Pular para o conteúdo
publicidade
Edição 57

Empresas devem apoiar causas políticas?

O livre mercado é impessoal e foca os resultados. Mas há grandes executivos querendo alterar essa equação virtuosa do capitalismo

Rodrigo Constantino
-

Dizem que em países ricos os negócios tentam influenciar a política, enquanto em países mais pobres, com o Estado fracassado, a política é o grande negócio em si. Se isso é fiel aos fatos eu não sei, mas vejo com preocupação a tendência de que parece cada vez mais difícil distinguir uns dos outros. Ou seja, mesmo em países ricos, o grau de simbiose entre política e negócios tem se mostrado bastante além do razoável, e em muitos casos assustador.

Se decisões políticas podem mexer com o ambiente de negócios, é natural que empresas tentem influenciar esse jogo. O problema é quando tudo parece excessivamente politizado. Uma das grandes vantagens do capitalismo é sua impessoalidade, seu foco na meritocracia, no resultado. Não compro uma pizza pensando em qual a visão de mundo do dono da pizzaria, o que ele pensa sobre o aborto ou as armas, mas sim pela qualidade do produto em relação a seu preço e às alternativas concorrentes.

E é bom que seja assim. Como Walter Williams já explicou, é graças a esse sistema que o racismo custa caro para o empresário racista, por exemplo. O racismo é ineficiente do ponto de vista econômico. O livre mercado, ao contrário da alocação de recursos pela via política, é do interesse das minorias normalmente discriminadas. Para sustentar seu ponto, o economista utiliza argumentos teóricos, assim como vários casos empíricos em seu livro Race & Economics.

A teoria econômica não pode responder a questões éticas; mas pode mostrar as consequências de medidas tomadas em seu nome. Williams alega que as políticas econômicas necessitam de análises desapaixonadas. Afinal, os efeitos muitas vezes não guardam relação alguma com as intenções iniciais. Esse é justamente um caso comum quando se trata de políticas para combater o racismo ou ajudar minorias.

O que o autor mostra no livro é que diversos problemas que os negros norte-americanos enfrentam não têm ligação com a discriminação racial. Ele não nega que tal discriminação existe; apenas demonstra que as principais causas dos problemas estão em outro lugar. E quais seriam essas causas, então? O que fica evidente ao longo do livro é que as regulamentações do governo representam o grande vilão dos negros, especialmente os mais pobres.

No livre mercado, se o empregador se recusar a contratar alguém por causa da “raça”, ele pagará um preço por isso, seja por limitar a quantidade de candidatos às vagas, seja por deixar de empregar gente mais produtiva pelo mesmo salário. Nesse caso, basta o concorrente ignorar o racismo para ser mais eficiente. Com o tempo, a tendência é o empregador racista ir à bancarrota.

Em suma, Williams defende o fim das restrições legais ao mercado de trabalho como a melhor medida para ajudar as minorias, incluindo os negros. O livre mercado é impessoal e foca os resultados. Essa é a mais poderosa arma contra o racismo. Infelizmente, a política de identidades pregada pela esquerda “progressista” ignora tudo isso, e parte para uma politização que mata a lógica econômica.

Movimentos passam a pregar o boicote ao restaurante A ou B pois seus donos não são politicamente corretos, não apoiam certas causas ou candidatos. Esse tribalismo, estendendo-se para o mercado, pode ser fatal. O foco sai do resultado e da meritocracia e migra para essas questões ideológicas ou partidárias, como se cada um devesse comprar não o melhor produto, mas aquele cujos fabricantes pensam de forma política semelhante a nós. Isso é absurdo.

Mas, por conta do crescente tribalismo, alimentado pelas redes sociais e pelos “justiceiros sociais”, cada vez mais empresas se veem tentadas a se manifestar com base no prisma político ou ideológico. A The Economist recentemente tratou do assunto numa reportagem sobre o ativismo de CEOs, considerado um negócio arriscado. Ela abre com o caso da Coca-Cola, que resolveu “lacrar” contra o Estado da Geórgia este ano, quando seu governador assinou uma lei exigindo identidade de eleitores. Por algum motivo estranho, os movimentos raciais viram aí racismo, afirmando que cobrar uma identidade prejudicaria eleitores negros, e o gigante dos refrigerantes resolveu aderir.

A limpeza iliberal e intolerante da vida pública agora é coisa da elite empresarial

No The Wall Street Journal, Harvey Golub publicou um texto na mesma linha, alertando que a política é um negócio arriscado para CEOs e que é imprudente colocar peso demais em assuntos que não afetam diretamente os negócios da empresa. Sobre os vários executivos que se manifestaram com ameaças de boicote ao Estado, Golub diz: “Conheço a maioria deles pela reputação e alguns pessoalmente. São pessoas de boa-fé, que se preocupam sinceramente com a nação, suas empresas e seus funcionários e clientes. A maioria fez um excelente trabalho como líder de suas empresas. Todos têm o meu respeito e acredito que conquistaram o respeito do público. Mas eu creio que eles estão errados em assumir posições públicas sobre esta lei”.

O autor nem entra tanto no mérito da questão, pois seu foco é outro: “A razão pela qual eu acho que os CEOs devem ficar em silêncio sobre essa questão não é porque discordo de seu julgamento sobre os méritos. É porque acho que é errado os executivos assumirem uma posição da empresa em questões de políticas públicas que não afetam diretamente seus negócios”. Afinal, eles não falam apenas como indivíduos nesses casos, mas em nome da empresa e de seus milhares de acionistas. Além disso, suas opiniões sobre tais temas polêmicos vão inevitavelmente incomodar acionistas, empregados e clientes que divergem delas. A reação de grupos que pediram boicote a essas empresas, por boicotarem a Geórgia, comprova o risco disso.

E é nessa espiral que mora o perigo. Muitos executivos e empresários adotam posições ideológicas ou políticas por convicções sinceras, e mesmo assim põem em risco suas empresas. Outros sucumbem diante da pressão da patrulha, que faz chantagem, ameaças diretas ou veladas, para extorquir ajuda financeira ou apoio moral. Basta verificar como age o Sleeping Giants, demonizando publicamente empresas que não “sinalizam virtude” de acordo com a ideologia esquerdista, que anunciam em canais “reacionários” ou coisa similar. O fundador do Sleeping Giants, Matt Rivitz, permaneceu no anonimato até julho de 2018, quando Peter J. Hasson expôs sua identidade após longo trabalho investigativo. Rivitz, pasmem, trabalha com publicidade e era consultor de algumas das empresas que achacava por meio de seu movimento.

Hasson é autor do livro Os Manipuladores, sobre as Big Techs e sua guerra contra conservadores. Ele mostra como essas empresas, repletas de esquerdistas no comando, usam critérios subjetivos e obscuros para censurar o pensamento mais à direita em suas plataformas, que deveriam ser neutras. Sobre o Sleeping Giants, ele relata como o movimento de intimidação aos anunciantes foi eficaz para praticamente destruir o site conservador Breitbart. O grupo instou universidades e outras instituições a boicotar um fundo de investimentos porque seu presidente, Robert Mercer, era o principal investidor em Breitbart. Não demorou muito para Mercer renunciar ao cargo.

Tudo isso mostra que o que antes era feito pelo Estado agora é feito por corporações. A limpeza iliberal e intolerante da vida pública de ideias consideradas ofensivas ou perigosas deixou de ser coisa do Estado para ser coisa da elite empresarial. Quando executivos aceitam fazer esse jogo sujo, ainda que com a melhor das intenções (que pavimentam o caminho do inferno), eles alimentam um monstro totalitário.

Alguns podem achar que é inofensivo acender velas para o Diabo, pagar uma espécie de resgate para “ficar em paz” ou até ganhar alguns pontos com a turba woke. Na prática, estão contribuindo para o avanço de uma mentalidade incompatível com aquela responsável pelo sucesso do capitalismo liberal, calcado na impessoalidade e na meritocracia. É ingenuidade achar que não haverá consequências, que o “outro lado” não vai reagir.

E como isso pode acabar bem? O tribalismo tende a terminar em guerra. Se eu deixar de consumir o refrigerante da minha preferência, e passar a consumir aquele do fabricante cujo CEO parece mais alinhado ao meu pensamento político, como isso beneficia um sistema que depende do mérito, não das conexões políticas? As empresas que politizam seus negócios dessa forma estão brincando com fogo.

Leia também “Um incansável soldado da liberdade”

15 comentários
  1. Fernando Garcia de Souza
    Fernando Garcia de Souza

    Heineken e Magalu perderam um consumidor forte. E no meu caso para sempre, sem chance de volta.

  2. Daniel Brito Guimarães
    Daniel Brito Guimarães

    Se em nosso Brasil a oligarquia deixar de ser apoiada pela constituição poderemos então contemplar o livre mercado e a meritocracia de forma mais livre e com isso avançarmos no campo social de forma natural, sem intervenção estatal ou de ONGs, apenas através do capitalismo. Aqui isto parece utopia.

  3. João Simoncello Filho
    João Simoncello Filho

    Rodrigo, já li muitos textos seus. Veja se consegue um tempo para ler um texto meu: https://omnia500.com.br/2018/01/16/acaba-em-desastre-a-cordialidade-brasileira-aplicada-aos-negocios/
    A questão é que o empresário e o executivo são mal formados e aceitam oportunidades oferecidas por governo e ideologia para fugir das próprias obrigações. Terminam por imaginar que estão trabalhando para a organização que lideram, mas não estão. Assim, distraem-se e colocam em risco um capital social importante para a sociedade, como é uma empresa.

  4. Alirio Luiz Humel
    Alirio Luiz Humel

    Isso está me lembrando o bosta do casagrande defendendo o rai por não apoiar o governo e atacando o Felipe Melo por defendê-lo. Quem lacra, não lucra. eu já estou entrando no tribalismo. Tchau rede globo, tchau magalu…

  5. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Muito interessante e reflexivo esse artigo.

  6. Marcus
    Marcus

    O posicionamento político tem se tornado um adendo aos produtos fornecidos pelas empresas. Uma empresa deve agradar os diversos nichos da sociedade lhes provendo um produto que os agrada e não uma opinião.]
    Sinceramente minha paciência está acabando com estas empresas que primam mais pelo posicionamento político e social do que pelo produto.

  7. Carlos Benedito Pereira da Silva
    Carlos Benedito Pereira da Silva

    Excelente e pertinente comentário. Como escreveu a Janaina, cada um no seu quadrado. Acho que dirigentes, como os CEOS das grandes organizações, não podem administrar sob sua ótica ideológica por mais correta que essa ideologia possa parecer. Afinal os investidores almejam lucros, não estão interessados no “politicamente correto dos esquerdopatas” que vivem no mundo da hipocrisia procurando pelo em ovo, com um único objetivo: poder!

  8. Janaina Chamma
    Janaina Chamma

    Muito bem articulado, Constantino. Concordo plenamente. Cada um no seu quadrado.

  9. Cristina S Oshima
    Cristina S Oshima

    Reflexão interessante. As grandes empresas estão cada vez mais surfando no politicamente correto. Não há problema em defender o que é certo, mas até onde essas empresas analisam o que está por trás de tudo e quais os grupos de interesse? Não deveriam analisar o impacto em suas marcas quando as mascaras cairem?

  10. Ibrahim Cotait neto
    Ibrahim Cotait neto

    Rodrigo Constantino; Vejo uma propaganda na TV sobre arte, onde aparece uma orquestra sinfônica com muitos músicos. Me fica a pergunta; se todos são brancos ou não tem cota ou os negros, índios e latinos não sabem música!

    1. Renato Ivo Fernandes de Castro
      Renato Ivo Fernandes de Castro

      Lembrei da polêmica da Heineken, que entrou na onda do “Dia Mundial sem Carne”. Os pecuaristas reagiram e lançaram #ChurrascosemHeineken, rapidamente a cervejaria veio a público desfazer o mal entendido.

      1. Irany De Oliveira E Silva
        Irany De Oliveira E Silva

        CONTINUO SEM HEINEKEN!!!!!!!!

      2. José Arnaldo Amaral
        José Arnaldo Amaral

        Os genocidas do PCChinês pariram novo tipo de capitalismo q afrontou até o modelo de economia anunciado pela Bíblia em Atos 2:42-47. Enquanto este defende q cada um dê conforme sua capacidade e receba conforme a necessidade de cada qual, o totalitarismo de Xi Jinping inverte a assertiva, extorquindo o necessitado para locupletar o detentor do capital e o próprio Estado perdulário.

    2. Marcelo Gurgel
      Marcelo Gurgel

      Ainda chegará o dia em que ao entramos no mercado encontraremos as gôndolas divididas a esquerda da entrada com produtos produzidos por empresas progressistas e a direita gôndolas com produtos de empresas conservadoras. A sociedade está doente.

    3. Celso Curvello
      Celso Curvello

      Não seria porque você está usando o sentido errado ? Música não se vê, se ouve. É apenas uma opinião, desculpe.

Anterior:
Raquel Gallinati: ‘Fui a primeira mulher a representar os delegados de São Paulo’
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 248
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.