Que mundo teremos após o fim da pandemia? Neste momento, essa pergunta está compreensivelmente ausente das preocupações da maioria das pessoas. A primeira batalha, urgente, é não ser infectado, não infectar outras pessoas, não morrer da covid-19 e sobreviver economicamente. Mas a resposta virá, queiramos ou não, tão logo o novo coronavírus seja superado.
Quando esse momento chegar, enfrentaremos um problema com duas dimensões: 1ª) individual (como cada um de nós estará nessa fase posterior) e 2ª) social (as consequências das mudanças sociais, políticas, econômicas em curso e vindouras). Mas estaremos preparados para essa segunda batalha?
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É possível que todos os reflexos da pandemia e o reforço da impressão de que as elites políticas mais uma vez fracassaram sejam capazes de pôr em causa as certezas e os consensos acerca dos sistemas políticos, econômicos e jurídicos. Mas, principalmente, aumentar a sensação de não pertencimento, de inadequação em relação à própria pátria, sentimentos que emergem quando não reconhecemos mais o lugar onde vivemos como nosso lar.
São notáveis as agressões contra a soberania dos países ocidentais, contra as culturas locais e aos diferentes modos de vida.
Os ataques desferidos na Europa pela União Europeia e nos demais países pela Organização das Nações Unidas (ONU) só aumentaram a insatisfação de parcelas das sociedades e o alheamento de outras. Quanto mais velho é o grupo social, parece ser maior a sensação da profundidade das mudanças ocorridas e do que foi perdido; quanto mais jovem, menor esse sentimento porque muitos jamais souberam o que isso significava. No país e no mundo que essa juventude conheceu, vários elementos valiosos já haviam sido relativizados ou perdidos.
Não é de estranhar, portanto, que a partir desse estado de coisas muitos não reconheçam sua nação como uma casa edificada sobre valores, princípios, história, tradições. Para parte da população, os países são apenas um território onde os compatriotas falam o mesmo idioma, não um tesouro cultural que, para usar a célebre expressão do parlamentar irlandês Edmund Burke (1729-1797), um dos pais do pensamento conservador, vincula os mortos, os vivos e os que hão de nascer.
Roger Scruton usa o termo oikophilia em seu livro Como Ser um Conservador para designar o amor pelo lar e pelas “pessoas nele contidas, e as comunidades que povoam o entorno e que dotam esse lar de contornos permanentes e sorrisos duradouros”. Esse lar, o oikos, “é o lugar que não é só meu e seu, mas nosso”; é o “palco montado para a primeira pessoa do plural da política, o lugar exato, real e imaginário onde tudo acontece”.
É nesse lar onde, segundo Scruton, “virtudes como frugalidade e altruísmo, o hábito de respeitar e de ser respeitado, o senso de responsabilidade — todos esses aspectos da condição humana que nos moldam como procuradores e guardiães de nossa herança comum — surgem por meio de nosso crescimento como pessoas e pela criação de ilhas de valor em um mar de preços”.
Essa perspectiva conservadora enfatiza o aspecto imaterial sobre o material, para assim defender um equilíbrio de visões contra uma posição economicista defendida por muitos que sobrepõem os benefícios econômicos às demais dimensões da vida em sociedade.
É possível que, passada a pandemia, nos demos conta de que o mundo onde vivíamos era menos um lar a ser defendido e preservado do que uma estalagem temporária.
Uma estalagem que restou sob os escombros do castelo que nossos antepassados construíram e que fracassamos em proteger. Pode ser que a pandemia também sirva para mostrar a indivíduos de diferentes sociedades a necessidade de restaurar valores e princípios, de reconquistar liberdades e todo um conjunto de elementos que ajudaram a erigir o Ocidente, mas foram sendo corroídos e corrompidos ao longo de décadas por agentes de projetos revolucionários, autoritários, totalitários, internacionalistas, populistas e até mesmo democráticos, que nem mais disfarçam o apoio a big governments locais e globais.
Se nada for feito, se aos jovens não for ensinada a importância de reconhecer e proteger a pátria como lar, mais e mais serão consideradas plausíveis medidas que conduzam à sua destruição e de todo o corpo material e imaterial que a compõe, incluindo as liberdades.
Hoje a justificativa é a pandemia; amanhã poderá ser qualquer outra.
Leia também o artigo “Todo mundo de que não gosto é fascista”, de Ana Paula Henkel.
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Bruno Garschagen é cientista político, mestre e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa) e autor dos best-sellers Pare de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Editora Record).
E tudo isso de um brasileiro para outros brasileiros, os mesmos que pegam seus remos e remam cada um para um lado, sem olhar para o remo do outro. Acho que este texto pode ser republicado daqui a 1.150 anos, quando os habitantes do Brasil afinal construírem um projeto de país conjunto, sem gritar “farinha pouca, meu pirão primeiro, afinal sabe com quem está falando?”.
O artigo deixou claro que o caminho não é o Liberalismo, mas o Conservadorismo.
Para quem não sabe, o Conservadorismo defende também o Estado Mínimo, assim como o Liberalismo, e também defende os valores sobre os quais se apoia nossa Civilização Ocidental, o que não acontece com o Liberalismo.
Brilhante texto do sempre antenado BRUNO.Creio que a base fundamental que os globalista ainda não inventaram outra melhor É A FAMÍLIA como célula da sociedade.A semiologia do cotidiano pós pandemia-que já faz uma seleção da espécie-vai ter de beber muita ecologia para construir bases de relacionamento.Família e lar evoluem biologicamente de forma lenta.Psicologicamente não creio que as idéias de Gretta e Felipe Neto servirão para alguma coisa.Ironia à parte. Ou, outras similares na globalização.A tecnologia e as drogas serão sempre antagônicas ainda que continentes.Ficamos com família,lar e educação.Evolução dirá que base genética é diferente e essa diferença permitirá composições de algoritmos imensuráveis, onde a régua dos globalistas,será sempre de falácias.
Os dois temas caros aos globalistas são a atual pandemia e o aquecimento global. Vende-se a ideia de que tais questões demandam uma solução global. Os conservadores devem preparar-se para defender sua visão e demonstrar a falácia das posições globalistas.
¨Uma estalagem que restou sob os escombros do castelo que nossos antepassados construíram e que fracassamos em proteger¨.
Devo desculpas ao Garschagen por ter insurgido contra o fato que- num artigo anterior – não tinha claramente distinguido as diferencias socio- culturais de cada pais europeu.
Estou tentando transmitir aos meus netos que vivem la os valores adquiridos dos meus pais e avos. Espero conseguir.
A propo´de Sovranismo . Acabei de ler que Michel Onfray ( quem diria!) fundou um magazine chamado ¨ Front Populaire ¨ – para reunir ¨¨Les souveranistes de droite et de gauche¨¨ -.
Vc poderia dedicar um artigo a esta lenta e sutil conversão de varios Maitres-a-penser franceses.
O que se pretende no mundo hoje é a criação do homem-massa, aquele sujeito que é o mesmo aqui, ali, em todo lugar. Veste-se do mesmo jeito, usa as mesmas coisas, mas não precisa pensar, porque o Google responde. É por isso que os mal-intencionados pregam tanto o “Abaixo as diferenças”. Semana passada toquei no fato, aqui nesta revista, de que o Criador do Universo realizou a indecifrável proeza de colocar bilhões de fisionomias diferentes dentro de uma plataforma mínima, ou seja, o rosto humano. E teria feito isto porque? Ora, isto é justamente o que não interessa aos nossos engenheiros sociais, pois querem um mundo igual, as pessoas são iguais, segundo suas aberrações. Sendo assim, para que nações diferentes, sentimentos diferentes, tradições diferentes? Ora, na visão de mundo desses cristãos-novos do comunismo tudo o mais é pura bobagem. É por estas e outras que estou de pleno acordo com o autor do texto. A solução primeira é ensinar. Ensino obrigatório, diga-se de passagem.
Uma ressalva ao “até mesmo democrático”: acredito que se trate de uma democracia contaminada por um desequilíbrio absurdo entre os poderes e recheada de sabidos totalitários egocêntricos disfarçados de democráticos. Isso não é a democracia que queremos. A arapuca está na sobreposição do coletivo ao individual; desde quando tratar a população como manada é democracia?
Caro Bruno. Parabéns por mais um texto “abridor de olhos”. Fazem o leitor enxergar o que tem valor mas que parece não perceber – até que lhe aponte. É o caso dos princípios civilizatórios ocidentais , como também é o caso dessa hidra – alimentada pelo ocidente – chamada China, como igualmente as tradições que nos dão o sentido de pertencimento.
Assunto bastante pertinente, mesmo antes da pandemia. Os comunistas e demais defensores do poder total ao Estado fizeram de tudo para quebrar os valores da família, comunidades locais, nações.
Verdade. Os jovens de hoje estão despreparados não estão enxergando o que está sendo feito com eles. Quando perceberem será tarde para reagir e infelizmente já estarão com sua liberdade prejudicada.
O não surgimento de lideranças globais com esta visão trará o caos social e um ambiente propício para governanças totalitárias.
Qualquer governança global, ainda que conservadora, será um caos para sociedade, uma vez que seria totalitário também. Quando se fala em globalismo e agenda o tema é mais complexo do que se parece, pelo menos é o que eu acho.