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Edição 09

Uma nova Guerra Fria — Parte 1

Os Estados Unidos e a China serão adversários, os demais países terão de escolher um lado e o Brasil poderá se beneficiar. É a avaliação de James M. Roberts, um dos responsáveis pelo Índice de Liberdade Econômica

Redação Oeste
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O Brasil ocupa o 144º lugar no mais recente Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, o principal termômetro global nesse quesito, apresentado oficialmente no Brasil na última terça-feira, dia 19. E, por mais que não pareça, essa é uma boa notícia: no ano passado, estávamos na 150ª posição. Nesse período, o Brasil ultrapassou países como Haiti, Micronésia e Guiné-Bissau. A Heritage Foundation é considerada o think tank (centro de pesquisa em políticas públicas) mais influente do mundo. A organização ocupa o topo do ranking da Universidade da Pensilvânia na categoria “maior impacto”. E não é por acaso. Na gestão de Donald Trump, a Heritage tem conseguido repetir o que fez com todos os governos republicanos desde Ronald Reagan: levar suas ideias para dentro do Executivo. Publicado anualmente desde 1995, o Índice de Liberdade Econômica é o carro-chefe da Heritage. O ranking leva em conta doze critérios para avaliar o desempenho de 180 nações.

Embora haja uma correlação entre a liberdade econômica e o desenvolvimento, não necessariamente a pontuação do índice reflete o peso econômico de um país. Na edição de 2020, Singapura e Hong Kong aparecem em primeiro e segundo lugares, respectivamente. É possível argumentar que alguns dos critérios do Índice, como a efetividade judicial e o tamanho da carga tributária, tendem a favorecer países menores. Mas, entre os dez primeiros, também estão nações relativamente populosas e com território extenso, como Austrália, Reino Unido e Canadá.

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De 1995 para cá, o melhor resultado do Brasil ocorreu em 2003, depois dos ajustes liberais feitos nos governos Fernando Henrique Cardoso. Naquela edição, o Brasil aparecia no 72º lugar, com uma pontuação de 63,4 em uma escala de 0 a 100. O fundo do poço aconteceu em 2018, quando a pontuação brasileira foi de 51,4, na 153ª colocação. Hoje, na América Latina, o Brasil é apenas o 25º colocado entre 30 países — o Chile, que ultrapassou os Estados Unidos e ocupa o 15º lugar no ranking global, é o país mais livre da região.

James M. Roberts: “A produção de equipamentos de saúde, antibióticos e medicamentos essenciais pode migrar para países como Brasil e Argentina, que têm um setor farmacêutico confiável”

Em entrevista à Revista Oeste, James M. Roberts — um dos três economistas responsáveis pelo Índice de Liberdade Econômica — diz que a pandemia de coronavírus inevitavelmente abalará as finanças públicas mundo afora, mas afirma que o governo brasileiro deve focar o aumento da transparência e preparar-se para atrair investidores estrangeiros à medida que cresce a desconfiança do mundo ocidental com a China.

Como os países podem reagir à pandemia sem comprometer a liberdade econômica?

Será necessário tomar a decisão de assumir certo grau de risco e cuidadosamente reabrir a economia. A questão é confiar nas pessoas em vez de nos burocratas. As pessoas saberão o que fazer para proteger a si mesmas e sua família ao passo que a economia volta a funcionar.

O isolamento compulsório tem efeitos mais graves do que a pandemia em si?

Sim, e não apenas economicamente, mas também em termos de vidas perdidas. Existem pessoas que estão muito doentes mas não têm a covid-19 e, por isso, não estão recebendo o tratamento médico de que precisam. Outras perderam o emprego e vivem sem perspectiva. Com isso, a taxa de suicídios aumentou, as mortes por dependência de opioides estão crescendo. Essas são consequências imediatas desse lockdown severo. São efeitos devastadores não apenas economicamente, mas também socialmente.

Mas, mesmo sem lockdowns, as pessoas provavelmente mudariam o comportamento por temerem o contágio. É razoável supor que haveria um impacto econômico de qualquer maneira. O que seria possível fazer para amenizá-lo?

Acredito que o mundo não será o mesmo depois disso. A pandemia é um grande cisne negro. Mas, em vez de tentar voltar para um sistema que não pode existir mais, é melhor olhar para áreas em que o governo pode incentivar os tipos de inovação que esta crise está gerando. As empresas estão redesenhando a si mesmas, como a Ford e a General Motors fabricando respiradores. Elas estão demonstrando que podem ser flexíveis. Teremos sistemas de saúde e de educação mais eficientes, com maior uso da internet, o que vai reduzir custos. E essas são boas consequências de uma situação que é obviamente ruim do ponto de vista geral. O governo norte-americano deve continuar a ajustar as políticas e tornar permanentes algumas mudanças que eram temporárias, como permitir que médicos e enfermeiras atuem em mais de um Estado. Outro exemplo são as leis de regulamentação profissional. Um cabeleireiro ou alguém que pinta unhas não deve precisar de uma licença. O mercado pode se encarregar de se livrar dos maus prestadores de serviço.

A pandemia chegou ao Brasil quando a economia começava uma lenta recuperação depois de anos patinando. Como um país em situação frágil pode enfrentar a crise do coronavírus sem perder liberdade econômica?

Este é o momento de trabalhar aspectos da liberdade econômica que não estão ligados aos gastos públicos e ao endividamento. Há uma boa oportunidade para o governo enfatizar medidas que melhorem os indicadores de efetividade judicial e a integridade de governo, que fazem parte da avaliação do Índice. Nos indicadores da categoria estado de direito — efetividade judicial, integridade governamental e direitos de propriedade —, o Brasil está exatamente na média mundial. E isso não é bom o suficiente para um país tão grande. Se esses indicadores aumentassem, eles sozinhos ajudariam o Brasil a atingir posições mais altas no Índice, apesar da provável piora nos indicadores que avaliam o gasto público e o endividamento.

Os deputados norte-americanos aprovaram um pacote de US$ 3 trilhões para estimular a economia em meio à crise. Era essa a melhor saída?

Quando essas propostas surgiram, o país queria ter a segurança de que o governo iria dar os passos necessários para proteger os cidadãos norte-americanos. Mas estas são despesas altamente incomuns que aumentam o endividamento público. Continuar gastando dessa forma não é algo factível. E a história de pagamentos de estímulos não é muito encorajadora. O programa de estímulo adotado depois do crash de 2008, no governo Obama, não produziu os benefícios prometidos. E, ao dar dinheiro para o governo distribuir, criam-se mais oportunidades para corrupção. Nós precisamos voltar ao trabalho e gerar a prosperidade capaz de produzir arrecadação de impostos e nos tirar desse cenário negativo.

Isso vale mesmo para medidas criadas com o objetivo de auxiliar as pequenas empresas e manter empregos?

Existem muitos tipos de consequências perversas desses programas. Por exemplo: o Congresso aprovou uma medida que permite que pequenos negócios peguem dinheiro emprestado e, se eles mantiverem todos os empregados ao reabrir após a pandemia, não precisarão devolver o dinheiro. Mas o fato é que, no setor de alimentação, muitos restaurantes vão deixar de funcionar; outros voltarão com 50% da capacidade por causa do distanciamento social. Portanto, esses restaurantes não podem recontratar todos os trabalhadores que tinham antes da pandemia. Terão de pagar o empréstimo. O governo centralizado, com soluções padronizadas para todos, causa esse tipo de ineficiência. Essa é outra razão para que não se façam gastos como esses, para abrir a economia e deixar as pessoas ganharem dinheiro por conta própria em vez de emprestarem do governo.

Uma das consequências da pandemia é o fato de que países como Estados Unidos e Japão têm buscado reduzir sua dependência de produtos e insumos chineses. Como o Brasil pode tirar vantagem disso?

A ideia de que a China acabaria se liberalizando economicamente e politicamente foi um fracasso total. Agora o mundo pode ver o Partido Comunista Chinês como ele é: um grupo de pessoas cruéis e sedentas de poder que quer dominar o mundo e tomar os recursos do planeta. Os Estados Unidos e a China serão adversários, como numa espécie de Guerra Fria, e os países terão de escolher um lado. Isso também abre grandes oportunidades para a América Latina e as regiões mais pobres da União Europeia, porque esses países com salários mais baixos serão alvo de investimentos das nações ocidentais. Os Estados Unidos não permitirão mais que China monopolize a produção de equipamentos de saúde, antibióticos e outros medicamentos essenciais. Essa produção será trazida de volta, não somente para os Estados Unidos, mas para países como o Brasil e a Argentina, que têm um setor farmacêutico mais confiável.

Olhando além da pandemia, como o Brasil pode melhorar seu desempenho no Índice de Liberdade Econômica?

É uma verdadeira tragédia que o Brasil tenha tão pouca liberdade econômica. Isso exige uma forte guinada na economia e na gestão para que o país chegue aonde deveria estar. Alguns passos já foram dados para abrir a economia, privatizar as estatais e reduzir o peso do setor público. É preciso avançar nesse sentido. O pior indicador do Brasil é o que mede a saúde fiscal: o endividamento é de quase 88% do PIB. A nota do país no critério de gasto governamental também está muito abaixo da média global. E são dois lados da mesma moeda: o governo gasta muito e por isso se endivida, e também se endivida para gastar muito. É preciso acelerar as privatizações e, na medida do possível, reduzir o custo da máquina pública. Uma melhoria nos índices de saúde fiscal e gasto governamental faria grande diferença para o Brasil. Além disso, seria positivo se o governo e o Congresso conseguissem avançar na reforma tributária, para simplificar o sistema e diminuir tributos de forma a incentivar o desenvolvimento econômico.

 

 

5 comentários
  1. Otacílio Cordeiro Da Silva
    Otacílio Cordeiro Da Silva

    Em momentos de grande consternação costuma ser muito difícil sermos razoáveis quando todos estão aflitos. Até as boas idéias podem parecer medíocres, justamente porque não compreendemos ainda a verdadeira dimensão do problema. Qualquer otimismo gera desconfiança. Nós, os humanos, somos assim: quando a coisa está boa jogamos com nossas vaidades. Quando está ruim jogamos com qualquer coisa. Seria mais ou menos como no caso de dois bois que fossem passar ao mesmo por uma pinguela estreita: ambos querem que o outro é que caia no abismo. Entretanto, as boas ideias que já existem, ou que sempre existiram, precisam ser mantidas até que as novas apareçam. Fácil não é, do contrário todos os economistas seriam ricos. Sendo assim, falhando todas as hipóteses, ainda nos resta os ensinamentos da Bíblia, que são permanentes. Um deles, inclusive, imagino ser de crucial importância neste momento: “O precipitado tem menos chance que o tolo”.

  2. Fernanda Vivacqua Vieira
    Fernanda Vivacqua Vieira

    Muito bom.

  3. Fabio R
    Fabio R

    Acredito que sem uma sólida formação acadêmica faremos vôos de galinha…

  4. Flavio Fraiha
    Flavio Fraiha

    Sem investimento maciço na educação, empreendedorismo, inovação e pesquisa continuaremos reféns da China.

    1. Eric Kuhne
      Eric Kuhne

      Ótimas análises e soluções apontadas (o velho e bom pacote combatido pelos parasitas do estado):
      1. privatizar
      2. reduzir o custo da máquina pública
      3. limitar o gasto governamental
      4. simplificar e diminuir tributos

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