No último dia 14, integrantes do movimento chamado Via Campesina Brasil invadiram a sede da Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja) em Brasília. Eles arrombaram o portão eletrônico, picharam a frente da casa e jogaram carvão no gramado. Não foi só isso. Dentro do imóvel, o grupo depredou paredes e espalhou lixo. Uma funcionária da limpeza estava no local e se trancou em um cômodo.
Para o deputado Ubiratan Sanderson (PSL-RS), a ação é mais que um ato de vandalismo, trata-se de terrorismo tipificado na Lei Antiterrorismo, sancionada em 2016 pela então presidente, Dilma Rousseff (PT). Sanderson é o relator do Projeto de Lei 1595/19, que pretende dar ao Estado condições de agir no enfrentamento a ações do tipo. “Não é porque a pessoa agora é ligada a determinado grupo que pode cometer atos de terrorismo como o que foi feito contra a Aprosoja”, afirmou.
A proposta relatada pelo deputado já foi aprovada em uma comissão especial e agora aguarda a decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de levá-la ao plenário. O deputado recebeu a reportagem de Oeste em seu gabinete na Câmara na semana passada. Ele detalhou o projeto e rebateu argumentos da oposição, principalmente de que o texto criminaliza movimentos sociais.
Em resumo, de que se trata o projeto contraterrorismo?
O projeto busca organizar administrativamente o Estado para o enfrentamento de ações terroristas. Com isso, teremos uma legislação moderna, adequada, que dê condições de o país se proteger de possíveis atentados. Não é um projeto de governo, partidário, muito menos ideológico, é um projeto de Estado.
Desde 2016, já existe a Lei Antiterrorismo. O que pode mudar caso o projeto seja aprovado no plenário da Câmara?
A lei aprovada em 2016 não tem esse escopo, ela apenas criminalizou atos que possam ser cometidos no cotidiano e, portanto, tem apenas um viés penal. Já nosso projeto de lei dá condições para que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a Polícia Federal, as Forças Armadas e polícias em geral tenham um sistema integrado de informações. A proposta cria uma Autoridade Nacional Contraterrorista e estabelece que o controle dessas ações será feito pela Câmara e pelo Senado por meio dos líderes da maioria e da minoria nas duas Casas e dos presidentes das comissões de Segurança Pública e das Relações Exteriores também das duas Casas. Eles farão a fiscalização de todas as ações que sejam levadas a efeito no enfrentamento ao terrorismo. A lei atual tipificou criminalmente ações que possam ser classificadas como terroristas. Nosso projeto não traz essa classificação, mas dá condições operacionais para diversos órgãos atuarem, se integrarem, além de dar segurança jurídica para os profissionais que atuam tanto na identificação de células terroristas, como na prevenção e na repressão, coibindo atos terroristas.
Em relação a essa questão de segurança, o senhor poderia citar exemplos?
O projeto detalha condições em que vale a excludente de ilicitude (situações que afastam a ilegalidade de uma ação). Nesse ponto, notamos que a oposição critica: ‘Ah, a excludente de ilicitude que o presidente Bolsonaro sempre quis fazer foi colocada neste projeto’. Nós simplesmente copiamos e colamos as excludentes de ilicitude que já estão previstas no Código Penal, no artigo 23. Há também uma previsão a esse respeito no Código Penal Militar, que é uma lei. Não há nada de novo. Como o presidente Bolsonaro falou em excludente de ilicitude, há um preconceito. Uns dizem: ‘Como ele falou, tenho de ser contra’. Então, tem de ser contra o Código Penal que vigora desde 1940 ou o Código Penal Militar, criado em 1969. A oposição faz uma argumentação falaciosa para tentar confundir os deputados que votaram na comissão especial, mas, depois que expliquei, eles compreenderam e aprovamos por 22 a 7. Além da exclusão da ilicitude, o texto permite a possibilidade de infiltração de agentes para obtenção de informações para proteger o Brasil de ataques terroristas, com um sistema integrado em que as agências conversem entre si. Assim, poderemos identificar células terroristas e deter aqueles que atentem contra a segurança nacional, contra a vida e a integridade dos brasileiros, além da propriedade pública ou privada.
“Todos os produtores de soja e de milho no Brasil se sentiram atingidos, logo, colocou-se o terror no segmento”
A oposição também tem dito que o projeto abre a possibilidade de criminalização de movimentos sociais. O que a proposta prevê para esses grupos?
Isso não está no projeto. A possibilidade de criminalizar movimentos sociais que porventura ajam no sentido do terrorismo foi feita em 2016, aprovada pela legislatura anterior, no governo da Dilma, quando os líderes da Câmara e do Senado eram do PT. Então, os discursos caem por terra quando dizem que o objetivo é esse. O projeto não traz nenhum tipo penal, nem aberto nem fechado, apenas condições operacionais e administrativas para o Estado brasileiro enfrentar uma situação que é real e com a seriedade que precisa ser enfrentada. Talvez seja a única coisa boa que os petistas fizeram nos últimos anos: aprovar uma lei que criminaliza qualquer um que cometa prática de terrorismo no Brasil, independentemente de ser movimento social ou não, de ser MST, MTST ou Via Campesina. Não é porque a pessoa agora é ligada a um grupo que pode cometer atos de terrorismo como o que foi feito contra a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).
Como o senhor vê as invasões e depredações que ocorreram na Aprosoja e na Associação Brasileira dos Produtores de Milho, a Abramilho?
Temos presenciado no Brasil uma série de ataques ao agronegócio. Em relação ao caso da Aprosoja, já existe uma lei, de 2019, que caracteriza o ato contra a associação como terrorista. O projeto do qual sou relator vai dar condições operacionais de as agências agirem em casos em que hoje os operadores policiais e de Inteligência não têm segurança jurídica para agir. Os críticos do projeto dizem assim: ‘Ah, o Brasil nunca sofreu um ataque terrorista’. Que bom, que continue assim. Agora, tem o terrorismo externo e o interno. O interno, por exemplo, foi o que aconteceu no ataque contra entidades que representam o agronegócio no Brasil. A sede da Aprosoja e a da Associação dos Produtores de Milho foram atacadas em Brasília. Não foram atos de vandalismo porque foram organizados. Foram atos terroristas que buscam impor o terror e intimidar o setor como um todo. É uma atitude feita em Brasília, mas com repercussão nacional. Todos os produtores de soja e de milho no Brasil se sentiram atingidos, logo, colocou-se o terror no segmento. É diferente de um sujeito que pega um spray e picha o muro de uma escola. Isso é ato de vandalismo. Além disso, o fato de não termos tido até hoje atentados terroristas externos não quer dizer que não tenhamos de nos preparar.
O Brasil possui um sistema integrado de combate ao terrorismo?
Integração zero. A ideia é criar o Sistema Nacional Contraterrorismo, que servirá para integrar os sistemas que hoje não se comunicam entre si. Informações policiais não se comunicam com informações das agências de Inteligência. O sistema terá a função de unificar, maximizar, otimizar e integrar as forças policiais, de Inteligência e forças militares, no que diz respeito às ações contraterroristas, tudo sob a fiscalização do Congresso Nacional. Isso não vale para a Segurança Pública de modo geral, ou seja, o projeto não significa que a Polícia Federal, que está investigando uma quadrilha de narcotraficantes, tenha de passar isso para o Exército ou para a Abin. Só as questões específicas de enfrentamento ao terrorismo.
No projeto de lei antiterrorismo está prevista a criação da Autoridade Nacional Contraterrorista. Qual é a função dessa autoridade?
A Autoridade Nacional Contraterrorista terá a função de executar as ações operacionais contra o terrorismo. A narrativa dizendo que será a criação de uma polícia política, uma Gestapo do Bolsonaro é mentira. A Autoridade Nacional será ocupada por uma única pessoa, indicada pelo presidente da República, mas quem vai estabelecer as políticas públicas para o enfrentamento ao terrorismo será o Conselho de Defesa Nacional. O Conselho de Defesa Nacional, que é um órgão consultivo da Presidência, que está previsto na Constituição e é composto do vice-presidente da República, dos presidentes do Senado e da Câmara, além dos ministros da Justiça, da Defesa, das Relações Exteriores, da Economia e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
O projeto já foi aprovado na Comissão Especial da Câmara. Quais são os próximos passos?
A proposta está pronta para ir ao plenário da Câmara. Conversamos com o presidente Arthur Lira e ele disse que a proposta está no radar. O projeto ficou redondo a ponto de receber larga aprovação na comissão especial. Ouvindo as nossas explicações, o plenário da Câmara deve aprová-lo. Aí segue para o Senado, que é outro problema. O Senado hoje tem dado recados no sentido de não querer aprovar nada que tenha a impressão digital do governo Bolsonaro. Lá atrás, em 2016, o projeto teve como autor o deputado federal Jair Bolsonaro, e, agora, na representação, o autor é o deputado Vitor Hugo (PSL-GO), que foi líder do governo. Esse preconceito pode atrapalhar.
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