Camila Telles, 29 anos, é filha e neta de produtores rurais. Além de se envolver com o manejo da fazenda, ela é influenciadora digital em defesa do agronegócio brasileiro. Em entrevista ao podcast As Liberais, da revista Oeste, a agricultora disse acreditar que a geração dela é a primeira no campo preocupada com comunicação. O fato pode ser novo, mas o problema é antigo. A dificuldade de comunicação assertiva e de conectividade é um desafio para quem está no campo, mas também para o próximo presidente da República.
Agro e Meio Ambiente é o tema escolhido por Oeste nesta quarta-feira, 9, dentro da série de reportagens “Desafios do Brasil”, que será publicada até o dia 30 de setembro, sempre seguindo a seguinte ordem de temas na semana: segunda-feira (Educação), terça-feira (Economia), quarta-feira (Agro e Meio Ambiente), quinta-feira (Segurança Pública) e sexta-feira (Saúde). Veja todas as reportagens da série aqui.
Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que, apesar de o acesso à tecnologia da informação e comunicação ter tido um aumento no campo — passou de 49,2%, em 2019 para 55,6% em 2021 —, o campo de atuação para a defesa do agronegócio brasileiro ainda tem uma ampla área a ser desbravada. Camila Telles sabe bem disso. Sobretudo quando relata que os avós estavam preocupados em desbravar terras para produzir, enquanto os pais se dedicavam a tornar as técnicas de produção mais eficientes. Já a geração dela procura conversar com a cidade para mostrar como o campo consegue produzir com volume e ainda proteger o meio ambiente.
A demanda por comunicação mais assertiva sentida pela geração de Camila se justifica em números. A produção de alimentos do Brasil é suficiente para abastecer cerca de 1 bilhão de habitantes ao redor do globo. O país exporta itens como açúcar, grãos e carnes para diversos mercados.
Esses feitos são realizados mesmo com a preservação de 66% do território nacional, conforme dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em áreas como o bioma amazônico, por exemplo, a proporção é de praticamente 85%.
Ainda assim, o agronegócio brasileiro é criticado mundo afora por, supostamente, ser responsável por “destruir” as florestas do Brasil. Entre os críticos, líderes como Emmanuel Macron, presidente da França.
Sem comunicação assertiva, surge a falácia da soja que destrói
Em janeiro de 2021, Macron disse que depender da soja brasileira era apoiar o desmatamento da Amazônia. Faltou checar os dados. Apenas 1,2% das áreas do bioma amazônico é dedicado ao plantio de soja, de acordo com o levantamento mais recente realizado pelo MapBiomas.
Ricardo Arioli, produtor em Mato-Grosso e presidente da Comissão de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e Pecuária, considera que a maior mentira contada sobre o agronegócio brasileiro é dizer que a soja é responsável pelo desmatamento da Amazônia. Ele explica que a Embrapa já provou que isso é falso. “Basta comparar as imagens de satélites para ver”, argumenta. “Muita confusão é feita quando o assunto é Amazônia.”
O mito do uso abusivo de defensivos agrícolas
Além de serem erroneamente acusados da destruição da Amazônia, pesa sobre os agricultores brasileiros a acusação de exagerar no uso de defensivos agrícolas. Contudo, quando os números são colocados em perspectiva, essa afirmação não se sustenta.
Para cada hectare cultivado, o Brasil utiliza 5 quilos de defensivos agrícolas. A quantia é um quarto do valor da Holanda: 20 quilos por hectare. E também é menos do que no Japão (17,5 quilos), na Bélgica (12), na França (6) e na Inglaterra (5,5).
Além disso, os produtores brasileiros conseguem colher 140 quilos de alimentos para cada dólar investido em defensivos. Na Europa, a média é de pouco menos de 60 quilos. Ou seja: não chega à metade da do Brasil. Na França de Macron, por exemplo, a quantidade fica em 50 quilos.
“As soluções químicas estão entre as ferramentas que mais se relacionam com o incremento da produção na lavoura”, explica Andreza Martinez, diretora de Defensivos Químicos da CropLife Brasil, associação que reúne especialistas, instituições e empresas que atuam na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias agrícolas. “A revolução verde, por volta de 1960, introduziu essas inovações e, assim, contribuiu para aumentar drasticamente a produtividade de praticamente todas as culturas, não só no Brasil, mas no mundo.”
A pecuária não atua de forma ilegal
Os pecuaristas do Brasil, hoje responsáveis pela maior parte das exportações globais, também não escapam da mira dos críticos. Bruno de Jesus Andrade, diretor técnico-operacional do Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac), explica que, na verdade, falta comunicação para mostrar o nível de adequação do setor. Atualmente, Mato Grosso possui o maior rebanho do país.
“A forma como enxergam o nosso sistema de produção é equivocada”, declarou Andrade. “Claro, existem produtores errados, existem indivíduos desmatando ilegalmente. Entretanto, segundo dados do Imac, a produção de carne bovina em Mato Grosso é legal.”
Andrade conta que mais de 85% dos abates de bovinos no Estado seguem critérios rígidos, com base em protocolos estabelecidos pelo Ministério Público Federal. “Porém, isso não é divulgado”, completa o diretor do Imac. Ele explica que a produção irregular é feita por uma minoria que macula a imagem do setor.
Informações equivocadas na escola
As imagens distorcidas sobre o agronegócio brasileiro também chegaram às escolas. Letícia Zamperlini Jacintho preside a Associação de Olho no Material Escolar, uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo a atualização do material escolar com base em conteúdo científico. O grupo começou a se formar depois de os pais perceberem informações equivocadas sobre o setor nos materiais didáticos.
“Mostram a exceção como se fosse a regra”, explicou Letícia, em entrevista a Oeste. “Alguns materiais também omitem benefícios de consumo de proteína animal para o desenvolvimento do cérebro humano. Além disso, tudo aparece com uma linguagem muito negativa, o que não retrata a realidade. Acredito ser direito de os estudantes conhecerem a realidade produtiva do seu país.”
Letícia argumenta que a educação deveria encantar o aluno, mostrar as possibilidades de desenvolvimento que o setor oferece. “Se a gente tira essa oportunidade de a criança sonhar, só passando o lado ruim, fica aquela síndrome do cachorro vira-lata”, afirmou. “Não falamos, por exemplo, da coragem dos colonos que migraram da Região Sul do país para o Centro-Oeste. Não mostramos os desafios enfrentados e para que patamar eles levaram aquela região. Em vez disso, essa história é contada de modo degradante, como se fosse apenas exploração, sem dificuldades. Como se o dinheiro entrasse fácil no bolso. São histórias de vida, de famílias inteiras que se dedicaram muito para chegar ao patamar produtivo que o Brasil tem hoje.”