Entre 1997 e 2001, o Brasil exportava anualmente cerca de US$ 4,8 milhões em produtos de amendoim. Em 2020, exportou US$ 443 milhões, quase dez vezes mais. Hoje, o país é o quinto maior exportador de amendoim em grão com US$ 230 milhões, atrás da Índia (US$ 627 milhões), EUA (US$ 475 milhões), Argentina (US$ 433 milhões) e China (US$ 264 milhões). E quase dobrou o número de países atendidos: em 2010 vendia para 56 e, em 2020, passou para 100. O Brasil fornece quase 50% do amendoim importado pela Rússia. Ela representa 30% do volume exportado, seguida pela China (15%).
O amendoim (Arachis hypogaea L.) é uma leguminosa de origem sul-americana. Suas sementes, produzidas embaixo da terra, são ricas em óleo, proteínas e vitaminas. Ele era cultivado por indígenas antes do povoamento europeu. Pesquisas da Embrapa com amendoins primitivos contam seu papel relevante na dieta das populações pré-colombianas. Há milhares de anos, mãos humanas levaram o amendoim para ser cultivado do lado oeste dos Andes, onde espécies selvagens de Arachis não existem. Há 500 anos, as mãos dos lusitanos o levaram para a África e a Ásia, começando por Madras na Índia, provocando mudanças nos hábitos alimentares e sociais. Na África Ocidental, colonizadores franceses tornaram seu cultivo obrigatório para o pagamento de impostos pelas populações locais. Até hoje, algumas etnias chamam o plantio de amendoim de “campo do imposto” (gona l’impôt).
O amendoim, como a soja, retira nitrogênio do ar e o fixa em suas raízes, enriquecendo o solo
A produção nacional de amendoim dobrou em dez anos. A cultura teve grande evolução em produtividade, industrialização e exportação. A área cultivada em 2020 foi de 175.000 hectares, dos quais 88% em São Paulo. E a produção nacional foi de 670.000 toneladas, das quais 93% colhidas em São Paulo. A produtividade média no Brasil é de 3,8 toneladas por hectare e, em São Paulo, de 4,1 toneladas por hectare.
Apesar de toda essa produção, a coisa mais rara de achar na agricultura é uma fazenda de amendoim. E como São Paulo chegou a essa liderança? Graças a uma espécie endêmica de sem-terra: as empresas cultivadoras de amendoim. Os grandes plantadores de amendoim são gente sem-terra ou pequenos produtores de cana, cultivando terras alheias. Mas atenção: não são os sem-terra do imaginário midiático. São empresas com máquinas, plantadeiras, colhedeiras e pessoal qualificado. Às vezes, parte desses equipamentos fica em galpões na periferia de cidades e não em fazendas. É estranho ver essas máquinas reunidas num ambiente quase urbano. A cada seis anos, os canaviais são renovados e replantados. Nessa ocasião, a terra é utilizada para o plantio do amendoim (ou soja), em rotação vantajosa para a cana. O amendoim, como a soja, retira nitrogênio do ar e o fixa em suas raízes, enriquecendo o solo. Desde o século 19, no sul dos EUA, o amendoim entra na rotação com algodão e tabaco, com o mesmo objetivo.
As usinas de cana-de-açúcar, ao terceirizar o plantio do amendoim para empresas ou produtores especializados, transformaram a região canavieira paulista na grande produtora nacional de amendoim. Sempre cultivado na reforma dos canaviais. Os municípios produtores de amendoim são também, portanto, os grandes produtores de cana-de-açúcar. No dito “mar de cana” paulista existe um imenso e pouco conhecido arquipélago de campos de amendoim, a cada ano em um lugar diferente.
Graças ao plantio com tecnologia moderna, em São Paulo a produtividade quase dobrou em dez anos. Em 20 anos, a área plantada cresceu mais de 100%, de 75 mil hectares para 154 mil hectares, e a produção passou de 190 mil toneladas para 625 mil toneladas em 2020, uma alta de 229%.
Os produtores de amendoim geraram R$ 2,67 bilhões em Valor Bruto da Produção Agrícola (VBPA) em 2020, crescimento de 180% em comparação aos R$ 950 milhões de 2011, segundo o Ministério da Agricultura. São Paulo representou 88% desse valor, com R$ 2,35 bilhões. Na última década, o VBPA do Estado cresceu 261%. Os ganhos em São Paulo passaram de R$ 9,4 mil por hectare, em 2011, para R$ 15,2 mil, em 2020, um aumento de 61%.
A produção de amendoim tem dois destinos principais: a indústria de esmagamento e a indústria de produtos à base de amendoim. A divisão da produção de grãos entre os segmentos de esmagamento e de produtos à base de amendoim varia anualmente, em função de fatores de mercado.
A indústria de esmagamento gera a torta de amendoim, destinada quase totalmente à indústria de nutrição animal no mercado interno. E o óleo de amendoim, do qual mais de 90% da produção é exportada. A indústria de produtos à base de amendoim gera a pasta ou manteiga de amendoim; vários doces com grãos moídos ou inteiros: o pé de moleque, o pé de moça e outros feitos com leite condensado e chocolate, e a famosa paçoca. O setor produz ainda amendoim in natura, salgado, torrado, condimentado e doce; ovinhos de amendoim com diversas cores e sabores; recheios ou componentes de chocolates e bombons. Esses produtos vão sobretudo para o mercado interno. As cascas de amendoim são usadas na fabricação de plástico, gesso, abrasivos, combustível, celulose (rayon e papel) e mucilagens (cola).
Dezenas de cultivares de amendoim são plantadas no Brasil. Em São Paulo, predominam as difundidas pelo Instituto Agronômico de Campinas. A pesquisa contribuiu muito no ganho de produtividade, com o melhoramento genético, o aprimoramento da mecanização, das técnicas de cultivo e manejo. Isso garante qualidade e segurança alimentar ao amendoim e elimina o risco da presença de aflatoxina, fundamental para as exportações.
Aflatoxina é uma substância tóxica para humanos e animais, produzida por fungos. Sua presença em vários alimentos está associada às condições inadequadas de secagem e armazenagem. Sua ocorrência é maior no amendoim, arrancado do solo. A colheita com cerca de 40% de umidade ou mais, se a secagem não for adequada, facilita o crescimento de fungos e a contaminação com aflatoxina. Conforme a dose e a frequência da ingestão em rações e alimentos contaminados, ela pode causar queda na imunidade, mutações, hepatite B, kwashiorkor e, segundo a Organização Mundial da Saúde, câncer primário no fígado. A pessoa não contrai câncer por ingerir aflatoxina e, sim, tem aumentado o risco em função da ingestão em longo prazo.
Nesse tema, a sinergia e a organização dos atores da cadeia de produção e transformação cresceram. Um exemplo é o Programa Pró-Amendoim, criado em 2001, pela Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab). Ela representa 92% do mercado de chocolates, 62% do amendoim e 93% das balas e gomas. O Programa Pró-Amendoim garante a segurança dos produtos de amendoim. As empresas com o selo “Qualidade Certificada Pró-Amendoim – Abicab” atendem aos requisitos da legislação quanto à aflatoxina. O Ministério da Agricultura e a Anvisa trabalham para impedir a venda de produtos contaminados, retirando-os do mercado. Hoje, os produtos industrializados à base de amendoim são seguros, auditados e monitorados, aqui e no exterior, a cada remessa exportada.
Em 2020, São Paulo foi o principal Estado exportador dos produtos de amendoim, com 97% do total, ou US$ 427,8 milhões. Os municípios de Tupã (20,7%), Borborema (13,5%), Jaboticabal (12,7%) e Catanduva (10,6%) somaram 58% do total da receita de exportação gerada em 2020. O estudo Agronegócio do Amendoim: Produção, Transformação e Oportunidades, da Fiesp, aponta os principais resultados da cadeia produtiva do amendoim.
O consumo per capita de amendoim no Brasil é da ordem de 1,1 quilo por ano, bem inferior ao da China (12,8), ao dos EUA (6,7) e à média mundial (6,0). O mercado interno do amendoim crescerá muito no Brasil e também a área cultivada com essa leguminosa em canaviais e alhures. Para encerrar, uma pergunta de matuto: depois da colheita, aos pés de quem o amendoim volta a encontrar a cana-de-açúcar? No pé de moleque.
Leia também “O país adoça o mundo”
Evaristo de Miranda é doutor em Ecologia e chefe-geral da Embrapa Territorial.
Excelente e instrutivo artigo. Parabéns. Viva o amendoim!!!
Ótimo texto. Parabéns Evaristo.
O Professor Evaristo sempre nos enriquece e nos diverte, com idéias claras e distintas, marca de um espírito elegante e ilustrado.
Excelente artigo. Parabéns! Acrescentaria apenas que o amendoim é, dentre as culturas agrícolas, a que mais produz proteína vegetal de excelente qualidade por unidade de área. Com as mudanças climáticas, substituirá a soja no futuro…
Doutor Evaristo, cada coluna sua é luz para um segmento da economia brasileira tão injustamente condenado por quem não se contenta com os avanços tecnológicos da agropecuária. É a turma que vê girafas andando tranquilas na Amazônia, que fala dos malefícios dos ” puns ” do gado, que fala em devastação por incêndios nos diversos Biomas por aqui, mas nos Estados Unidos, como agora lamentavelmente na Califórnia, são coisa sem importância para as Gretas, Di Caprios, Anitas e comandita associada. Tenho visto ao longo de 2021 diversos programas ” O mundo visto de cima ” do canal Mais, do Grupo Globo, em episódios nos Estados Unidos, Ásia e Europa que focam em rios. Nem é ironia, mas sim um fato concreto, que a despeito do discurso encomendado e pago regiamente por nossos concorrentes na produção de alimentos, lá não se vê em TODOS episódios a mata ciliar que o próprio Grupo Globo cobra dos agricultores daqui. Entendo que as matas ciliares sejam importantes na contenção do assoreamento dos cursos d’água, grandes ou pequenos e o agricultor é o principal interessado na água da sua propriedade, que em última análise, vale mais que a terra. Gostaria de ler o senhor sobre matas ciliares. Outra discussão recorrente é a agricultura na Amazônia, um assunto carente da opinião de gente como o senhor, que conhece do assunto, ao invés das baboseiras de ambientali$ta$ de conveniência. Sabendo-se que na imensidão da Amazônia o produtor rural, por força de Lei, só pode usar 20% da sua área para atividades agrícolas e pecuárias, seria possível mensurar quanto desses 20% já foram usados? Não sou produtor rural, mas o motor que move o Brasil precisa a cada dia mais do seu conhecimento e da honestidade editorial da Oeste. Parabéns.
Muito importante esta divulgação detalhada da produção e usos do amendoim, esta planta tropical tão rica e enraizada em nossa cultura!
Sensacional o paralelo entre os arrendamentos dos “sem terra” na renovação dos canaviais!
Parabéns @Dr. Evaristo de Miranda pelo excelente artigo.
Administrei uma Usina de Açúcar e Etanol em Nova Europa/SP e o amendoim tinha uma contribuição enorme na renovação dos canaviais.
Todos os plantadores de amendoim e de soja eram também fornecedores de cana, com pequenas e médias propriedades, próprias ou arrendadas.
A soja e o amendoim lhes davam ganhos complementares fundamentais.
Outra contribuição muito importante do amendoim eram suas cascas, que serviam como cama de frango para as granjas da região.
O Depto Agrícola dava total preferência à compra de cama de frango feita sobre casca de amendoim, e muito menor às feitas sobre casca de arroz ou serragem.
Muito bom ler o seu artigo.
Abs. Christiano
Me alegro quando visito o site e encontro nova matéria do Evaristo de Miranda com texto sempre rico em detalhes. Desconhecia sobre o plantio e produção, principalmente feito por empresas não proprietárias reoxigenando a terra na entressafra. Ao ler o parágrafo sobre os doces, lembrei da culinária utilizando esses grãos preciosos. Muito agradável. Parabéns!
Excelente artigo! Parabéns pelo trabalho e meus pêsames pela perda.
Ótimo artigo, informativo e gostoso de ler, como acontece com frequência na Revista Oeste, ainda mais quando o autor é o dr. Evaristo. Eu só acrescentaria que, depois de colhidos e processados, o amendoim e a cana-de-açúcar, além do pé-de-moleque, se reencontram também na dupla cachacinha e tira-gosto.
Parabéns Evaristo, excelente reportagem. O amendoim é uma leguminosa excelente para a reforma dos canaviais proporcionando economia na adubação devido a agregação de nitrogênio que ela proporciona.
Excelente matéria e muito bem explicada. Não sou da área e entendi tudo, pois aprecio tudo que se refere a agro. Parabéns Dr. Evaristo e continue nos esclarecendo
Os artigos do Professor Evaristo de Miranda cumprem um papel de valor extraordinário para os brasileiros. São a versão honesta, bem documentada e facilmente compreensível do fato.
Quando Evaristo fala, “magister dixit”!
Parabéns por mais uma excelente matéria. Continue!!!!!!
Parabéns Evaristo! Mais uma vez mostrando o agro que a maior parte dos brasileiros desconhece.
Parabéns Dr. Evaristo, excelente artigo, como todos escritos por você, conhecimento que enriquece, enobrece nossa agropecuária e transformará nosso Brasil numa grande potência. Continue escrevendo! Parabéns para a Revista Oeste por ter escolhido pessoas deste quilate para escrever, tenho tido uma verdadeira aula em cada página, continuem assim!!!
Novamente mais uma lição do Evaristo.
A cada dia, a cada artigo e a cada conversa ele nos expõe mais um pouco desse BRASIL, que no fundo nós não conhecemos.
Mais uma vez obrigado.
“As cascas de amendoim são usadas na fabricação de plástico, gesso, abrasivos, combustível, celulose (rayon e papel) e mucilagens (cola)” – Surpresa! Lendo e aprendendo! Não tinha noção desse aproveitamento!
Excelente seu antigo amigo Evaristo da cultura do amendoim, mais uma riqueza para a agricultura Brasileira,sua origem os vários países como ele veio parar no Brasil.
A entressafra entre a cana de açúcar e plantação desta delícia..uma verdadeira parceria entre a cana de açúcar com o amendoim nas delícias culinárias..principalmente nas festas juninas. Aprendi muito que a casca se aproveite para a Indústria.
Mais um excelente artigo do mestre Evaristo que difundido por uma revista de credibilidade que amplia a quantidade de leitores, a cada publicação, principalmente voltados ao agronegócio, com certeza incentivará a produção e consumo de mais uma promissora comodite
Excelente artigo tecnico e objetivo
Evaristo como sempre difundido o melhor em conteúdo do Agronegócio
Basta uma festa junina para entender o apreço do Brasil pelo amendoim, não é? Se parar para pensar, está em todos os quitutes! Fico sempre maravilhada com os textos do Evaristo, a sua coluna rapidamente se tornou minha favorita aqui na Oeste. Adoro como a informação técnica é explicada de forma acessível e costurada com História, com causos do campo e esse jeito de escrever tão gostoso de ler. Fiquei surpresa de descobrir como é plantado o amendoim, assim na entressafra, e como mesmo assim rende tantas toneladas e tanto dinheiro ao país. É mesmo impressionante! Os amendoins “sem-terra”. Gostei de saber também sobre o percurso que a espécie fez ao longo da história, sendo levada por diferentes povos para diferentes países e regiões. Não fazia ideia! Eu, que sou vegana, vivo sendo “salva” pelo amendoim, é a comida 100% vegana mais fácil de encontrar nos lugares… até em boteco tem e sempre quebra um galho! Também é um dos leites vegetais mais baratos e fáceis de fazer em casa e serve de base para vários outros alimentos. É muito versátil. Foi sensacional aprender mais sobre a planta e também sobre as certificações, que agora vou me atentar quando comprar no mercado. Muito bom!!!
Os escritores podem mudar de assunto, mas nunca a caligrafia. É sempre uma delícia ler um artigo escrito pelo Dr Evaristo. Ele entremeia informação de alto nível, profundo conhecimento e leveza de expressão.
Eita Miranda…enciclopédia ambulante!
Adoro ler estas matérias de um Brasil que dá certo e vai muito bem. O interior do país é um tesouro e o amendoim, uma delícia. Tudo o que feito com ele dá água na boca!
O colunista e a Revista Oeste estão de parabéns.
O primeiro pelo q tem apresentado aos leitores em seus artigos e a segunda por só ter “feras” em seus quadros.
A capacidade de reunir a história, economia, geografia e os sistemas de produção, somente para poucos, como o Dr. Evaristo faz. Outro excelente texto que permite aos leitores percorrer o cultivo do amendoim através da sua história, distribuição geográfica, mercados e identificação dos produtores com seus sistemas de produção.Parabéns!!! A-MEN-do-im.
Dr. Evaristo: mais um excelente texto! Vamos conhecendo mais detalhadamente diversos aspectos da economia agropecuária brasileira, o setor que vem “salvando” a economia brasileira há tantos anos. A informação sobre as empresas “sem terra” que plantam amendoim é uma ilustração clara sobre as crescentes ramificações econômicas da agropecuária, que criam numerosos serviços e atividades à jusante e à montante do produto. E são as cadeias produtivas que produzem a prosperidade, onde o setor é mais dinâmico. Parabéns pelo artigo! Zander Navarro
Os escritores podem mudar de assunto, mas nunca a caligrafia. É sempre uma delícia ler um artigo escrito pelo Dr Evaristo. Ele entremeia informação de alto nível, profundo conhecimento e leveza de expressão.
Excelente reportagem, muito elucidativa e mais uma razão pra nos orgulharmos do nosso Agro.
Que matéria legal, super instrutiva.
Boa tarde.
Excelente aula sobre o amendoim.
Me fez lembrar 1972 quando estudava ciências econômicas e fui visitar um colega de classe que morava em Birigui. Na época amendoim era a economia da cidade. Pude aprender um pouco e apreciar muito do que se pode fazer com amendoim.
Forte abraço e parabéns.
Magnífica reportagem sobre o amendoim. Sou professor Universitário, Botânico, com doutorado na Unicamp, e aprendi muito com o seu texto. Parabéns!