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Foto: Montagem com foto divulgação
Edição 77

A cegueira da imprensa agora tem método

Parece que, quando o fato entra pela porta, os jornalistas da velha mídia saem desesperados pela janela

Pedro Henrique Alves
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Terça-feira, 7 de Setembro, dia de manifestações e, principalmente, dia de comemorar a Independência do Brasil, foi uma data reflexiva para mim — mas não por apoiar alguma pauta pró-Bolsonaro ou contra o presidente. Na realidade, tento me afastar dessas “muvucas” ideológicas. O que avaliei no Dia da Independência foi quanto o chamado fato — objeto puro do jornalismo — deixou de ser apreciado pelas grandes instituições de informação do país. Parece que, quando o fato entra pela porta, os jornalistas da mídia tradicional saem desesperados pela janela. A realidade se tornou subversiva para esses roteiristas da verdade.

Não sou jornalista — eis outro fato —, mas entendo que, embora o jornalismo não necessariamente exija conhecimentos metafísicos nem dominância poética de conceitos transcendentais, ele é digno, pois carrega a nobre missão de comunicar a realidade, o que, por si só, já é muito. Ele reivindica de seus profissionais um preparo intelectual e uma abnegação de caráter a fim de informar o que acontece, e não o que e como gostariam que acontecesse. Ser jornalista não é coisa para pessoas moralmente fracas. Abster-se de suas tendências para oferecer heroicamente a realidade para a interpretação de cada indivíduo requer uma certa castidade ética. Não que não exista espaço para a opinião no jornalismo, mas não estamos agora discutindo colunas, gostos, cores ou tendências. Falo de notícias, fatos. Uma opinião não deveria jamais se sobrepor à realidade quando estamos no caderno de notícias.

Dia 7, entre uma tarefa familiar e outra, sentava-me para acompanhar as manifestações e, por isso, fiquei relativamente preso ao meu Twitter durante o dia todo — até o momento em que minha mulher ameaçou nosso casamento caso não desligasse o smartphone. Até esse entrevero, acompanhei estupefato, não as colossais manifestações e evidente revolta popular contra as arbitrariedades do STF, mas sim “uma manifestação antidemocrática”, segundo a GloboNews. Acompanhei jornalistas dizendo que a manifestação tinha sido um fiasco, com um número pífio de adeptos. Confesso que fiquei até desconcertado, a famosa “vergonha alheia”. Discutir ideias, mesmo acreditando em ideias idiotas, é algo possível. Mas brigar com imagens de vídeo que davam conta de uma Avenida Paulista lotada, isso beirava à psicose. É o que o filósofo alemão Eric Voegelin chamou de “sacrificium intellectus”, o ato de deliberadamente sacrificar a lógica e o raciocínio crítico em prol de uma narrativa ideológica.

Porém, preciso fazer uma ressalva honrosa a dois jornalistas, Hugo Marques e Rafael Moraes Moura, da revista Veja, que tiveram a coragem de expor o fato pelo fato, num texto intitulado “Bolsonaristas massacram oposicionistas em número de manifestantes”, relatando a diferença colossal de manifestantes “bolsonaristas” e “esquerdistas” em Brasília. E vejam, isso não é fato por ser “um massacre” bolsonarista, é fato pois foi o que aconteceu. Pode soar estranho a alguns ouvidos ter de relatar o que aconteceu, mas isso é o tal do “noticiamento”.

Voltemos, contudo, ao status quo jornalístico atual. As câmeras da mídia tradicional caçavam frenéticas os cartazes com dizeres golpistas do ato pró-governo. Sim, elas existiam, e não foram poucas — diga-se de passagem. No entanto, as mesmas câmeras pareciam desviar rapidamente das mensagens que apontavam a sanha tarada de Alexandre de Moraes em prol da censura descarada que vem emplacando. Censura essa que talvez seja a principal causa de todo esse movimento do último dia 7. E aqui está o real problema: o duplo padrão moral, a evidente militância ideológica das redações.

Manifestações do 7 de Setembro na Paulista | Foto: Roberto Casimiro e Vicent Bosson/Estadão Conteúdo

Eles analisavam e molestavam afoitamente — como hienas famintas — cada vírgula do discurso do presidente, destacavam as frases duras e realmente nada democráticas proferidas pelo líder do Executivo; mas convenientemente se calavam ante a mais dois atos escabrosos do ministro Moraes que estavam sendo perpetrados no exato momento das manifestações. O primeiro foi a condução coercitiva de Jason Miller, conselheiro de Donald Trump e CEO da rede social Gettr, levado pela Polícia Federal sem nenhum motivo aparente para prestar depoimento num quartinho no Aeroporto de Brasília. Segundo uma entrevista concedida por ele ao programa Os Pingos nos Is, da rádio Jovem Pan, Miller foi impelido a assinar um documento expedido por Alexandre de Moraes, mesmo sem conhecer seu conteúdo e sem ter um intérprete oficial para ajudá-lo. Os policiais — que não falavam absolutamente nada em inglês — insistiram diversas vezes para que assinasse sem ler, até ele acionar a embaixada americana e conseguir assistência jurídica. Isso lhe parece democracia, caro leitor? A mim parece uma cena daqueles filmes de espiões, misturados com besteirol, típicos da década de 1990.

E o segundo ato do censor togado foi expedir o quarto mandado de prisão contra Oswaldo Eustáquio, que estava no México, sem nenhum motivo mais ou menos convincente para justificar a detenção. Sim, Moraes mandou prender, pela quarta vez, um jornalista independente, e aleijado.

Quanto mais juram ardorosamente defender a democracia, mais fortemente se fecham aos fatos

Enquanto isso, a mídia engajada e socialmente fofa, ansiosa em caçar nazistas e fascistas de 80 anos na Paulista, novamente fazia cara de paisagem, relatava rapidamente, ou se calava completamente, ante uma Corte que prende deputados, jornalistas e faz toda sorte de malabarismos antidemocráticos para justificar seus inquéritos ilegais e uma fantasmagórica democracia de bordel.

Esse silêncio complacente, patrocinado por jornalistas militantes, o qual esconde como maquiagem rala a tirania do STF, traz à tona algo que talvez seja quase inédito por essas bandas: a autocensura midiática. Durante o regime militar, os coronéis da borracha ditavam as partes de um jornal que não deviam ser publicadas, assuntos intocáveis, ideias e pessoas que não poderiam ser criticadas. Hoje, quem coloca essa tarja são os próprios editores e jornalistas. Beira o masoquismo. Uma espécie de algofilia psicótica da mídia progressista. Porém é algo orquestrado, não se enganem. Quanto mais juram ardorosamente defender a democracia, mais fortemente se fecham aos fatos, agarram-se às suas ideologias e, quiçá, a seus patrocinadores inauditos.

É a mídia acariciando o autoritarismo que lhe convém, escolhendo a ditadura que lhe agrada. Ora, o mesmo canal que chamou as manifestações na Paulista de “antidemocráticas” ostentou, nas manifestações vermelhas concorrentes, a frase: “Protesto em São Paulo em defesa da democracia”. Tudo isso enquanto um bandeirão vermelho exibido pela câmera da referida TV estampava a frase: “Em defesa da revolução da ditadura do proletariado”. Seria engraçadíssimo se não parecesse doença.

Foto: Reprodução/Globonews

O desespero das redações é evidente, mas a população brasileira, em sua maioria, não parece mais comprar essa narrativa. Sebastião não acredita que Sérgio Reis seja uma ameaça à democracia, que esteja liderando uma turba de peões golpistas, não importa quantas entonações emotivas sejam encenadas no Jornal Nacional. Zé Trovão não perece ser nenhum revolucionário nazista. E nem Eustáquio parece liderar um grupo de terroristas prestes a explodir o STF.

A tese da mídia não cola. A dona Ana não acredita que exista uma rede de malvadões paramilitares articulados num grupo de WhatsApp. Nas filas dos supermercados, não são as narrativas do UOL que são repetidas, e, nos bares, não são os enredos do STF que são defendidos. O jornalismo tradicional não molda mais tão facilmente a opinião popular. E ele não está sabendo lidar com isso. Por essa razão, tem de apostar mais alto, dobrar a insanidade, apontar uma rede de fake news jamais vista, liderada supostamente por tias e tios que dividem seu tempo entre apoiar o Bolsonaro na internet e alimentar gatos.

Hoje, a população entende por que a maioria acredita em algo, e a classe burocrática emplaca outra pauta. O cidadão comum sabe quem sãos os jogadores dessa partida política, o que faz com que sejam dispensáveis tais interpretações filtradas pelas lentes da mídia militante. Mesmo depois de três anos de propaganda maciçamente antibolsonarista, São Paulo e Brasília foram tomadas. Diminuir o que aconteceu no dia 7 é um ato de desespero, é como ser achado completamente nu e fingir estar vestido.

A democracia está ameaçada, sim; esse é aquele entendimento comum que nos une. Mas a pergunta de ouro que os analistas do mainstream se negam a fazer é a seguinte: quem a ameaça? Quem se dedica a tencionar a corda democrática? Hoje, você está mais próximo de ser preso por criticar o presidente ou o ministro careca?

Não há santos nesses jogo, e o perigoso populismo do presidente é real e deve ter sua parcela de crítica. Mas quem está prendendo deputados por opiniões, detendo ex-assessores políticos americanos sem nenhuma razão, atando a boca e as mãos de jornalistas independentes, sabe-se lá Deus o porquê, não é o Bolsonaro. E isso não é opinião, isso é fato. O silêncio absurdo do jornalismo ante essa realidade é cada vez mais medonho. É o que o espanhol José Ortega Y Gasset chamava de “acanalhamento”, o ato consentido de abandonar a realidade para decorar suas vontades e mentiras.

Depois do 7 de Setembro, muitos comentaristas da grande mídia fizeram uma análise da “corda institucional” que está “cada vez mais esticada”, mas são realmente poucos que se dignificaram à independência política de citar o emaranhado de vergonhas e ilegalidades no qual o STF se empolou. Hoje, a maioria da velha mídia é um canal servil de um progressismo antidemocrático. Por isso, devemos estar cientes de que a democracia por ela apregoada não passa de uma narrativa para encher folhas digitais e acariciar poderosos. Esta é uma verdade que muito provavelmente você nunca lerá no UOL.

Leia também “A imprensa transformista é capaz de tudo


Pedro Henrique Alves é filósofo, editor e analista político.

20 comentários
  1. Eliane Cristina da Cunha
    Eliane Cristina da Cunha

    Paulo Henrique, parabéns pelo excelente texto: na veia amigo, na veia

  2. FRANCISCO JOSE GONCALVES
    FRANCISCO JOSE GONCALVES

    A velha imprensa não muda e caindo no abismo.

  3. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Apesar de algumas discordâncias, excelente texto.

  4. Leandro Oliveira Mota
    Leandro Oliveira Mota

    Excelente ! expõe o sentimentos de muitos em suas palavras . Nós brasileiros somos tidos como cojosos ! Que não desistimos nunca e etc… Porém precisamos tem mais um pouquinho de.coragem precisamos tomar providências diante dessa pessoas que deturpa as informações tentam de todos as formas nos enganar e nada acontece como eles !!!? Por que? Ele são regidos pelas mesma leis precisamos ver onde iremos nos agarrar quando a corda tencionada se romper então quem será ? Esse braço que irá nos guiar pois apenas palavras flores e conversa não irão resolver tudo .
    Por enquanto, talvez!
    mas até quando!!!?

  5. Marcial Ferreira da Silva
    Marcial Ferreira da Silva

    Parabéns Pedro Henrique! Excelente texto, no mesmo padrão de qualidade dos colunistas da revista. Escreva mais vezes.

  6. MARCELO GONÇALVES VILLELA
    MARCELO GONÇALVES VILLELA

    O articulista se esforçou bastante em esconder as suas preferências ideológicas. Todavia, ao chamar o governo Bolsonaro de populista, revelou a sua face social-democrata. Ao tentar se ater a análise dos fatos, recomendo despir-se de seus preconceitos ideológicos e antipatias. Ainda, sugiro que esclareça os atos do governo Bolsonaro que o fizeram caracterizá-lo como populista.

  7. Vinicius Ribeiro
    Vinicius Ribeiro

    Sensacional esse texto!

  8. Bernardo m. C. Arndt
    Bernardo m. C. Arndt

    Excelente artigo! É precisamente isso, sem paixões, só a realidade.

  9. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Espetacular aula de jornalismo de um filosofo, categoria de profissionais difíceis de interpretar em sua VÃ filosofia. que ao menos para mim tenho dificuldades para entender.
    Dai a importância de Pedro Henrique Alves dar essa aula de jornalismo aos colegas PONDÉ, CORTELLA e KARNAL que atualmente vivem do jornalismo desprezível dos jornais da CULTURA e CNN.
    Parabéns professor e ofereça esse seu trabalho ao ESTADÃO que possui somente 2 jornalistas, o professor Carlos Alberto Di Franco, e o nosso mestre J.R.Guzzo.

    1. Decorozo Ortiz De Lima
      Decorozo Ortiz De Lima

      Ô Antônio Carlos, por favor não cite nomes dessas excrescências acima nominadas. Trata-se de três patetas, imbecis, idiotas, cheios de empáfia e arrogância. Na realidade não passam de uns canalhas, “pseudos analistas e “especialistas” em bazófias, mentiras e, acima de tudo são esquerdopatas esquizofrênicos. Simples assim.

  10. Eric Kuhne
    Eric Kuhne

    Ótimo texto. Gostaria de acreditar que o povo em geral não mais se deixa levar pelas narrativas dessa mídia-lixo (Globo, Folha, UOl,, e que tais), mas ainda vejo o povo seguindo esses canais e seus arautos (“celebridades”, artistas, Youtubers,”influenciadores”, especialistas de tudo, professores barbudos de Humanas, etc). Acho que os esquerdistas/globalistas/”progressistas”/”democratas de mentirinha” na verdade estão ganhando de goleada de nós, “direitistas”/nacionalistas/conservadores/democratas de verdade, pois estão com as canetas e com as câmeras na mão, são bons em passar narrativas, são coesos entre si em defesa de suas causas, e jogam sujo para conseguir seus intentos.

  11. Ruth Picchi
    Ruth Picchi

    Parabéns, Pedro Henrique, pela análise dos fatos, que eu presenciei. Tenho 73 anos de idade, e fui à Paulista com bandeira, na mão e na máscara, com roupa verde e amarela, e muito orgulho de ser brasileira!
    A Revista Oeste sustenta a nossa fé, de que tudo dará certo!

  12. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Excelente!

  13. Ramon Osmainschi
    Ramon Osmainschi

    Parabéns, Pedro, espero que venham muito mais artigos com suas opiniões sensatas e análises fundamentadas.

    A esquerda usurpou o termo democracia para eles, só pode ser usada na sua causa, e jamais em pautas da direita. Todos os atos da direita são antidemocráticos para a narrativa ser fiel à ideologia, enquanto Black Lives Matter, MST e demais movimentos são exemplos a serem seguidos.

    O duplipensar de Orwell está cada vez mais real, novilínguas e o ministério da verdade em curso. Tempos sombrios…

  14. Silvestre Carlos Antunes Siqueira
    Silvestre Carlos Antunes Siqueira

    Sr Pedro Henrique, o que o senhor denomina como “muvucas ideológicas” é na verdade a luta de brasileiros aguerridos, para transformar o Brasil de um País de terceiro mundo para um País de primeiro mundo, se o senhor não vivenciou a diferença eu e a Vanica já e não é nada agradável. Eu com 80 anos e a Vanica com 75 anos, fomos no dia 7 de setembro para a Praça de Liberdade, aqui em BH, como fazemos sempre que tem manifestações, em um dado momento uma garota de uns dezesseis anos, enrolada em uma bandeira do Brasil, se aproximou e deu um abraço, bem apertado na Vanica e disse “Muito obrigado por vocês estarem aqui dando este apoio para nós”. Sr Pedro Henrique, isso não tem preço e nos da a certeza que nada esta perdido.

    1. Márcia Galves Castilho
      Márcia Galves Castilho

      Que orgulho de brasileiros como o senhor, Silvestre, e sua esposa Vanica! Também considerei ofensiva a denominação “muvucas ideológicas”. Só quem se indigna com o que está errado e quer fazer sua parte para o país evoluir sabe o que significa participar de manifestações de rua ordeiras, pacíficas e sempre emocionantes.

  15. Luiz Antonio Fraga
    Luiz Antonio Fraga

    Expressou, em linhas gerais, o que eu também penso.
    Complementa bem as colocações de Fiuza.
    Essa chamada “grande imprensa”, enquanto veículos de comunicação, esta literalmente falida.

  16. Juliano Pires
    Juliano Pires

    Maravilhoso o texto! é uma honra ser assinante da revista Oeste.

    1. Decorozo Ortiz De Lima
      Decorozo Ortiz De Lima

      Juliano, concordo Ipsis Litteris. Somos felizardos pela existência da Revista Oeste, e, mais ainda por sermos assinantes. Adorei a frase … entre apoiar Bolsonaro na internet e alimentar gatos !!! Genial. Um achado, uma graça e convenhamos: Esse Pedro Henrique Alves já faz parte daquele pelotão de excelentes textos, tal qual Augusto Nunes, J.R. Guzzo, Guilherme Fiúza e outros mais …

  17. Dirceu Bertin
    Dirceu Bertin

    Muito bom artigo

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