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Edição 110

Democracia, riscos e liberdade

Não podemos aceitar que homens de toga se comportem como os únicos guardiões da democracia e da verdade, julgando, a seu bel-prazer, o que pode ser ou não ser dito

Salim Mattar
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A democracia somente corre riscos quando o país é governado por homens. Uma verdadeira nação, democrática e republicana, deveria ser governada por leis. A democracia corre os mais sérios riscos quando os homens começam a “interpretar” as leis e cercear as liberdades. Interpretações que criam impunidade e privilégios não são legítimas, e, portanto, incompatíveis com o Estado de Direito. Democracias correm riscos principalmente quando o Judiciário extrapola seus limites e desrespeita o Estado de Direito.

Está cansativo presenciar tanta desarmonia e atos pontuais por parte dos Três Poderes, que têm como consequência trazido indignação ao povo e com impactos diretos, devido à insegurança jurídica, na economia do país, no momento com tantos desempregados e desalentados. Os Três Poderes são constituídos de servidores públicos que deveriam servir ao povo, mas, infelizmente, salvo exceções, presenciamos prioridades nas disputas de poder, deixando em segundo plano o combate à pobreza e à extrema pobreza, num momento em que vemos brasileiros comprando ossos para saciar a fome.

Nossas autoridades deveriam perceber que o povo, os verdadeiros senhores da nação, tem presenciado com desgosto essa desarmonia desagregadora entre os Poderes da República. Precisamos de mais civilidade dos líderes e das demais autoridades constituídas, que têm o dever de zelar pelo fiel cumprimento da Constituição. Essas pessoas, ocupando funções como servidores públicos, remunerados e mantidos pelos pagadores de impostos, deveriam ser um admirável exemplo de retidão e comportamento para todos os cidadãos.

Precisa a Suprema Corte entender que o povo brasileiro deseja viver num país democrático e republicano e tem o direito de se manifestar, clara e diretamente, nas redes, na mídia ou nas ruas quando achar que qualquer autoridade ou Poder esteja se excedendo, desrespeitando ou mesmo “interpretando” a Constituição, afrontando o Estado de Direito. Banir plataformas de comunicação, ou redes sociais, o controle da mídia e o cerceamento do direito de expressão não são atitudes coerentes com o ambiente democrático, pois afronta a liberdade. Os cidadãos têm absoluta legitimidade para criticar, independentemente da opinião de autoridades. E não cabe à Justiça ou a qualquer autoridade dizer que crítica tem ou não legitimidade. Deveriam as nossas autoridades aceitar que estão sujeitas às críticas públicas, ser mais humildes e reconhecer que o povo não se amedronta e não se submete a questionáveis interpretações da Constituição emanadas não por anjos, mas por homens, que podem cometer falhas em seu juízo de julgamento. E, mesmo quando for uma decisão inconstitucional, ela deve ser cumprida?

A liberdade de expressão é o pré-requisito de uma sociedade civilizada, democrática e republicana

O povo brasileiro é, por natureza, pacífico e ordeiro. Mas não é submisso! E não se permitirá ser submisso mesmo com pressão de qualquer das instituições. No momento, esse povo está indignado e inconformado com atos provenientes de nossa mais alta Corte e também consciente de que bravatas não colocam em risco a democracia. O povo está apreensivo com a consequência de atos pontuais que conduziram à prisão de cidadãos sem o devido processo legal, colocando em risco o Estado de Direito. Quando instituições perdem credibilidade e respeitabilidade e apelam para a força, colocam a democracia em risco. A postura ativa do povo em prol de pautas sociais, econômicas, políticas ou mesmo ideológicas é garantia de saudável democracia e engajamento cívico, bem como grito de alerta para que as nossas autoridades possam agir melhor corrigindo eventuais desvios, rumos e comportamentos.

As pessoas devem dizer o que pensam e serão expostas ao julgamento público, pois as ideias absurdas naturalmente se exalam. A liberdade de expressão é o pré-requisito de uma sociedade civilizada, democrática e republicana e significa que qualquer cidadão pode, livremente, se manifestar sobre qualquer tema, e o combate se dará com palavras e ideias. Não podemos aceitar que homens de toga se comportem como os únicos guardiões da democracia e da verdade, julgando, a seu bel-prazer, monocraticamente, o que seja certo ou errado, o que pode ser ou não ser dito, o que coloca ou não coloca a democracia em risco e o que é ou não ato antidemocrático. Até porque foram essas mesmas pessoas que retrocederam na legislação, na jurisprudência e no combate à corrupção.

O maior Poder da República é o povo. O povo é soberano, tem de exercer seus direitos, manifestar-se e não pode se calar. As instituições são subordinadas ao povo. Nenhuma instituição é o maior Poder da República. Vemos com frequência nossas autoridades defenderem as instituições. Mas não temos visto essas mesmas autoridades defenderem a liberdade, sendo que ela está acima das instituições. As instituições existem para garantir a liberdade individual.

Liberdade é inegociável e não pode estar sob julgamento.

Isso é democracia!


Salim Mattar é empresário e presidente do Conselho do Instituto Liberal

Leia também “Já passou da hora de privatizar a Petrobras” 

7 comentários
  1. Valesca Frois Nassif
    Valesca Frois Nassif

    Não me lembro de período mais conturbado e cheio de medidas tirânicas por parte do STF em toda minha vida . Devido à ação maciçamente militante e ativista da mídia tradicional , tenho a sensação de que a maior parte da população não tem essa percepção e permanece na ignorância e desconhecimento de fatos tão graves.

  2. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo texto. Parabéns. Como já dito diversas vezes e por diversas pessoas: a liberdade é inegociável.

  3. Daniel Rezende
    Daniel Rezende

    Estamos vendo togados preocupados com a “defesa das instituições democráticas”, mas não vemos a mesma preocupação com a defesa do povo e suas liberdades. No fim, o que eles querem é uma democracia sem povo, como o Fiuza costuma dizer.

  4. Antonio Rodrigues
    Antonio Rodrigues

    Sr. Mattar, discordo parcialmente, no início do seu texto coloca todos os três poderes na mesma panela!
    O Executivo é o único que está dentro das quatro linhas!
    O Legislativo e principalmente o Judiciário é que extrapola suas atribuições e tornou-se um puxado da esquerda petista, verdadeiros ativistas lulistas!

  5. Jorge Apolonio Martins
    Jorge Apolonio Martins

    A liberdade não pode estar sob julgamento, mas sim a falta de liberdade.

  6. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Corretíssimo Salim, é o que penso, por isso temos que nos apresentar nas manifestações pacíficas e democráticas exigir PAUTAS como a reforma política, judiciária e administrativa, para tornar todos os brasileiros iguais perante a Lei. Para que precisamos de 3 inúteis senadores por Estado, não basta 1? Vamos reduzir no mínimo 1/3 de nossas casas legislativas federal, estaduais e municipais, reduzir também funcionalismo do Judiciário e privilégios de magistrados, extinguir os desnecessários tribunais superiores do trabalho (TST) e eleitoral (TSE), excessivos Tribunais de Contas, verdadeiro emprego para ex políticos, enfim, que nos consomem bilhões de reais por ano, recursos tão necessários para saúde, saneamento e segurança.
    Salim, por que você se afastou deste governo, se ele não foi o culpado mas sim o Congresso do teu desejo de privatizar patrimônios mal geridos pelo Estado?

    1. Júlio Rodrigues Neto
      Júlio Rodrigues Neto

      Estamos, acredito eu, muito próximos de uma maioria no Congresso, que poderá ter vontade de executar estas mudanças.

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