Apesar dos efeitos da pandemia de covid-19 sobre a economia brasileira nos últimos dois anos, um setor, em especial, chamou atenção por sua resiliência. Basta caminhar por São Paulo para deparar com construções a pleno vapor, espigões sendo erguidos em áreas residenciais ou centros comerciais e uma infinidade de placas que anunciam venda ou aluguel de imóveis. O paulistano já se reacostumou a ouvir o barulho peculiar das obras: o som de tratores e máquinas, as demolições, o bate-estaca e outros ruídos que trazem à tona a força do mercado imobiliário. O segmento, que resistiu ao auge da crise sanitária, fechou 2021 em alta e aponta para boas perspectivas para este ano.
“Podemos dizer que 2021 foi o ano do mercado imobiliário, como reflexo daquilo que aconteceu em 2020. Tivemos um ano no qual as pessoas compraram”, afirma o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. “É importante lembrar que o imóvel é um bem para entrega futura. O emprego de hoje é a venda de ontem e a venda de hoje é o emprego de amanhã.”
Segundo um estudo realizado pela CBIC e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai Nacional), em parceria com a Brain Inteligência Estratégica, as vendas aumentaram 22,5% no acumulado entre janeiro e setembro de 2021, na comparação com o mesmo período do ano anterior. De 2019 para 2020, o crescimento do indicador havia sido de 16%. Já entre 2019 (no pré-pandemia) e 2021, as vendas subiram 42%, e os lançamentos, quase 25%.
Já os dados da plataforma eletrônica e-Notariado revelam que o registro de escrituras de compra e venda de imóveis em cartórios de notas do país teve aumento recorde de quase 27% no ano passado, na comparação com 2020.
De acordo com o Ministério do Trabalho, o setor da construção civil registrou um saldo positivo na geração de empregos em 2021, com a criação de mais de 284 mil novas vagas com carteira assinada nos dez primeiros meses do ano — o que representa uma alta de mais de 100% em relação a 2020. Ao todo, foram quase 2,4 milhões de trabalhadores formais registrados em outubro (12% a mais do que no ano anterior), patamar que não era atingido desde 2016.
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Com a participação determinante do mercado imobiliário, o crescimento da construção civil superou o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) nacional em todas as bases de comparação em 2021 (veja mais detalhes no gráfico abaixo). Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor cresceu cerca de 4% no terceiro trimestre de 2021 em relação ao trimestre anterior, enquanto a economia brasileira sofreu uma retração de 0,1% no período. A diferença é ainda maior quando a comparação é com o mesmo período de 2020 (10,9%, contra 4% do PIB nacional). A projeção para a construção civil em 2021 — os números oficiais ainda não foram divulgados — é um avanço de 7,6%. Será o melhor resultado em uma década, desde 2011.
“Há dez meses seguidos, o mercado imobiliário vem registrando saldos positivos, com admissões superando as demissões”, destaca Ieda Vasconcelos, economista da CBIC. “O mercado de trabalho mostrou seu melhor resultado da última década. E o mercado imobiliário, com um desempenho expressivo, teve grande influência nesse resultado.”
Mudança de hábitos
Em 2020, quando o coronavírus mudou a forma de viver e trabalhar — difundindo o home office e forçando as pessoas a passar praticamente todo o tempo em casa —, houve um movimento natural de maior preocupação com a qualidade de vida pessoal e profissional. Casas e apartamentos foram quase redesenhados para se adequar melhor à nova realidade. Muitas famílias decidiram reformar seus lares ou procuraram uma nova moradia, o que impulsionou as vendas.
“As pessoas ficaram em casa e perceberam a importância do lar, de ter um local para o home office, para ficar com a família. A importância do lar levou as pessoas a comprar ou melhorar suas casas”, explica o presidente da CBIC.
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Segundo Robson Gonçalves, economista da Ecconit Consultoria, o impacto da pandemia no dia a dia das pessoas foi determinante para ditar o comportamento do consumidor em relação ao mercado imobiliário. “O impacto da pandemia foi grande, afetando o comportamento dos compradores de materiais de construção e imóveis”, afirma.
Para Gonçalves, o confinamento fez com que houvesse um aumento do que ele chama de “autogestão” ou “autoconstrução”. “Tivemos as pessoas trancadas dentro de casa na fase mais aguda do isolamento social. Mas essa fase está ficando para trás. A construção civil vive de ciclos”, aponta.
Insumos e inflação
Apesar dos números positivos do mercado imobiliário, com crescimento e geração de empregos, há motivos para preocupação no curto e médio prazos. Segundo especialistas ouvidos por Oeste, o aumento no custo dos insumos dos materiais de construção já começou a impactar fortemente o mercado.
No terceiro trimestre do ano passado, por exemplo, as vendas de novos imóveis seguiram uma trajetória inversa à dos lançamentos e recuaram 9,5%, em relação ao mesmo período de 2020. Na comparação com o trimestre anterior, o tombo foi ainda maior: 11,2%. De acordo com o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o custo com materiais e equipamentos subiu quase 28% em um período de 12 meses até outubro.
Desde julho de 2020, os insumos que tiveram as maiores elevações foram vergalhões e arames de aço (mais de 92%), condutores elétricos (72%) e tubos e conexões de PVC (69%) — veja mais detalhes no gráfico abaixo.
“O primeiro e o segundo trimestres de 2021 foram excelentes em termos de vendas. No terceiro trimestre, claramente você percebe uma queda, embora os lançamentos ainda continuem em ritmo forte”, analisa José Carlos Martins. “O grande vilão que temos enfrentado é o aumento abusivo de custos, com esse crescimento fora de propósito dos nossos insumos e materiais.”
Apesar da elevação expressiva no preço dos insumos, o aumento ainda não foi sentido no bolso do consumidor — o que, inevitavelmente, deve acontecer em 2022. “Os preços ainda não receberam todo o impacto do aumento no custo da construção, em função do estoque existente. Mas, por certo, os novos lançamentos serão impactados com esse aumento de custo”, projeta Ieda Vasconcelos.
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Perspectivas
Depois do excelente desempenho de 2021, o mercado imobiliário deve continuar impulsionando o setor da construção civil neste ano. Mas a queda das vendas no terceiro trimestre, a inflação, os juros altos e os possíveis impactos do cenário eleitoral sobre a economia devem atingir o segmento.
De acordo com as estimativas da CBIC, o PIB da construção civil deve crescer cerca de 2% em 2022. A projeção é que sejam criados 110 mil novos empregos no setor — caso a economia brasileira cresça entre 0,5% e 1%, como indicam as perspectivas do mercado.
“Estamos imaginando que o mercado imobiliário vai acabar caindo e não se mantendo no mesmo nível de 2021”, admite Martins. “A queda nas vendas em outubro e novembro foi maior do que imaginávamos. É natural você reduzir as vendas e também começar a diminuir os lançamentos.”
Nada de novo na frente ocidental. Tem muito dinheiro estocado, o governo dá uma mãozinha barateando o crédito. Como sempre, o pobre financiando o rico. Mas fora isto, todos lucram.