Os brasileiros, historicamente assolados pela criminalidade, têm recentemente motivos para comemorar. Em 2021, o país registrou uma queda de 6,5% nas mortes violentas, incluindo homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Os dados constam no 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
No ano passado, 47,5 mil pessoas foram assassinadas no Brasil — quase 6 mil a menos do que o verificado em 2020. Trata-se do menor número desde 2011 (52,2 mil), quando o FBSP passou a monitorar anualmente os indicadores de segurança pública no país. Quais motivos explicam essa melhora?
Segundo os especialistas consultados por Oeste, não é possível responder concretamente a essa pergunta, uma vez que não há estudos estatísticos que deem base para possíveis interpretações. Ao mesmo tempo, há indícios de que o investimento nas forças policiais, a repressão aos criminosos e o armamento civil podem ter contribuído para a redução dos homicídios.
Justiça e Segurança Pública é o tema escolhido por Oeste nesta quinta-feira, 18, dentro da série de reportagens “Desafios do Brasil”, que será publicada até o dia 30 de setembro, sempre seguindo a seguinte ordem de temas na semana: segunda-feira (Educação), terça-feira (Economia), quarta-feira (Agro e Meio Ambiente), quinta-feira (Justiça e Segurança Pública) e sexta-feira (Saúde). Veja aqui as reportagens do projeto Desafios do Brasil.
“O fato é que, para além de variáveis demográficas, o que reduz o crime de maneira mais impactante é, prioritariamente, repressão qualificada”, diz Eduardo Matos de Alencar, doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Ou seja, prender mais gente, mais rápido e por mais tempo.” Ele destaca ainda os investimentos do governo federal nos Estados, que aumentaram a eficiência policial. “As operações de apreensão de drogas seguem em escalada ascendente”, observou. “E há uma mudança real na forma como lideranças de facções criminosas são tratadas. Isso também se reflete no nível estadual, com um foco maior na repressão qualificada. Provavelmente, são fatores que operaram de maneira consorciada, colaborando para essa redução.”
Armamento civil como fator de dissuasão
O levantamento do FBSP mensurou uma taxa de 22,3 mortes violentas intencionais para cada 100 mil habitantes, contra 23,8 em 2020 e 22,7 em 2019. Entre as unidades da Federação, apenas seis registraram um aumento nos homicídios entre 2020 e 2021. O Amazonas verificou a maior alta, de 47%, enquanto o Acre obteve a queda mais expressiva (-41%). No caso das capitais, as maiores variações ocorreram nestes Estados: Manaus (AM), com alta de 49%, e Rio Branco (AC), que reduziu as mortes violentas em 48%.
No ranking dos 30 municípios mais violentos, em que há as maiores taxas de homicídios, 18 estão no Nordeste, 10 no Norte e dois no Centro-Oeste. Entre as cidades que figuram entre as mais violentas, a maioria está localizada em áreas rurais, enquanto quatro situam-se em território urbano.
Para o engenheiro Roberto Motta, ex-consultor do Banco Mundial e ex-secretário de Estado do Conselho de Segurança Pública do Rio de Janeiro, há uma correlação entre o armamento civil e a redução dos homicídios no país. “O Prêmio Nobel de Economia de 1992, Gary Becker, explica que o criminoso, antes de tentar cometer um crime, faz uma avaliação instintiva dos riscos e dos benefícios envolvidos”, lembra. “Um dos fatores que entram nesse cálculo é o fato de a vítima estar armada ou não. Sem dúvida, a possibilidade de encontrar uma vítima armada reduz o incentivo ao criminoso.”
Motta ressalta, no entanto, que correlação não quer dizer relação de causa e efeito. Ou seja, o índice de mortes violentas não diminui necessariamente em virtude do aumento no número de armas nas mãos da população. Há mais elementos a serem considerados, como observa Matos de Alencar. “O que conta mesmo é polícia, prisão, redução da impunidade, celeridade das investigações e policiamento ostensivo nas ruas, fazendo revista, apreendendo suspeitos para averiguação e realizando prisões em flagrante”, diz o sociólogo.
Reportagem publicada na Edição 125 da Revista Oeste mostra como o debate sobre armas costuma ser contaminado por uma retórica emocional, quase sempre inflamada depois de tragédias com armas de fogo.
Muito trabalho pela frente
A queda de 6,5% no número de mortes violentas representa uma vitória para a população, que se acostumou com a violência urbana. Mas ainda há espaço para melhora, visto que, em 2020, 20% dos homicídios no mundo (232,6 mil) ocorreram no Brasil (47,7 mil). Os números constam em um relatório produzido pelo Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas (Unodc).
Para Matos de Alencar, autor do livro De Quem é O Comando? O Desafio de Governar Uma Prisão no Brasil, diversas variáveis explicam a epidemia de homicídios no país. “A literatura especializada relaciona sua ocorrência com uma série de fatores, que incluem desestruturação familiar, ausência de supervisão sobre os mais jovens, baixos índices de autocontrole, desorganização urbana, reduzidos índices de confiança, enfraquecimento da eficácia coletiva, perda de legitimidade das instituições, funcionamento do mercado ilegal de drogas, dependência química, baixa impunidade e ineficácia do sistema de justiça criminal”, afirmou. “Todos esses elementos estão presentes de maneira mais ou menos sobreposta no Brasil.”
Motta, por sua vez, considera que a impunidade contribui para o alto índice de homicídios no país. “No Brasil, a legislação penal é infantil”, disse, ao criticar a leniência da Justiça. “A lei oferece benefícios e direitos aos criminosos. O caso da atriz Daniella Perez é um exemplo. Ela foi assassinada de uma forma selvagem, sem qualquer chance de defesa. Em qualquer democracia do mundo, os assassinos seriam condenados à prisão perpétua ou à pena de morte. No Brasil, ficaram sete anos presos e hoje vivem como se nada tivesse acontecido.”
Resolução de crimes em queda
Segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, apenas 15,3 mil assassinatos cometidos no país em 2020 tiveram seus autores reconhecidos pelas autoridades. Ao todo, 41,6 mil homicídios foram registrados.
A pesquisa, feita com base em dados dos Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça de 19 Estados, revela que o índice de 37% de homicídios esclarecidos piorou, em comparação com o levantamento anterior. Em 2018, 44% dos autores dos crimes haviam sido denunciados até o fim do ano seguinte. A média mundial de elucidação de assassinatos, por exemplo, é de 63%.
O estudo teve início com pedidos de dados às 27 unidades da Federação, por meio da Lei de Acesso à Informação. Oito Estados não enviaram informações suficientes para o cálculo do indicador: Alagoas, Amazonas, Goiás, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins.
Entre os Estados que enviaram os dados completos, Rondônia foi o que mais esclareceu homicídios em 2019, com percentual de 90%. Mato Grosso do Sul (86%) e Santa Catarina (78%) fecham a lista dos três primeiros. As piores avaliações ficam por conta do Rio de Janeiro (16%), Amapá (19%), Bahia, Pará e Piauí — os três últimos, com 24% das mortes violentas esclarecidas.
Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, o baixo porcentual de esclarecimento de homicídios e a alta variação entre as unidades da Federação mostram que o Brasil ainda precisa buscar respostas para lidar com esses crimes. “A análise sobre o porcentual dos homicídios esclarecidos ajuda a mostrar que o país tem de priorizar e reforçar sua capacidade de investigar e processar esses crimes, que são os mais graves e que atentam contra a vida das pessoas”, afirmou. “Sabemos que nosso sistema de segurança pública e de Justiça criminal ainda focaliza muitos esforços nos crimes patrimoniais e em outros sem violência, impulsionando as prisões provisórias — que lotam o já saturado sistema prisional. É preciso dirigir os esforços e os investimentos, sobretudo para a investigação e o esclarecimento dos crimes contra a vida, onde, de fato, mora a impunidade.”
Um problema negligenciado: a saúde mental dos policiais
O índice de suicídios entre policiais da ativa das diferentes corporações aumentou 55,4% no ano passado, com 121 ocorrências, segundo o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O número é quase oito vezes maior que a alta verificada entre a população em geral (7,4%).
Para se ter uma ideia, o total de agentes de segurança que tiraram a própria vida em 2021 é mais da metade do número de policiais mortos em serviço durante todo o ano (190) e o dobro de suicídios registrados na população em Estados como Acre, Amapá e Roraima.
O cenário mais nebuloso está no Rio de Janeiro. Nos últimos dois anos, há um acumulado de 72% de suicídios de policiais — foram nove casos registrados em em 2020 e 15 em 2021. São Paulo, por sua vez, é o líder em números absolutos: 24 suicídios registrados apenas em 2021.
O Projeto de Lei (PL) 4.815/2019, que trata da prevenção de suicídio de policiais, foi aprovado no Senado em abril do ano passado. O texto, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), entrou em pauta na Câmara há dois meses. Contudo, ainda não foi submetido à avaliação dos parlamentares.
Leia mais: “O direito às armas”, reportagem de Bruno Freitas, Flavio Morgenstern e Iara Lemos publicada na Edição 125 da Revista Oeste
Agora o bandido pensa duas vezes antes de fazer o assalto.
Será que o cara é Bolsonaro ?
Se for não dá para roubar…