No famoso dicionário americano Webster, o termo “ativismo judicial” aparece da seguinte maneira: “Prática no Judiciário de proteger ou expandir direitos individuais por meio de decisões que se afastam de precedentes estabelecidos ou são independentes ou opõem-se a supostas intenções constitucionais ou legislativas”.
O termo “ativismo” é usado tanto na retórica política quanto na pesquisa acadêmica. No uso acadêmico, ativismo geralmente significa apenas a disposição de um juiz para derrubar a ação de um governo com o qual não se identifique, porém com base em precedente judicial. Assim, o juiz reforça as próprias opiniões recorrendo a preceitos constitucionais ou a decisões anteriores impetradas por tribunais. Por essa ótica, o ativismo pode não ser considerado pejorativo, e estudos sugerem que não tem uma valência política consistente.
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Na retórica política, no entanto, o ativismo judicial não é apenas um termo ruim, é uma ação nociva. Descrever os juízes como ativistas nesse sentido é argumentar que eles decidem casos com base nas próprias preferências políticas, em vez de seguir uma interpretação fiel da lei. Abandonam o papel judicial imparcial e acabam “legislando da bancada”. As decisões podem ser rotuladas de ativistas por derrubar uma ação legislativa ou executiva ou por permitir que uma medida anticonstitucional se estabeleça. Eu sei, essa descrição soa familiar demais.
Nos Estados Unidos, um dos casos mais conhecidos e polêmicos sobre o ativismo do Judiciário, até hoje centro de intermináveis batalhas políticas e protestos pelo país, é a decisão da Suprema Corte norte-americana no processo Roe versus Wade. Em 1969, Norma McCorvey ficou grávida de seu terceiro filho, mas decidiu não ter o bebê. Na época, a lei do Texas só permitia o aborto em casos de estupro, incesto ou para salvar a vida da mãe. Ela chegou a ser aconselhada por suas amigas a afirmar falsamente que havia sido estuprada, mas não existia nenhum relatório da polícia para apoiar essa alegação. Então McCorvey tentou fazer um aborto ilegal, mas logo descobriu que as autoridades tinham fechado a clínica.
Depois de visitar um advogado, “Jane Roe” (nome fictício usado para proteger a identidade da requerente, Norma McCorvey) decidiu entrar com uma ação federal contra o distrito de Dallas, Texas, pela impossibilidade de realizar o aborto. O caso foi parar na Suprema Corte e, numa decisão histórica, os magistrados esticaram e usaram a Décima Quarta Emenda Americana, que protege, entre outros pontos, o direito à privacidade.
A corte entendeu que ali caberia uma “interpretação” de que a emenda também protegia a liberdade e a privacidade de uma mulher grávida de optar por um aborto sem a restrição do governo.
Antonin Scalia, um dos mais respeitados juízes da Suprema Corte dos EUA, falecido em 2016, era categórico quanto ao papel das cortes e tribunais para a manutenção de democracias saudáveis e dos pilares do império da lei e da ordem. “Enquanto juízes mexerem na Constituição para ‘fazer o que as pessoas querem’ em vez do que o documento realmente comanda, os políticos que escolherem e confirmarem os novos juízes, naturalmente, quererão apenas aqueles que concordam com eles politicamente. A Constituição não é um documento vivo, é um documento legal”, dizia Scalia, certamente um norte na América até hoje no que diz respeito a prerrogativas e limites de cada poder.
Os tempos andam meio estranhos no Brasil quando o assunto é esse tal de ativismo judicial.
Nosso sistema de freios e contrapesos parece sempre capengar às exaustivas tentativas e ações das garras de membros do Judiciário, que já há algum tempo insistem em estender suas funções às mesas do Executivo e do Legislativo. Nosso Supremo Tribunal Federal, a casa que deveria salvaguardar as linhas da Constituição, sempre flerta com temas de interesse político que são configurados para debates nas casas legislativas e vem interferindo em decisões constitucionalmente salvaguardadas ao Executivo. Nesse perigoso ativismo judicial, a Suprema Corte não apenas desafia os limites das atribuições expressas pela Carta Magna, mas fere a Constituição e, consequentemente, todos nós.
No espetacular livro Os Intelectuais e a Sociedade, Thomas Sowell, um dos maiores pensadores contemporâneos, escreve como as consideradas “elites intelectuais” se relacionam com a sociedade e como suas ideias e conceitos podem ser totalmente desconectados da realidade prática das pessoas. No capítulo “Os intelectuais e a Justiça”, Sowell discorre sobre esse perigoso ativismo judicial e os “ungidos”, como ele mesmo descreve, magistrados que por meio de palavras complicadas extrapolam os limites de sua jurisdição e tentam inocular ideias erradas. De acordo com Sowell, os julgadores ungidos são pessoas que se consideram intelectuais no campo jurídico.
Eles se acham no direito de ditar o que é melhor para a sociedade mesmo não tendo sido eleitos para isso.
Vivemos tempos de pura animosidade no campo político no Brasil. Certamente os anos (e frutos!) da operação Lava Jato seguidos da última eleição presidencial colaboraram para isso, mexendo em engrenagens em Brasília acostumadas com o silêncio da sociedade brasileira. O ativismo de cortes como o STF, que vem tentando legislar sobre o aborto, que censura veículos da imprensa, que age em prerrogativas do Executivo e do Legislativo, que se ocupa de discussões acaloradas e muito “importantes” para o Brasil sobre cigarros com sabor e sacolas de plástico em supermercados, tem de ser extirpado e a corte cobrada, diariamente, sobre os limites de suas atribuições.
Na última terça-feira, Chad Bianco, um xerife da cidade de Riverside, aqui na Califórnia, anunciou que não aplicará a ordem de “permanência em casa” dada pelo governador Gavin Newson, que, entre outras ordens executivas, mandou multar e prender quem infringisse a determinação.
Nada de desobediência civil por parte de um policial, apenas a reafirmação de direitos salvaguardados pela Constituição.
Bianco, em uma reunião com o conselho de seu condado, reconheceu que qualquer perda de vidas é trágica e, mostrando os baixíssimos números de infectados e mortes na região, disse que a ordem do Estado forçou moradores a entrar em casa, fechou seus negócios. Ele declarou que se recusaria a algemar ou tornar criminosos proprietários de empresas, mães solteiras e indivíduos saudáveis por exercer seus direitos individuais: “Não pode haver um novo normal. Em nome de uma crise de saúde pública, nossas liberdades civis e proteções constitucionais foram suspensas. Qualquer nova normalidade imposta sem leis é um ataque direto aos direitos básicos de um país que foi formado pelas liberdades fundamentais da vida, liberdade e busca da felicidade”.
Tristeza maior é ver, em contraste com atos heroicos da proteção de direitos civis como o do xerife, as lamentáveis cenas de trabalhadores no Brasil sendo algemados pelo crime de tentar trabalhar, já que o ganha-pão da manhã de muitos é que paga o jantar da família à noite.
Se há algo que une democratas e republicanos nos Estados Unidos é o respeito quase religioso à Constituição e aos limites dos poderes. A transformação do STF nos últimos anos é preocupante. Quanto mais interpretação livre do texto constitucional pela última instância, quanto mais liberdade para atuar fora de sua esfera e quanto maior o silêncio da mais alta corte do país quando leis são criadas por prefeitos e governadores, cerceando nossos direitos fundamentais, mais risco corremos. Contra o ativismo ou o silêncio judicial, a letra fria da lei e nossa vigília diária. É a última garantia para nossas liberdades.
Ana, tenho de dizer que a tua qualidade me conforta, A grande mídia é o instrumento maléfico, tendencioso e prostituído para boicotar tenazmente e em tudo um Governo legitimamente eleito, a serviço dela mesma e do fisiologismo do Congresso. Mas o maior responsável pela crise institucional sem fim chama-se STF, cada vez mais deslegitimado frente à Sociedade pelas ações acendradamente ativistas, políticas, parciais, intervencionistas à separação dos Poderes e megalômanas dos seus ministros. Cada um deles, monocraticamente, tem-se como um deus egocêntrico. Os exemplos são muitos. Bem de ver como funciona aquela Casa lendo-se o livro “os Onze” de Felipe Recondo e Luiz Weber. E a hoje incensada Polícia Federal, que não consegue (ou não quer?) enxergar o que é solar, de que Bispo estava longe de estar sozinho quando cometeu o atentado à vida de Bolsonaro? É só concatenar os indícios… E a OAB Federal, que politizou-se e partidarizou-se, na pessoa do seu Presidente comunista? A mancomunação deletéria salta aos olhos. Quem em certas situações (são regras de experiência), não destrambelha-se com um boicote sistemático desses? E, loas ao conservadorismo de David Hume (nos costumes, tão propositalmente derruídos, pela esquerdopatia), e o Liberalismo de Adam Smith e Locke.
Excelente matéria da Ana Paula que nos surpreende a cada dia. Outra questão refere-se à competência outorgada pela Constituição ao STF para julgar diversas demandas, as quais deveriam estar no plano infraconstitucional como, por exemplo, o foro por prerrogativa de função de parlamentares, mais conhecido como foro privilegiado. Há também diversas normas formalmente constitucionais que não deveriam repousar sobre a nossa Carta Magna, analítica, extensa e ensejadora da judicialização de questões meramente comezinhas. Enfim, urge rever a competência material do STF para torná-lo efetivamente uma Corte Constitucional.
Excelente! Aqui no Brasil o ativismo judicial ainda tem um componente extra que tem a ver com a auto-blindagem dos próprios integrantes do judiciário. Diversas dessas ações de interferência do poder judiciário no poder executivo eram movimentos preventivos para que alguns togados não viessem a ser investigados. Ou alguém acredita que poderia um esquema de corrupção institucionalizada não contar com a proteção de quem deveria aplicar a lei imparcialmente?
Mais uma vez obrigado!
Pobre Brasil, pobre povo ignorante e inerte…
Eles seguirão fazendo atrocidades…
Os colegas que comentaram acima já disseram quase tudo…assim como nas quadras, como colunista você é também genial! É um privilégio ler os seus textos!
O maior estupro à Constituição Federal, aqui delicadamente nominado “ativismo judicial”, deu-se quando do fatiamento da votação do julgamento da então presidente Dilma Rousseff que resultou na aprovação no Senado pela manutenção dos direitos políticos da petista, embora tenha tido seu mandato cassado. Apequenou-se a câmara alta do legislativo, ajoelhou-se o STF, perdemos nós. Nessa toada, o dano à tripartição dos poderes, via de consequência, a democracia e nação como um todo, será irreversível.
A culpa é dos próprios políticos.
Que se esforçam pra serem incompetentes, e acabam buscando refúgio no judiciário.
Eu já comentei e vou repetir, Ana. Esse teu texto elevou a força da tua palavra escrita do teu pensamento e do teu espírito livre a outro patamar. O clima da Oeste te fez muito bem. Não perdeste o teu norte e ampliaste tua visão para os quatro pontos cardeais. Torço e vibro por ti. Grande abraço.
Parabéns pelo texto brilhante. Essa também é a nossa realidade, onde dependendo do momentâneo interesse político de algum representante do Judiciário o texto da Constituição recebe uma nova interpretação, inclusive com idas e vindas como no caso de prisão após condenação em segunda instância.
Saudades de Paulo Brossard e Aires de Brito.
Ana Paula, se os ministros do STF praticarem o mesmo que seus patronos, todos os 11 ministros deverão ir para cadeia. Todos os ex-presidentes pós abertura em 1984 saíram do cargo carregando a carga de exercerem o ato de ladroagem. Menos o falecido Itamar Franco. Até o FHC que se pensava um estadista recebeu propina da Odebrecht e segundo o Marcelo, fazia os pedidos dizendo “o de sempre”. Vamos lembrar os nomes: José Sarney,Fernando Collo, FHC , Lula e Dilma. Com relação a atitude ditatorial, aqui em Pernambuco temos um governador Paulo Câmara que como “rei” decretou o fechamento das praias de Pernambuco. Até cavalaria colocou para fiscalizar a presença de banhistas. Só vi isto em Cuba, quando estive em setembro de1989.
Mais um texto sensacional!
Eu duvido alguma mídia ter a coragem de publicar um texto desse nível em seu portfólio. É uma sensatez que quase nenhum jornalista teria a capacidade de escrever, seja por censura ou por retaliações.
O que mais nós dá vergonha não é o presidente e seu governo batendo cabeça quase que diariamente, e sim uma corte “acovardada” que deixou de cumprir o seu papel há tempos. Nós, o povo, não merecemos isso, e sim um guardião da constituição.
Não entendi a afirmação “presidente e governo batendo cabeça”. Todas as medidas adotadas até agora pelo executivo – com relação ao vírus chines – são corretas e visam proteger os trabalhadores, as empresas e o País. Não vejo nenhuma incongruência nas soluções apresentadas pelo Presidente e seus Ministros.
Ola Ana Paula… uma dúvida que tenho… por que o presidente da república pode indicar um amigo ao S T F mas não pode para diretor da P F?
tem coisa que nem Freud explica…
Que aula! Ana Paula,dá de graça para os membros no STF .Vocês acham que os togados ouviram falar de Antonin Scalia ou Thomas Sowell ou “algo assim como ….ativismo judicial” nos termos do direito anglo-saxão e começando com dicionário Webster ? NUNCA.Baixíssimo nível intelectual.Corporativismo baixo patamar.A leitora Regina acima,complementa com perfeição o que deles se pensa.Esta edição tá de moer,os medíocres!
Excelente!
O pior é que tal prática vai se multiplicando em todas as instâncias.
“A pior ditadura é a do Judiciário, contra ela não há a quem recorrer.”
Fico, em função disso, preocupado com as últimas manifestações do decano do STF. Penso que devido à idade ele pode não estar bem de sua saúde mental. Como praticamente não pode ser contestado, as consequências de suas decisões podem ser desastrosas.
Não seria a hora de fazer-se uma revisão na PEC da Bengala, revogando-a?
Excelente, Ana Paula. Muito triste. O STF já foi constituido de verdadeitros juizes , de ilibada conduta e reconhecido saber. Nos últimos 35 anos, desde 1985, Sarney para cá, podemos afirmar que não conseguimos 2/3 de ministros
que satisfizessem os 02 quesitos que citei acima. E seria pior se não tivessem a estrutura jurídica na assessoria. Sem ela, nem sentenças muitos saberiam escrever…
Ana Paula, sou morador da Riverside County . O xerife Chad Bianco conquistou a admiração dos mais de 2 milhões de habitantes do condado, dando o “governador” Newson a respota que ele merece ouvir.
Esse projeto de ditador é simplesmente inadmissível num país como os E.U.A. Sua mais recente decisão foi a de que só irá reabrir o estado quando tivermos uma vacina. A California elegeu para governador um doente mental. O estado mais rico do país entrará em colapso econômico. Para o “governador”e a Nancy Pelosi, o que importa é não reeleger o Trump.
Essa “falha” de se julgar ao sabor dos momentos, acredito que se deva muito mais às origens desses “Supremos”. Maioria, quase unânime, ex-advogados, que se esmeravam na defesa de seus clientes, muitos nem sempre tão “honestos”. Foram empossados mas não se deram conta de que ex-clientes são ex, e que a defesa ferrenha deve ser da Constituição, mesmo que ela tenha sido escrita em momentos plenos de atitudes emocionais.
Excelente !
Sim é isso aí. Chego a imaginar que a origem de tudo-corrupção, política enganosa, órgãos públicos desinteressados com o cidadão e etcetera…- tenham a etiologia no Judiciário, afinal ele foi complacente com isso desde sempre no Brasil.
Sempre genial Ana Paula. O pior é que a esmagadora maioria do STF são destes ungidos, “que por meio de palavras complicadas extrapolam os limites de suas jurisdições e tentam inocular ideias erradas. Os julgadores ungidos são pessoas que se consideram intelectuais no campo jurídico”. A revogação da PEC da Bengala expurgaria de cara, 4 destes ungidos.
Excelente artigo Ana. Vamos ver se o STF, após tantos avisos, via as manifestações de rua e via vocês que efetivamente fazem jornalista de qualidade, se manca e passa a cumprir a constituição. Sucesso à revista oeste que tem você, Guzzo Augusto Nunes.
Como sempre nos lembra diariamente nas suas lives o Fernando Conrado, “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. Parabéns pela lucidez de sempre, Ana Paula.
Um dos maiores erros do Congresso foi passar essa famigerada PEC da bengala. É só ver a decrepitude do famoso “juiz de m… (O Código da Vida por Saulo Ramos, pág. 170)”, decano do STF.