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Edição 06

O obscurantismo em torno da epidemia

Já nem é possível distinguir a má-fé da negligência e da imperícia. E se você buscar informação que preste será acusado de negacionista e assassino

Guilherme Fiuza
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O prefeito de Belo Horizonte anunciou a abertura de 1,9 mil covas para vítimas de covid-19. No momento desse anúncio, o número de óbitos por covid-19 na capital mineira era 14. Se o prefeito de Belo Horizonte tem um estudo projetando uma mortandade iminente na cidade que administra, não mostrou esse documento à população.

E também ninguém pediu. Assim estão os acontecimentos neste tempo de epidemia. Autoridades falam o que lhes dá na telha, em pronunciamentos caudalosos e televisados em que tudo vira manchete. O prefeito de São Paulo também anunciou meticulosamente os “investimentos” item por item para abertura de valas, compra de câmaras frigoríficas/sacos para cadáveres e número exato de novas urnas funerárias que estavam sendo adquiridas por seu governo. Um imprestável show fúnebre que ninguém contesta. Parece que o surto é de letargia.

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A forma como as estatísticas estão voando por aí contribui para o estranho espetáculo. Em menos de uma semana, por duas vezes circulou amplamente a notícia de recordes diários de mortes por coronavírus no Brasil — ambos acima dos 400 casos — e nenhum dos dois estava correto. Ambos se referiam ao registro (feito num mesmo dia) de números correspondentes a vários dias. Quantos desmentidos você lembra de ter lido sobre esses falsos recordes?

Cerca de um terço das mortes por covid-19 no Brasil está em investigação, à espera de confirmação, mas isso também some na avalanche.

É expressiva e inexplicável a quantidade de óbitos “presumidos” pelo novo vírus. Numa epidemia dessa amplitude é inconcebível a falta de rigor para a delimitação de seus efeitos exatos. A sucessão de casos de famílias que têm de discutir atestados de óbito indevidamente lavrados como coronavírus — muitas vezes sem autópsia — é o requinte de crueldade dessa preocupante nuvem de imprecisões estatísticas e atropelos de direitos.

Agravando esse estado nebuloso surgem as investigações sobre compras indevidas e superfaturadas de equipamentos de saúde — sempre potencializadas pelos dados locais de progressão da epidemia que, inclusive quanto à taxa de ocupação hospitalar, viraram ficção científica. Na era digital e da informação instantânea em rede faltam dados oficiais exatos e diários sobre a situação dos leitos/capacidade de atendimento por unidade.

Em qualquer capital do país o público duela com notícias que vão do pré-colapso à ociosidade hospitalar. Virou bagunça.

E essa bagunça é subdemocrática. O festival de desinformação na pandemia é um atestado de incivilidade. Sabe-se que há aproveitamento político (sórdido), mas já nem é possível distinguir a má-fé da negligência e da imperícia. E se você buscar informação que preste será acusado de negacionista e assassino. A instituição mais sólida do momento é a patrulha viral.

A OMS não ajuda, com suas diretrizes dançantes como um show de Lady Gaga. Primeiro não havia pandemia, depois o isolamento horizontal era para o mundo inteiro, depois a circulação restrita (até com funcionamento de escolas) passou a ser indicada para sociedades emergentes, depois veio o anúncio de que o pior ainda “pode” estar por vir, com a hipótese de que o confinamento estaria adiando o pico… Que que é pra fazer, companheiros?

É pra fazer qualquer coisa. Governadores e prefeitos continuam sentando o sarrafo no cidadão que põe o pé na calçada (dependendo da calçada e do cidadão, claro), porque eles interpretam a OMS e a ciência à luz de seus desejos particulares. Vocês estão entregando sua liberdade de bandeja a tiranetes — e não foi por falta de aviso. Agora vocês vão poder trabalhar quando eles quiserem; o Dia das Mães vai ser quando eles tiverem vontade; e o Natal pode até acontecer ainda neste ano — mas vai depender das estatísticas que eles ainda vão inventar.

Homens, mulheres e até crianças que já foram barbarizados e presos por estar “pondo vidas em risco” não entendem por que as forças de segurança dos imperadores de várzea não agem para garantir o distanciamento sanitário nas aglomerações das filas do auxílio emergencial. Mas a resposta é muito simples: os tiranetes não estão preocupados com vírus nenhum. Estão só industrializando o pânico.

Se o surto de letargia prosseguir, o coronavírus vai acabar virando coadjuvante da tragédia.

24 comentários
  1. Rogerio Carvalho
    Rogerio Carvalho

    Pandemônio da Histeria para criar pânico, com mentiras deslavadas e desfaçatez olímpica. Esses governadores ditadores tem um plano orquestrado para surrupiar $$$ do governo federal e quebrarem a economia dos estados. Chega de tanta mentira e enganação com esses decretos ditatoriais infindáveis. Soldando portas do comércio em SP. O povo tem que reagir rápido, antes que seja tarde.

  2. Elvo Pigari Júnior
    Elvo Pigari Júnior

    Parabéns , Fiuza !!!
    Ótimo texto.

  3. João Da Matta Pereira Gomes
    João Da Matta Pereira Gomes

    A medicação desde o início para todos os casos suspeitos é a solução mais adequada, juntamente com o cuidado especial dos doentes e do grupo de risco. O Brasil deveria radicalizar na distribuição urgente de medicamentos nos postos de saude. Medicar rapidamente para não hospitalizar.

  4. Rosi Deamo
    Rosi Deamo

    É inacreditável como milhões de pessoas aceitam se curvar à falta de lógica e seguir a manada rumo ao desfiladeiro, sem uma palavra de contestação.

  5. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    Certa vez vi alguém dizer que no mundo só havia 2,0 % de pessoas realmente inteligentes. Achei um absurdo. Aí fui fazer as contas e cheguei à conclusão de que talvez 2,0% fosse muito. Não devia dar isso não. No caso do Brasil teríamos então quatro milhões de pessoas realmente inteligentes. Pois então, se esse número for verdadeiro, onde estarão elas nesses tempos de pandemia? Para onde foram? Dos 98,0 % restantes, de quantos por cento serão os canalhas? Ou será que todos os canalhas estão dentro dos 2,0%? Me responda, quem souber. Obs: não me importo com respostas malcriadas.

  6. Paulo Lin
    Paulo Lin

    Guilherme sua coluna é um refresco para os lúcidos. Por fav análise os números absurdos de internados em SP. Até 30/04, disseram ter 8,6 mil internados apenas nos hospitais estaduais.
    Do total de 30mil infectados, tira-se os recuperados (42% média Brasil) e mortos 2,5mil; restam então 15mil. Logo, internaram 100% dos casos de Covid (leves inclusive) nos Hospitais Estaduais + municipais + particulares. Ah sem contar que os Hospitais de Campanha q estão as moscas, com os contratados (profissionais da saúde inclusive) cúmplices da patifaria. Como é possível isso?? Além de inventarem mais mortes e mais casos….Até quando vai essa Farsa? Até quando se sustenta tanta maldade, mentira, fraude e crueldade??

    1. Monica Marques
      Monica Marques

      Paulo , espero qualquer coisa do Doriana, mas fiquei com uma dúvida nos números: i8,6 mil infectados nos hospitais estaduais, mas se restam 15 mil??

  7. Paulo Lin
    Paulo Lin

    Guilherme sua coluna é um refresco para os lúcidos. Por fav análise os números absurdos de internados em SP. Até 30/04, disseram ter 8,6 mil internados apenas boa hospitais estaduais.
    Do total de 30mil infectados, tira-se os recuperados e mortos, restam 15mil. Logo, internaram 100% dos casos de Covid (leves inclusive) nos Hospitais Estaduais municipais e particulares. Ah sem contar que os Hospitais de Campanha estão as moscas, com os contratados cúmplices da patifaria.

  8. Luiz Formentin
    Luiz Formentin

    Você não imagina que alívio dá ler uma coluna sua!!! Poder ler alguém que escreve e fala a realidade é muito bom!!!!!Parabéns Fiuza por estar täo certeiro e direto em suas colunas!

  9. Marcio Cruz
    Marcio Cruz

    A imprensa tradicional esta mais preocupada em criticar uma frase do Bolsonaro do que dados e acoes de seus adversários.

  10. Fabio Franz da Costa
    Fabio Franz da Costa

    Acho interessante que todos enchem a boca para falar em ciência , para defender isso e aquilo e quem acha estranho é submetido a patrulha. Contudo , nesta pandemia, quase tudo está sempre no mais baixo nível de evidência científica ,em termos médicos. Não há trabalhos sérios comparando a quarentena horizontal à vertical por exemplo. Existe apenas a opinião de especialistas, que em medicina ´e o nível de evidência mais baixo, pois um trabalho sério , quando feito,poderá revogar a sensação inicial de que isso ou aquilo está correto! Então , ciência é algo que aqui não existe , sendo pura retórica política quando o ex ministro Mandetta , o governador Dória e outros enchem a boca para dizer que suas opiniões estão com a ciência e a dos outros não!
    Abaixo a classificação de ciência ,que ninguém quer saber ou discutir, mas que classifica os níveis de evidência no mundo científico moderno !
    Nível A: Dados obtidos a partir de múltiplos estudos randomizados de bom porte, concordantes e/ou de metanálise robusta
    de estudos clínicos randomizados;( não existem até o momento comparando esta ou aquela abordagem na pandemia!)
    Nível B: Dados obtidos a partir de metanálise menos robusta, a partir de um único estudo randomizado ou de estudos não
    randomizados (observacionais);( Não existem até o momento comparando esta ou aquela abordagem na pandemia!)
    Nível C: Dados obtidos de opiniões consensuais de especialistas.( é apenas o que se tem no momento. (Nível de evidência científica mais fraca disponível, já que são apenas uma opinião sem comprovação !)

    1. Claudio Cezar Carvalho De Almeida
      Claudio Cezar Carvalho De Almeida

      Muito bom comentário. Tocou num ponto fundamental que é a “mistificação da ciência” feita de forma oportunista.

  11. Edmundo Baracat Filho
    Edmundo Baracat Filho

    Parabéns, Guilherme. Em um artigo você tem a chance de abrir muitas cabeças bitoladas e reféns da CNN e Globo e Bandnews. Evidentemente que todo o cuidado é pouco. Mas a imundície moral de Dória/Covas em São Paulo e outros políticos similares, em todo o país, pregando o caos e o terrorismo com a finalidade principal de destruir o governo e posteriormente, por consequencia( creio que alguns nem sabem ), o Brasil.
    Algumas medidas estão certas, desde Mandetta, claro. Outras, politicas e danosas, visando a queda do governo. A junção do binômio saúde/economia , associado ao não caos apregoado, traria benefícios muito superiores ao alcançado. A roubalheira se instalou e deixou o governo acuado, dando $$$ a governadores e prefeitos canalhas, desnecessariamente. Foi destruido o trabalho do ministro Guedes. Uma manobra imunda para derrubar o governo. O pior, talvez esteja para chegar. Mas , no momento, vejo 6000 mortos num país de 210 milhões de habitantes. Se somarmos Itália, Espanha, França e Reino Unido, passam de 100000. A canalhice que fizeram com o Brasil não tem tamanho. Nos USA tivemos 65000 mortos, num país de 330 milhões. Convenhamos…..O pânico induzido é infinitamente superior a mortalidade brasileira. Parabéns novamente !!

    1. Paulo Lin
      Paulo Lin

      Muito boa análise!!

      1. Marcelo Gurgel
        Marcelo Gurgel

        Parabéns pelo texto.

  12. Ana Lúcia Kazan
    Ana Lúcia Kazan

    Guilherme, meus parabéns! Apesar do quadro terrível de desinformação e caos politico que vivemos, e que vc tão bem representou, não pude deixar de rir muito com o seu “Governadores e prefeitos continuam sentando o sarrafo no cidadão que põe o pé na calçada”……. é bem isso mesmo. Como diriam no Pasquim, toda essa situação seria cômica se não fosse trágica.

  13. CelsoMiori
    CelsoMiori

    Mas, onde sairam os desmentidos? Procurei e não achei? Em que informação vc se baseou?

      1. Flavio M Borges
        Flavio M Borges

        Perfeito, já tinha constatado com estranheza que o número de mortos com doenças respiratórias em 2019 é maior que 2020 mesmo com pandemia no ano corrente.
        Esse duelo de “informações” fazem um verdadeiro samba do crioulo doido na cabeça da maioria dos brasileiros, e os políticos aproveitam essa distração para aplicar golpes nos cofres públicos. Segue o jogo….

  14. Marcio Moraes
    Marcio Moraes

    Outro ponto importante a ressaltar e’ que nenhuma mídia tem o mínimo de bom senso jornalístico de buscar o numero de mortes nos primeiros meses de 2019 e comparar-los com os que estamos vivendo. Quantos morreram entre janeiro e abril de 2019 com síndrome respiratória aguda? quantos em 2020? E demais mortes? Total e comparativo com 2020? Isso nos daria uma base sólida pra questionar se e’ exagerado a abertura de milhares de novas covas, cadáveres se acumulando em necrotérios, ociosidade de hospitais, etc… Mas pra isso necessitamos de um jornalismo competente e isento. Ao que parece inexistente no Brasil.

    1. Monica Marques
      Monica Marques

      O Guzzo escreveu uma artigo mostrando exatamente isso, Márcio. Ha 1 mês mais ou menos, no Estadão.

    2. Monica Marques
      Monica Marques

      Uma coisa que realmente me impressiona é que no estado e na cidade de Sãat Paulo deixaram para adotar sapenas agora medidas básicas que já habiam funcionado bem em outros paísesu. Exemplo: em Santiago, no Chile, país que conseguiu conter super bem a pandemia e tem uma taxa de letalidade baixa, em torno de 2%, o uao de máscaras é obrigatório no transporte público há 2 meses. Há 2 meses!!!!!! Na cidade de São Paulo, só se tornou obrigatório essa semana?. Piada!!! Em Santiago, há 2 meses, foi feito o isolamento das áreas mais atingidas. Aqui, isso vai começar na próxima semana. Doriana e Covas são avessos à medidas inteligentes e que funcionam. A dupla gosta de medidas que causem estardalhaço. E como.se não bastasse, David Uip disse em entrevista no início da epidemia, que a testagem saitia muito cara para os cofres públicos. . Rssssssssss. Só teremos testagem em massa a partir de 15 de maio. Rsssssssssss. O nosso governador tenta destruir o gov federal enquanto desgoverna São Paulo

  15. Dylan Rees
    Dylan Rees

    E ninguém, nenhum “jornalista”, retorna às previsões e avalia o acerto. Especialista é especialista mesmo nunca acertando nada. Infectologista ganhou um poder que não quer largar: “pude prender a população em casa.”

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