Atualmente, há “esquerda” e “direita” no mundo? Se houver, qual o significado desses termos? Segundo Hector Schamis, professor-adjunto do Centro de Estudos Latino-Americanos da Escola de Relações Exteriores da Universidade Georgetown, nos Estados Unidos, essas ideias perderam a capacidade explicativa, a ponto complicar — e não facilitar — as conversas.
“E, pior ainda, contaminam e desorientam o debate”, afirmou o docente, em artigo publicado no portal argentino Infobae. “A consequência disso é anomia e desafeto — daí a agonia política.”
De acordo com o colunista, os conceitos resumem e organizam a realidade, sempre caótica, de forma a permitir a comunicação. “São recipientes de informações empíricas”, explicou. “Eles simplificam a complexidade e nos dizem rapidamente que tipo de fenômenos devem ser esperados ao usá-los.”
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Para que palavras como “esquerda”, “direita”, “democracia” e “autoritarismo” tenham significado, a conexão entre o termo e os casos que as ilustram deve ser inequívoca. Caso contrário, estaremos no território da ambiguidade.
A “esquerda”, por exemplo, é definida a partir da noção de que a desigualdade não pertence à ordem natural das coisas. “Pelo contrário, a desigualdade é entendida como o produto de um conjunto de relações de classes”, argumentou o colunista. “Essas devem ser dissolvidas ou pelo menos reformadas, para alcançar mais equidade na distribuição dos recursos materiais.”
Isso ocorre tanto à custa da liberdade quanto da própria equidade, supostamente defendida pelos “progressistas”. Conforme avalia Schamis, os governos instalados nos países da América Latina são exemplos disso.
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“São ditaduras capturadas pelo crime internacional”, observou. “Nesses países, a pobreza se espalha e a desigualdade cresce, enquanto o Estado de Direito entra em colapso. E insisto nesta questão: ninguém que já se identificou com o genuíno progressismo considera essas ditaduras ‘de esquerda’. Veneno embrulhado para presente também mata.”
A “direita” conservadora, por sua vez, organiza-se segundo a ideia de ordem. E considera que as hierarquias e as assimetrias sociais são pré-políticas e devem ser preservadas, desde que garantam a ordem social. “Desde Ronald Reagan e Margaret Thatcher, contudo, o pensamento conservador relaxou seu paternalismo tradicional para abraçar o mercado como a arena fundamental da socialização — apesar da tensão intelectual e política com o liberalismo.”
Segundo o colunista, essa é a inconsistência lógica entre “direita” e “liberalismo”, a despeito das opiniões de autores conservadores que consideram esses termos como sinônimos. “Não surpreendente, a literatura sobre Reagan e Thatcher cunhou o termo ‘neoconservadorismo’ para examinar a peculiar — e instável — combinação de ordem tradicional e liberdade.”
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“Fundamentais no Ocidente, as noções de conservadorismo e socialismo se perderam no debate de hoje, pois estamos imersos no ruído; há uma verdadeira cacofonia de categorias analíticas presumidas que, na verdade, acabam sendo usadas como epítetos para aqueles que ‘pensam’ de forma diferente”, argumentou o professor da Universidade Georgetown. “Enfatizo as aspas, porque poucos pensam de verdade, com capacidade para duvidar e desconfiar de suas próprias certezas, com vontade de mudar de ideia.”
Segundo Schamis, o “não debate” reside em falácias e na repetição incessante de clichês, que substituem a conversa real e produtiva. “Chamamos de ‘polarização’ o dogma que transita entre o politicamente correto e a superioridade moral — à esquerda e à direita”, ressaltou.
Isso é o oposto da ideia disseminada pelo filósofo francês Michel de Montaigne, que, certa vez, elogiou a “inconstância das belas almas” e sua flexibilidade diante da mudança. “Ele rejeitou a busca pela perfeição moral e tinha uma convicção inabalável na própria Justiça e na retidão”, lembrou o colunista.
Leia mais: “Democracia, riscos e liberdade”, artigo de Salim Mattar publicado na Edição 110 da Revista Oeste
Não. Quem fala q é de direita ou esquerda na verdade é apenas balança ovo de político.