de 10% para 4%. Ao mesmo tempo, e apesar da falta de incentivos artificiais para a elevação dos salários, a renda média dos norte-americanos teve um dos maiores saltos da história (de aproximadamente US$ 55 mil por ano para cerca de US$ 68 mil). Uma economia com liberdade de alocação de recursos é uma economia próspera.
Outro efeito perverso do aumento artificial do salário mínimo é a inflação. Se uma fábrica de sapatos precisa pagar um salário acima da produtividade de seus funcionários e não pode demiti-los (porque eles têm uma função primordial), a empresa terá de compensar o custo adicional. Isso significa que os sapatos ficarão mais caros. A mesma lógica se aplica aos funcionários de um frigorífico, de uma produtora de arroz ou de uma fábrica de geladeiras. Ou seja: o trabalhador de baixa renda que aparentemente se beneficia com o salário mínimo definido pelo governo vai pagar mais caro pelos produtos que consome — e, assim, de nada adianta ter o aumento de salário. Um funcionário do McDonald’s norte-americano precisa trabalhar cerca de meia hora para comprar um Big Mac. No Brasil, ele precisa trabalhar mais de cinco horas.
Por fim, ao retirar parte das pessoas do mercado de trabalho, o salário mínimo artificial também tende a gerar um aumento na informalidade. Isso é ruim para o empreendedor, porque ele terá mais dificuldades de expandir seu negócio, e para o Estado, que perde em arrecadação e, assim, tem menos condições de aplicar recursos naquilo que deveria ser sua prioridade, como a segurança pública. É um círculo vicioso.
O estabelecimento de salários inflados, descolados da produtividade, foi uma das razões para a derrocada da outrora poderosa indústria automobilística de Detroit. A perda de empregos e arrecadação causou o esvaziamento da cidade, hoje repleta de bairros abandonados. E grande parte do problema foi gerada pela inflação artificial dos salários (dessa vez, nem sempre pela ação direta do governo, mas também pela chantagem dos poderosos sindicatos locais). Com o tempo, as fábricas foram migrando para outros países ou Estados norte-americanos mais amigáveis aos negócios. Um aspecto pouco conhecido da história de Detroit, entretanto, é o fato de que esses sindicatos, de início liderados quase que exclusivamente por trabalhadores brancos, defendiam salários mínimos mais altos justamente como uma forma de excluir negros e imigrantes desse mercado. Talvez eles entendessem mais de economia do que alguns dos autoproclamados defensores dos trabalhadores.
Existe um caminho para aumentar o salário mínimo “natural”: é preciso aumentar a produtividade — e isso passa por educação de qualidade, incentivo à inovação e cultivo de um ambiente de negócios mais livre. Um salário mínimo artificialmente imposto pelo Estado significa menor acesso dos mais pobres ao mercado de trabalho, menos empregos gerados, mais inflação, maior dependência de programas sociais e menor arrecadação.
Os defensores do salário mínimo inflado podem ter boas intenções, mas isso interessa pouco em economia. Como escreveu o romano Cícero em seu livro Dos Deveres: “Os que concedem a alguém um favor que é nocivo para aquele a quem parecem querer ajudar devem ser julgados não como benfeitores e generosos, mas como pérfidos aduladores”. Alguns políticos estão mais de 2 mil anos atrasados.
Leia também “O monstro Estado e a economia informal”
Excelente texto – Parabens.
Excelente texto Gabriel. Parabéns!
Mais mercado e menos Estado.
Artigo interessante mas, como estamos no Brasil, duvido que alguma coisa mude por aqui. O povo em geral gosta de depender do estado para tudo.
Quem produz mais ganha mais, a conta é simples.
Concordo com as ideias do artigo. Se existe um milagre para a prosperidade, esse milagre se chama produtividade. Riqueza se gera com trabalho, quando falamos em riqueza falamos em lucro e quanto maior a produtividade, melhor posicionada no mercado a empresa fica, oferecendo melhores preços, vendendo mais, gerando empregos. Temos muito tempo a ser recuperado. Não sairemos do chão, se adiarmos o atendimento à necessidade de se trabalhar para o aumento da empregabilidade e isso se faz com educação, não com indexações.
Também gostei do artigo. Uma forma diferente de analisar a situação.
Não li nenhum artigo do Gabriel ainda, não o conhecia, porém que artigo, a meu ver excelente.