“Adeus, ano velho!
Feliz Ano Novo!
Que tudo se realize
No ano que vai nascer!”
Fim de Ano
David Nasser e Francisco Alves
Milhões de brasileiros, como se agricultores fossem, declaram nesta época para amigos, conhecidos e familiares os seus votos de feliz colheita. Sim, Feliz Ano vem do latim: Feliz Colheita. A primeira divisão de qualquer calendário é a dos anos. Um ano equivale a um ciclo completo da Terra em torno do Sol. Ano (annus) significa colheita, a produção de grãos do ano. Ano = colheita.
Na Roma Antiga, Anona era a deusa da colheita, do ano (ano-na), e presidia a safra. Ela personificava a produção agrícola anual e a abundância. Em moedas romanas, Anona é representada com uma cornucópia no braço (cornu copiae, corno copioso), repleta de produtos agrícolas, ao lado da proa de uma galera. Já naqueles idos, o barco indicava a relevância da logística para a agricultura, o necessário transporte de grãos para suprir Roma pelo mar. A deusa cedeu seu nome à família botânica das anonáceas, a das graviolas, araticuns, frutas-do-conde, pinhas e outras delícias.
No Brasil, no final do ano, o solstício de verão marca o tempo da colheita e da safra. A agricultura segue ciclos cósmicos e deles tira proveito. É tempo de abundância. A Companhia Nacional de Abastecimento prevê em 2021/2022 uma safra recorde de grãos: 290 milhões de toneladas, 15% superior à anterior. A área da soja ultrapassou 40 milhões de hectares. No milho, a expectativa é de um crescimento de mais de 30%, se São Pedro colaborar com a segunda safra.
Como Anona com suas galeras, os produtos da cornucópia brasileira navegam para todo o mundo. O agronegócio exporta para 190 países e diversifica os produtos. Houve a abertura de mercado para 69 produtos em 30 países diferentes: maçãs para Colômbia, Honduras e Nicarágua; gergelim para o México; gengibre e sementes para o Egito; bovinos para o Vietnã; carne e material genético bovino para o Iêmen; e um incremento nas vendas ao Chile. Recorde de exportações no acumulado de janeiro a novembro de 2021: US$ 111 bilhões, acima do anterior, de US$ 101 bilhões em todo 2018. Elas cresceram 18,4% em relação a 2020.
Ao mencionar um ano, evoca-se uma colheita, abundante ou não. Anona aparece nas moedas do Império Romano ao lado de 1 módio, medida agrária de capacidade e extensão, cerca de 1 alqueire, também conhecida por mina. A passagem do ano propicia medidas, balanços e avaliações. Tempo de pesar e medir as escolhas passadas. Qual sua colheita em 2021? Quanto pesa? Vale quanto pesa? Em volume e extensão?
No agronegócio, os números estão praticamente medidos e pesados. O Valor Bruto da Produção (VBP) da agropecuária brasileira, da porteira para dentro, deverá totalizar R$ 1,16 trilhão em 2022. Um crescimento de 4,5% em relação a 2021, cuja expansão já fora de 10% sobre 2020. Nas 21 lavouras consideradas no cálculo do VBP, o Ministério da Agricultura prevê um valor total de R$ 811 bilhões, ou 7,30% a mais em relação a 2021 (R$ 756 bilhões, 12,3% acima de 2020).
Mais um ano se encerra. Diante de um tempo em fuga constante, os homens buscaram marcos de referência na regularidade dos fenômenos naturais do cosmos para construir seus calendários: fases da lua, movimento solar, estações. Impossível viver sem calendário, esse estruturador das agendas. Um calendário dá a impressão de domínio sobre algo do qual ninguém escapa: o tempo. E ele é usado como metáfora das condições meteorológicas, sobretudo na agricultura. Tempo bom para colher? Tempo certo para plantar no calendário agrícola? O que é um calendário?
Em latim, cal (endário) significa proclamar ou convocar (como em inglês, call). No primeiro dia de cada mês lunar, chamado calendes, os sacerdotes romanos proclamavam se as nonas — horas de oferendas — caíam no quinto ou no sétimo dia (nove dias antes dos idos). O livro das calendas, o calendarium, era usado para marcar os dias das festividades religiosas.
Calendário, em latim, também designava o livro de contas ou vencimentos, no sentido de compromisso ou pagamento devido. Quem procura um calendário e nele constrói sua agenda busca organizar seus compromissos, conhecer seus vencimentos e dividir melhor seu tempo. Encerra-se o Ano do Senhor 2021, o Anno Domini 2021, o AD 2021. Vem aí o AD 2022. A ser percorrido mês a mês.
Os meses (mensis) têm como raiz o verbo medir e evocam medida percorrida ou atravessada. Cada mês percorrido no calendário possui origem e significado próprios. O nome de janeiro é muito adequado. Ele abre o ano e evoca Jano, Janus, deus da dupla face, um dos mais antigos deuses de Roma. Ele simboliza transições e passagens. E presidia os começos e os inícios, olhava os prós e os contras, o exterior (profano) e o interior (sagrado), o imanente e o transcendente. Daí a palavra janela: possibilidade de abertura e visão nos dois sentidos. Por ela se olha para dentro e para fora. Ser capaz de olhar para dentro e para fora de si mesmo em cada momento da vida. Ver e ir além.
O papa Gregório XIII, em 1580, com matemáticos e astrônomos, definiu 1 de janeiro como o início do ano civil. Com o calendário gregoriano, hoje em uso no mundo inteiro, a Igreja Católica substituiu definitivamente o juliano, do imperador Júlio Cesar. Independente de outros calendários (muçulmano, judaico, chinês etc.), quem regula os voos dos aviões, satélites, tratados internacionais, GPS das máquinas agrícolas, vencimentos dos boletos e o cotidiano de bilhões de pessoas é o calendário cristão, o gregoriano.
O papa Gregório consagrou o deslocamento do início do ano de março (equinócio) para janeiro (solstício), uma semana após a data fixada para celebrar o nascimento de Jesus. O Ano do Senhor começa com sua primeira manifestação pública, ao ser apresentado no templo por José e Maria. Com isso, a Igreja ressignificou os nomes dos meses. Setembro deixou de ser o mês sete, o sétimo depois de martius, março (primeiro mês do calendário romano). Idem para outubro (oitavo), agora o décimo mês. E para novembro e dezembro, nono e décimo, agora, décimo primeiro e décimo segundo meses do ano. Eles guardaram seus nomes e não mais suas numerações.
O agronegócio moderno, tecnológico e integrado com o setor industrial impulsiona a economia brasileira
A cada mês, no agronegócio brasileiro, crescem as agroindústrias de alimentos, vestuário, calçados, biocombustíveis, máquinas e equipamentos; as unidades frigoríficas, de processamento e fornecimento de proteína animal; as empresas de transporte, armazenagem e os complexos aeroportuários voltados à exportação. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, o PIB do agronegócio, em 2021, alcançará 30% do PIB do Brasil. Em 2010, era de 21%. Esse crescimento tem um enorme efeito multiplicador nas economias regionais e propicia o surgimento de shopping centers, hospitais, universidades, startups, consultorias, transportadoras, revendas de veículos, agroindústrias e todos os estabelecimentos ligados à dinâmica do campo. Como afirma Graziano, o agronegócio moderno, tecnológico e integrado com o setor industrial impulsiona a economia brasileira. A economia clássica sempre teorizou o contrário: quanto mais desenvolvido um país, menor a relevância de sua agricultura. No Brasil recente, essa teoria não se aplica. O conceito de agronegócio foge das teorias do passado e projeta novos tempos para o país.
No final do ano, o solstício de verão ilumina não apenas a Terra, o espaço em suas três dimensões. Com o simbolismo natalino, ele ilumina o tempo, a quarta dimensão do Criado. Para muitos, a ordem inteligível, sempre presente no escoar do tempo, é a do movimento perpétuo, a de sua inexorável passagem (chronos). Solstício e Natal anunciam a proximidade de um Ano Novo e a possibilidade de um Novo Tempo, de mudança e escolhas. A cada um. Agora. Já. No momento certo (kairós). Escolha e colha.
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Parabéns Dr. Evaristo, sempre muito brilhante e fazendo o Brasil brilhar!
Excelente artigo, aliás, não surpreende vindo do Dr. Evaristo, um profissional extremamente preparado que entende profundamente do que fala. Ainda, percebe-se pelo texto, que procura estudar os assuntos sob várias facetas, inclusive com considerações históricas sempre relevantes. Muito feliz em ver que os artigos são frutos de estudo e reflexão, não de achismos escritos com opiniões próprias sem fonte, no caso, muitas vezes impróprias que vergonhosamente imperam por total falta de rigor.
Sensacional esse texto. Além de uma profunda aula de História, nos proporciona uma visão da pujança do agronegócio, o motor do Brasil.
Texto brilhante, majestoso, impecável. Parabéns Evaristo. Sempre aprendendo com seus ensinamentos.
Parabéns por um artigo tão esclarecedor do tempo, das colheitas, a divisão do tempo nos meses, nos dias, toda a influência do tempo na agricultura..a Igreja na sua sabedoria adotou o calendário Gregoriao.
Maravilha! Mais um texto fácil de ler, com informações importantes e que instigam a investigação sobre temas e termos que utilizamos no nosso dia a dia, mas pouco sabemos sobre suas origens. Parabéns!
Parabéns, mais um artigo, fácil de ler, cativante e rico de informações.
Dr. Evaristo, sorte que temos em poder viver no mesmo tempo que você. Desfrutar de seu conhecimento e, além dele, se sua arte em escrever, juntando dados econômicos do agronegócio com a mitologia e a história do agro e do tempo.
Parabéns à Revista do Oeste por ter conquistado esse incrível articulista.
Fechando o último domingo do ano com chave de ouro. Feliz Ano Novo! P vc e família! Que venham novos tempos, com novas esperanças, renascidas no Natal.
Ao contabilizar meu ano de 2021, constatei uma grande dívida com o Prof. Evaristo de Miranda traduzida pelos ensinamentos que transmitiu em seus artigos, destacando os relacionados a nossa área agropecuária. Feliz da sociedade que possui em seu seio criaturas com o potencial desse mestre. Que em 2022 possamos contar com seus valiosos ensinamentos
Feliz e próspero ano, estimado Professor
Maravilha de artigo que deveria ser leitura obrigatória para todos!
Um artigo suculento da história Dr. Evaristo. Sempre é bom conhecer as origens. São as raízes das árvores. Que bons tempos da Igreja. “O papa Gregório XIII, em 1580, com matemáticos e astrônomos, definiu 1 de janeiro como o início do ano civil. Com o calendário gregoriano, hoje em uso no mundo inteiro, a Igreja Católica substituiu definitivamente o juliano, do imperador Júlio Cesar.” A Fé e a razão reunidas.
Sim Prof Evaristo, tempo de mudanças e escolhas, tempo de reflexão para avaliar nossa colheita conforme o q plantamos no ano que se finda e se iremos manter o mesmo plantio. Nessa semana que antecede o solstício temos que decidir como sera o nosso 2022. Só nós podemos decidir o que fazer com nosso Ano Novo.
Desejo ótimas colheitas para vc e sua familia em 2022, que venha um ano mais leve e ameno com incríveis colheitas no seu final. Grata pelos seus artigos sempre fantásticos
Que no Novo Ano o Professor Evaristo continue a enriquecer-nos com seus substanciosos artigos, onde encontramos sempre raízes bem fundadas na História é uma clara e serena visão de futuro.
Incrível como os seus textos carregados de conhecimento transportam-nos para a história, nos inclui nela quando nos atualiza e nos faz refletir! Tudo nesse é gigante, uma aula completa!! Em especial à reflexão que nos leva quando o conclui: novos tempos… Solstício e Natal anunciam a proximidade de um Ano Novo e a possibilidade de um Novo Tempo, de mudança e escolhas. A cada um. Agora. Já. No momento certo (kairós). Escolha e colha….. forte abraço Dr Evaristo, um próspero ano novo.
Dr. Evaristo tem o condão de nos levar a uma viagem histórica, cultural e religiosa para conhecermos a pujança do agronegócio do Brasil. Um chamado à razão para para preservar as conquistas do nosso produtor rural.
Sempre muito conhecimento aplicado, obrigado prof Evaristo!
Como sempre, uma matéria cheia de cuktura, informação e dados atualizados!!!! Parabéns Dr Evaristo!!!!!!
Segue meu curso de pós-graduação com meu Professor Evaristo.
Pós-graduação em etimologia, semântica, religião católica, história da antiguidade, agricultura, agroindústria, clima, geopolítica, etcetera.
Que prazer para o espírito!
Quanta informação boa e positiva.
Feliz Natal e uma excelente Colheita Dr. Evaristo.
Quem quiser conhecer mais da erudição e da experiência do Dr. Evaristo, leia o livro A Geografia da Pele que trata dos anos em que esteve no Níger. Agrônomos como ele, Chico e Paulinelli fazem-me orgulhoso também de minha profissão. Vivo da agronomia como genuina vocação.