Sinaliza no horizonte que os quadros meteorológicos que geraram intensas chuvas entre setembro de 2023 e junho de 2024 vão se escassear por um bom tempo. Uma nova configuração se desenha no Oceano Pacífico, com temperaturas da superfície do mar favorecendo a circulação de ventos Alíseos de Leste para Oeste.
Essa é uma boa notícia, depois da tragédia que tivemos nos Estados do Sul do Brasil, em especial o Rio Grande do Sul. Embora os problemas estivessem ligados originalmente aos elevados totais acumulados de precipitação, nem de longe essa foi a principal causa. O novo quadro também derruba a costumeira “hipótese” proferida pelos desavisados “entendidos de internet”, que dizem que as ocorrências seriam mais intensas, crescentes e todo o tipo de bobagens — especialmente para desqualificar um evento semelhante ocorrido em 1941, com o Rio Guaíba atingindo 4,76 metros em 8 de maio daquele ano. Eventos esporádicos não indicam novos padrões.
Segundo o relatório de prognóstico ENOS-La Niña (El Niño/Oscilação Sul) da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) de início de agosto de 2024, o El Niño já sinalizava seu enfraquecimento em março deste ano. Inicialmente, com os valores de TSMs abaixo da média climatológica surgindo no setor Leste do Pacífico, mais próximo das Américas, especialmente na região pouco ao sul do Equador. A seguir, esse leve resfriamento em relação à média foi se expandindo para o Oeste.
Embora o enfraquecimento tenha começado em março, ou seja, pretérito ao período mais grave de ocorrências de chuvas no Brasil, observados em maio, ele não foi suficiente para amenizá-los, porque não ocorre de forma instantânea. Lembramos sempre que ENOS-La Niña é um fenômeno oceânico-atmosférico de escala planetária que tem uma inércia, mesmo classificado como de alta frequência.
Nas semanas finais de julho e início de agosto, o setor Niño 1+2 (o mais próximo da costa Oeste da América, logo abaixo do Equador) já apresentava -0,4oC de anomalia de TSM em relação à sua média. Conforme se segue para Oeste, sobre a região equatorial do Pacífico, as regiões delimitadas como Niño 3, a intermediária Niño 3.4 e a final Niño 4 registraram -0,3oC, -0,2oC e +0,3oC, respectivamente, mostrando que havia um arrefecimento, embora o último setor do Pacífico central ainda estivesse aquecido (Fig.1).
É interessante ressaltar que o inverno no Hemisfério Sul, apesar de não registrar temperaturas muito frias na área continental da América do Sul, na região oceânica do Pacífico, as TSMs apresentaram anomalias negativas em relação à média climatológica por um amplo setor oceânico. As anomalias estiveram ao redor de -1,0oC no perímetro compreendido entre 20ºS e 30oS e 105ºW a 145oW, indicando a ampla área onde se concentrou a corrente fria de Humboldt, entre meados de julho e meados de agosto.
A análise para sinalizar o enfraquecimento do El Niño também verificou, além da superfície, os dados da camada de mistura — a primeira camada do oceano de cima para baixo, com a finalidade de se obter o perfil de temperatura até 300 metros de profundidade, estimando quanto calor há disponível. Os valores recentes de calor nesta camada do Pacífico estão também levemente abaixo da sua respectiva normal climatológica, permitindo estabelecer o estado atual do ENOS-La Niña como “neutro”.
Nestas condições, a circulação de ventos no Pacífico tropical segue seu padrão mais próximo do normal, soprando de Leste para Oeste. Isso praticamente encerra a contribuição direta e contumaz de umidade para o continente americano. O reflexo já foi verificado com estiagens mais acentuadas, especialmente nas regiões do Brasil onde estes períodos mais secos de seus próprios anos hidrológicos ocorrem em sintonia.
Sempre lembramos que a região Niño 3.4 é a principal responsável em fornecer as informações de TSM que permitem estabelecer o valor do índice de El Niño. Isso classifica o estado atual, bem como efetua prognósticos que envolvam os trimestres subsequentes, renovados mês a mês. A avaliação também é realizada baseando-se no histórico das ocorrências e similaridade de situações. Quando o índice sinaliza acima de +0,5oC, a ocorrência é definida como El Niño, bem como a probabilidade dos conjuntos trimestrais projetados para um ano. Na inversa, onde o índice sinaliza abaixo de -0,5oC, o quadro passa a ser de La Niña. Entre esses dois valores, temos a neutralidade, que foi o que observamos no trimestre Junho-Julho-Agosto (JJA).
A NOAA já havia estabelecido, no prognóstico de julho de 2024, que o trimestre de julho a setembro (JAS) estava praticamente empatado, com 50% de chances de neutralidade contra 47% de se sinalizar La Niña. No trimestre seguinte que se iniciou com este nosso mês de agosto (ASO), as chances de La Niña foram para 70%. Contudo, no recente relatório de prognóstico lançado dia 12 de agosto de 2024, esse mesmo trimestre (ASO) prorrogou as chances de neutralidade, pois derrubou a probabilidade de La Niña para apenas 47%, enquanto a condição neutra foi para 50%, idêntico ao trimestre anterior (JAS).
Interessante que, no novo relatório, os setores Niño de observação praticamente ficaram na média da normal climatológica, com os valores de TSM mais elevados permanecendo apenas no setor Niño 4, com +0,4oC. O principal setor, Niño 3.4, está exatamente na média, não apresentando anomalia.
A mudança mais significativa entre os dois relatórios foi o encurtamento das chances de a La Niña se prolongar. Enquanto o relatório de julho manteve a probabilidade de La Niña perdurar de agosto deste ano até maio de 2025, empatando com uma condição neutra no trimestre (FMA) de 2025, o novo relatório encurtou essa probabilidade, tanto no início quanto para o seu fim. Agora, há razoáveis condições de que ela se estabeleça no trimestre (SON), perdurando apenas até o trimestre (JFM) de 2025, quando volta a empatar com a neutralidade — condição esta que dominaria até o meio do próximo ano.
Em termos práticos, a maior preocupação fica centrada para os trimestres, quando a condição de La Niña é apontada com 65 e 70% de chances de ocorrer, respectivamente para os trimestres, segundo o novo prognóstico. Esse alerta surge pelo fato de que são justamente os meses de setembro e outubro os que registram um maior número de ocorrências de ciclones tropicais no Atlântico. A condição de La Niña favorece a permanência e até maturação de grandes sistemas próximos à costa dos EUA.
Para o Brasil, o novo prognóstico de La Niña poderá sinalizar totais pluviométricos entre “dentro da média” a “pouco abaixo” desta, pois sua atuação ocorreria nos meses do ano hidrológico, onde há bastante precipitação — em geral, de novembro a março. Essa condição poderá refletir nas chuvas sobre osEstados do Sul do Brasil, São Paulo e Mato Grosso do Sul, mais especificamente. Recomenda-se atenção ao planejamento dos setores da agricultura e hidroeletricidade no trimestre anterior a este período porque as probabilidades denotam ainda uma instabilidade na definição do quadro. De qualquer forma, acompanharemos os desdobramentos até a primavera chegar e um pouco além.
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