Entre os temas do Brasil que rompem fronteiras, a preservação da Amazônia tem um protagonismo já clássico. Tópico de interesse de ONGs e celebridades estrangeiras, o esforço brasileiro para defender a maior floresta do planeta deve aparecer em pautas de campanha nas eleições presidenciais deste ano. Mais do que isso, o tema vai exigir iniciativas assertivas do vencedor do pleito de outubro, para ir além da superficialidade com que a área é tratada em outras regiões do país.
No primeiro plano aparece a preocupação sobre desmatamento. Mas, abaixo dessa superfície, outros temas compõem o cenário do Bioma Amazônico, com uma área que corresponde quase à metade da Europa.
Fazem parte deste pacote mineração em terras indígenas, regulamentação da pesca ribeirinha e combate ao crime organizado, especialmente nas regiões de fronteira.
O Bioma Amazônico ocupa área superior a 4 milhões km², ou seja, mais de 40% do território nacional. A região passa por territórios de Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Vinte e três milhões de pessoas vivem no local (em 772 municípios), sendo 45% delas abaixo da linha da pobreza.
Há um movimento crescente para que o morador local da Amazônia, enfim, tenha voz. Assim, atrelada à questão ambiental, que mobiliza a paixão de forasteiros, aparece com força a necessidade de inclusão dos nativos em processos econômicos legalizados e organizados.
Desmatamento na Amazônia
Em um momento em que a Europa acaba de atingir o recorde anual de focos de queimadas (mais de 650 mil hectares queimados), o Brasil reivindica méritos por avanços no mandato de Jair Bolsonaro (PL) — contestados por opositores. Além da reputação internacional, está em jogo para o país aproveitar a região de forma mais inteligente e inclusiva.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os números do desmatamento no governo de Jair Bolsonaro (PL) apresentam curva de crescimento. Atualmente, as taxas são semelhantes à atividade de 2008, quando o PT estava no poder.
Coordenado pelo Inpe, o projeto Prodes realiza o monitoramento por satélites da Amazônia e produz, desde 1988, as taxas anuais de desmatamento na região, que são usadas pelo governo para o estabelecimento de políticas públicas.
Já o sistema Deter-B, do mesmo instituto, se concentra em alertas de desmatamento. Segundo a medição entre agosto de 2021 e julho de 2022, o Estado do Pará lidera com folga a atividade de degradação (3.072 km² no período), seguido por Amazonas (2.292 km²), Mato Grosso (1.433 km²) e Rondônia (1.179 km²). Com esses números, o discurso habitual do ativismo segue o tom do alarmismo.
“O que chamou a atenção nos sobrevoos que realizamos neste último ano, além do avanço do desmatamento, é a quantidade de grandes áreas desmatadas em terras públicas não destinadas, em propriedades privadas e até mesmo em áreas protegidas”, manifestou Rômulo Batista, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, em nota à imprensa na última semana.
“Isso reitera que o desmatamento da Amazônia não é fruto da pobreza e do desespero de pessoas em situação de grande vulnerabilidade. Trata-se de esquema organizado, patrocinado por grandes proprietários e grileiros de terra que se sentem protegidos pelo derretimento das políticas de proteção ambiental e combate ao desmatamento que ocorreram nos últimos anos.”
Um dos criadores do projeto Árvore do Futuro, Leandro Narloch defende um ambientalismo mais pragmático e otimista, menos baseado em discurso. O jornalista diz que o tom ativista raramente costuma encontrar ressonância dentro da Amazônia.
“Existe uma guerra de ambientalistas contra o homem comum da Amazônia”, comentou o jornalista. “No Sul e no Sudeste, falam em preservar a Amazônia. Mas, na Amazônia, eles não falam nisso, estão pensando em outra coisa. Querem emprego e querem liberdade para trabalhar.”
Mineração em terras indígenas
Um dos pontos mais controversos do debate ambiental atual da Amazônia reside na questão de mineração em terras indígenas, uma bandeira do atual governo, em política que não avançou muito no mandato vigente. Mesmo assim, com a extração ilegal descontrolada, a regulamentação é vista como uma saída contra a derrubada verde.
“A mineração é a solução do desmatamento da Amazônia. A gente ter empresas legalizadas, com ações na Bolsa, que respondem à imprensa. Se elas cometem algum crime ambiental, elas pagam por isso, como aconteceu com a Vale em Minas Gerais. Por ser também uma atividade que aumenta o custo do desmatamento. Por que eu vou gastar o meu dinheiro desmatando uma área enorme se eu posso minerar ou participar de uma empresa de mineração?”, diz Narloch, do Árvore do Futuro.
Os índios esperam mais representatividade no debate, em busca de soluções de inclusão econômica dentro da legalidade, como afirmou recentemente o cacique Ronaldo Zokezomaioke, líder do povo Haliti Paresi em Mato Grosso, em entrevista o podcast OesteCast.
Caso Dom e Bruno
O episódio do assassinato do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, ex-funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), levou para o exterior o debate sobre a violência na Amazônia. Mais uma vez se construiu perante a opinião pública internacional a narrativa de oposição de forças criminosas contra a população nativa e seus defensores.
Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinatos no começo de junho na região do Vale do Javari, segunda maior terra indígena do país (equivalente ao território de Portugal), uma área marcada por conflitos relacionados ao tráfico de drogas e ao roubo de madeira. As investigações do caso ainda estão em curso, mas o episódio parece ligado à pesca ilegal em domínios indígenas.
Se o índio conta com atenção externa sobre direitos, muitas vezes a população ribeirinha acaba em segundo plano. Na opinião do jornalista Leandro Narloch, o episódio de Dom e Bruno traz como contexto uma distorção social que precisa ser melhor tratada pelas autoridades.
“Um ribeirinho, que nasceu na Amazônia e tem o rio como principal fonte de alimento, você exige que esse cara demore anos para ter o direito de extrair recursos desse rio. Isso é uma receita para conflito. Eles se sentem injustiçados, porque os índios estão cheios de direitos, e eles não. Esse é um exemplo muito claro, para mim, de como a lei tem que se adequar às pessoas”, comentou.
“Óbvio que esse crime foi bárbaro, mas acho que a gente deveria atacar as origens dos conflitos sociais na Amazônia. Enquanto a criminalidade no Sul e no Sudeste está caindo, na Amazônia está aumentando. É bem preocupante.”
Leia também: “A abjeta politização das mortes no Amazonas”, artigo de Rodrigo Constantino publicado na Edição 117 da Revista Oeste.
Gente do Greenpeace não deveria ser ouvida.